O venezuelano Arthur Overa foi embora de sua cidade, Puerto Ordaz, há um ano e oito meses, quando não aguentava mais. Deixou para trás a família e milhares de sonhos. Depois de viver em Boa Vista e conseguir trazer sua esposa e duas filhas, ele chegou a Cuiabá há uma semana, e, desde então, pede ajuda no semáforo para recomeçar. Técnico óptico formado, casado com uma bioquímica, o venezuelano sempre viveu muito bem, mas foi, aos poucos, perdendo seu poder de compra, até ficar miserável: “O povo está sequestrado por aquele sistema diabólico”, lamenta.
“A gente estava bem. Eu posso até mostrar fotos de como era minha vida antes, era normal, o salário dava pra tudo. Até 2011 a situação era ótima, muito boa”, contou ao Olhar Direto. “A gente quando entra numa situação dessa, nem percebe. Quando a pessoa percebe, já está dentro. Cada vez o dinheiro vai dando menos, mas como é gradual a gente não percebe. De repente você fala: vish, o que eu estou fazendo?”.
O estopim veio quando sua segunda filha nasceu. Ela tinha apenas cinco dias de vida, e Arthur decidiu que viria para o Brasil. A esposa, Grei Farias, quis ficar para terminar a faculdade, pois a formatura estava próxima. O curso é uma mistura de análise clínica e bioquímica. “Minha bebê tinha cinco dias de nascida, quando eu saí. Eu estava desempregado, não tinha como manter a família, e esgotei as minhas opções. Fui pra Roraima e cheguei de carona. Ela [a esposa] não queria que eu saísse, ela ainda estava terminando o estágio, para apresentar a tese (TCC), a fazer a formatura. [Mas] como não tinha nada seguro, não tinha como trazer a criança pra rua. Eu vim sozinho, arrumei meus documentos, e graças a Deus em Boa Vista eles estão fornecendo muito apoio pra gente”.
Quatro meses depois, a esposa e as duas filhas também vieram para o Brasil. Arthur chegou a conseguir um emprego, mas Grei não. Aos poucos, a situação começou a ficar preocupante novamente. “Minha missão quando saí de lá era tirar minha família da miséria, e eu consegui, estava trabalhando. Mas estava trabalhando pra comer. Os serviços lá [em Roraima] estão muito caros, a energia vem da Venezuela, então é bem mais cara, o dobro do que aqui, enfim, pra ter acesso ao serviço de saúde estava super lotado... A cidade não tem estrutura pra manter tanto imigrante”, afirma o venezuelano.Foi então que o casal começou a ver Cuiabá como uma possibilidade. Acharam a cidade bonita e viram que havia maior possibilidade de conseguir emprego. “De fato o pessoal é bem acolhedor, e os serviços funcionam, a rua está limpinha, tem muitos pontos positivos que poderia falar porque a gente escolheu vir pra cá”.
Para sair de Roraima, venderam tudo o que tinham comprado, e Arthur saiu do emprego praticamente ‘com uma mão na frente e outra atrás’. Seu salário era menor que o piso de sua categoria, e recebeu somente R$10, sem direito a seguro desemprego.
A chegada foi a uma semana, quando a família procurou a Pastoral do Migrante, que também está lotada e tem dificuldades de abrigar mais pessoas. Logo que chegaram, os dois começaram a pedir ajuda no semáforo da Praça Oito de Abril, e em pouco tempo já conseguiram um valor para alugar uma quitinete no Areão, matricularam a filha mais velha, de cinco anos, na escola, e conseguiram entrevistas de emprego. “A gente está pesquisando com as pessoas, tentando, porque eu acredito que existem pessoas com disposição de ajudar, mas se não formos atrás, não vamos achar nada”, afirma.
Agora, os dois precisam principalmente de emprego e creche para a filha mais nova, de m ano e oito meses. Além disso, colchão, botijão de gás, guarda roupa, ventilador, e o básico para se manter. Eles já receberam roupas e quase todos os dias ganham caixinhas de leite. Até conseguirem trabalho, pretendem continuar no semáforo.
oltar para a Venezuela, no entanto, não é uma opção. “De forma nenhuma. Daqui a uns vinte anos talvez, porque está destruído, totalmente. O aparelho produtivo de lá não presta pra nada. Eles acabaram com todas as empresas, acabaram com todas as iniciativas de investimento privado... é um país que não tem segurança nenhuma pra investir o dinheiro. O Estado acha que as empresas são de interesse nacional e ficam com a empresa, e pagam se quiser”, lamenta.
Como as famílias de Arthur e Grei continuam lá, o fechamento das fronteiras deixou a situação ainda mais crítica. O avô e a mãe dela, por exemplo, não podem mais receber medicamentos. “É ruim pro coitado do povo que está dentro. O povo que está dentro está sequestrado por aquele sistema diabólico. E por outra parte é bom, porque agora que estou percebendo que a opinião internacional está vendo o que realmente a gente sofre. Agora que o jornalista vai lá e faz uma pergunta incômoda e filma no celular... agora vocês estão vendo qual é o tipo de governo que a gente tem lá, qual é o agir deles”, finaliza.