“Ele tinha um ciúme doentio, sem razão, sem nada. Ele bebia e era violento, me agredia muito”, contou Lúcia Cardoso, 52 anos, ao Circuito Mato Grosso. Ela morava no bairro Praerinho, em Cuiabá (MT), e há 25 anos seu ex-marido, Paulo Bezerra* tentou matá-la.
Lúcia Cardoso se casou aos 15 anos, mas antes disso namorou o agressor durante um ano e dois meses. Porém, somente após o quinto mês de casados que tudo começou a mudar. “Ele nunca havia dado nenhum indício antes. Era uma pessoa boa, caridosa, agradava os meus pais... Mas depois de cinco meses de casamento, ele via cabelo em ovo, alguma coisa ele caçava”.
Ela esclareceu que o marido passou a ter um ciúme possessivo e brigava caso Lúcia conversasse com um vizinho, se alguém a cumprimentava na rua, e uma vez bateu em seu rosto, no meio de um restaurante, após a esposa mudar de lugar e Paulo acusá-la de olhar para outros homens.
Foram oito anos de casados, tiveram dois filhos, uma menina de oito meses e um filho de três anos, até que uma determinada noite a violência chegou ao extremo.
Era uma noite de domingo, aproximadamente 21h. O marido, que era caminhoneiro, havia acabado de chegar de viagem e estava bêbado. Enquanto Paulo jantava, a filha mais nova do casal começou a chorar. “Ai ele me perguntou se eu tinha dado comida para ela e eu falei ‘lógico que dei’”.
O homem colocou a panela de comida no chão, pegou a criança que chorava e colocou a cabeça dela dentro da panela de comida quente, esfregando o rosto da menina. Lúcia partiu para cima do marido, que a acertou com um murro e ela caiu. Enquanto ele saia trancando as portas e janelas de casa, Lúcia pegou a criança mais nova e ele um revólver. Paulo ia atirar nela.
No meio da confusão e dos momentos de terror, o agressor tentou atirar contra Lúcia, mas a arma falhou. Então, ela conseguiu colocar o filho mais velho dentro do guarda roupa. “Ele me deu o tiro, mas na hora que fez isso eu levantei a mão dele para cima. Faltou (sic) 15 cm para acertar a cabeça do menino dentro do guarda-roupa”.
Lúcia conseguiu tomar o revólver das mãos de Paulo, quebrou a janela de casa e jogou o objeto para fora. "Ele não desistiu. Pegou a enxadinha de limpar as fezes do gado no caminhão e começou a tentar matar a menina, deu a primeira enxadada que pegou e quebrou a clavícula dela. Na segunda eu coloquei a mão na frente e pegou no meu braço”.
Mais uma vez, Lúcia conseguiu forças e tomou a enxada do agressor, que escorregou no óleo que caiu da panela. Nesse meio tempo ela colocou a filha embaixo da cama. Paulo não desistiu e foi em busca de uma faca.
“Ele veio para cima de mim. Já estava suado de lutar, né? Eu peguei uma bíblia e joguei no rosto dele, empurrei uma cadeira com ventilador e ele se enrolou no fio e caiu. Levantou e conseguiu me dar uma facada em cima do peito, eu tirei com a mão e pegou outra no pescoço, perto da veia artéria”.
Em algum momento entre a agressão, a faca se quebrou e ele foi buscar outra. Lúcia pegou a escada de uma cama beliche e assim que Paulo voltou, ela o acertou na cabeça. O agressor ficou tonto, Lúcia jogou um lençol que estava próximo em cima dele e dessa vez ela que pegou a faca e começou a desferir pelo menos três golpes.
Em fuga, Lúcia conseguiu sair correndo pelo bairro, cujo as ruas ainda eram de terra, e seu pai morava cerca de um quilômetro de distância, mas acabou caindo de cabeça em uma poça de água. Uma vizinha que veio socorrê-la e chamou pelo pai da vítima, Darci Nunes Cardoso.
O pai de Lúcia pegou seu facão e estava indo atrás do genro. O agressor ainda falou para o sogro que Lúcia havia matado as crianças, havia tentado matá-lo e iria se suicidar. “Ele achava que as crianças estavam mortas. Mas ai o meu pai disse ‘rapaz, você nunca bate na filha de um homem’ e ia dar uma facada no meu ex-marido”.
Seo Darci foi tentar desferir um golpe no genro, um de seus filhos tentou impedir o ato e o facão acabou atingindo-o de raspão na cabeça.
O irmão dela não precisou ir para o hospital, Lúcia ficou internada 16 dias, seu pai seis dias, pois havia entrado em estado de choque, seu agressor ficou 42 dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), pois uma das facadas atingiu o pulmão.
Paulo Bezerra chegou a ser preso, mas foi solto logo em seguida e voltou para tentar matar o pai da vítima. Com um revólver em mãos, chegou para atirar no ex-sogro, mas a irmã de Lúcia, que tinha cerca de 12 anos, estava chegando do colégio e pulou em cima do homem, junto dos outros irmãos conseguiram impedir o crime.
“Eu, hoje, carrego um trauma. A minha filha ficou com problema no braço. Eu fiquei depressiva. A minha vida foi só medicamento, uma dor de cabeça porque ele me deu uma pancada na cabeça. Acabou tudo, mas as sequelas ficaram”, desabafa.
“Eu era muito nova, muito boba. Ele ameaçava matar os meus pais, os meus irmãos, e eu tinha medo. Com medo, eu me sujeitei a isso. Eu fiquei muito agressiva, eu fiquei uma pessoa bem diferente. Hoje, eu não admito um homem falando mais alto que eu ou que me determine algo. Foram muitas agressões, eu tomo remédio controlado, para depressão... São remédios para me conter”, relata Lúcia.
Luíza Andrade*, 34 anos, conheceu seu ex-companheiro, Josué Silva*, em uma festa de aniversário de uma amiga, em três semanas eles já estavam morando junto. Após um determinado tempo, as agressões psicológicas se iniciaram.
“Eu não me dava conta. Eu nunca tinha visto um negócio desses na minha vida. Eu vim de uma criação de que casamento é para sempre. Embora fosse meu segundo casamento eu pensei que dessa vez eu não ia errar, eu ia persistir...”.
Luiza ouvia muito que as mulheres são a base de uma família, que uma mulher faz o homem. Enquanto isso, dentro de casa, Josué a torturava psicologicamente, destruindo cada vez mais sua autoestima.
Eles caminhavam pelas ruas e Luiza notava quando o companheiro começava a encarar outras mulheres. “Eu chamava a atenção, pedindo por respeito e ele dizia ‘Eu não aguento ver mulher de peito grande e ela está quase com o peito para fora’, ai eu pedia para pelo menos disfarçar”.
De várias formas Josué tentava rebaixar Luiza, como quando começou a chamar os seios da companheira de “mixuruca. “Eu enfiei na cabeça que precisava colocar silicone. Quando eu mudei de emprego e fui trabalhar com uma médica e ela me pegou chorando. Eu mostrei para ela um e-mail que ele havia me mandado”.
Sua chefe tentou de várias formas aumentar a autoestima de Luzia e acabou a presenteando com as próteses de silicone. “Ela falava ‘Você é linda, uma super profissional’, me falou um monte de coisa, mas não adiantava. Só o que ele falava que entrava na minha cabeça”.
Luiza colocou os silicones, mas nada era o suficiente. Em seu emprego, ela precisava ficar respondendo e-mails pelo celular, mesmo de casa, e Josué vivia com ciúmes e queria ficar olhando o aparelho de celular dela.
“Eu era convidada para eventos e ele me diminuía. Ele falava ‘Mas você vai barriguda assim, porque não tomou um laxante antes? ’, e eu não ia mais. Eu parei de aceitar os convites e ele começou a me dominar e soube como fazer, piorou”.
A mulher precisou mudar de emprego e dessa vez foi trabalhar para um médico. Os ciúmes pioraram, Josué passou a buscá-la no trabalho, regulava os horários. Em dias que Luiza precisava chegar mais cedo, ele não ia levá-la, para que dessa forma ela se atrasasse e fosse demitida.
Eram diversas humilhações e ameaças de abandono, jogando contra ela a própria história, pois sua mãe fez o mesmo quando ela era uma criança. Até que um ano e meio depois do início da relação, ele começou a bater nela já que ela descobriu sobre um caso extraconjugal.
Com a descoberta do caso, Luzia decidiu tomar satisfações. “Cala a boca, se não eu quebro a sua cara aqui agora”, era o que Josué respondia. Em um conflito com a própria mente, ela se calava, parava de brigar e de querer respostas. “Eu vivia com um conflito interno e pensava ‘eu sou inteligente, sou bem sucedida, o que eu quero com esse homem? ’”.
Josué a agrediu com tapas, nunca no rosto para não deixar marcas, puxava seus cabelos e depois entrava na fase lua de mel. O agressor garantia que queria melhorar e comprava presentes, buscando agradar a companheira. “Ele voltava a ser bonzinho por dois, três meses e falava que queria me reconquistar, que a culpa era minha. Dizia que queria mudar, mas eu o pressionava”, narrou Luzia.
“Muitas vezes eu achava que eu estava errada. Eu encontrava as conversas dele no celular e ele começava a gritar ‘viu como você não quer que eu mude? Não quer viver bem, você não quer um casamento. Você faz da minha vida um inferno’”.
Ela já tinha um filho, sem ser do agressor, mas descobriu que estava grávida novamente. “Eu chorei quando descobri, eu não sabia o que fazer. Falavam que ele ia melhorar, pois agora teria um filho dele e era homem”. Ele bateu nela grávida e ela quase perdeu a criança.
Foram sete anos de relacionamento e Josué sempre bateu muito nela, conforme conta Luiza. Um dia, ela sentiu que poderia morrer e foi para a delegacia prestar queixa, saiu de casa com a roupa do corpo e foi morar com a mãe, que a incentivava a voltar para a própria casa. Luiza voltou em uma semana, Josué já estava com outra mulher e mesmo assim Luiza ficou na mesma residência. Até que ele bateu novamente nela, na frente do filho que tinha cerca de dois anos de idade. Luiza nunca mais voltou.
“Quando fui denunciar novamente, perguntaram se eu queria que ele fosse preso e eu disse que não, porque ele ia perder o emprego”. Luzia disse que achou que se sentiria culpada, mas, segundo ela, ele ainda tenta prejudicá-la de várias formas.
Como Josué ficou na residência, com os documentos passou a papelada toda para o nome da própria mãe, dessa forma Luzia perdia os direitos. O agressor procurou o conselho tutelar e pediu a guarda do filho.
Mesmo com medida protetiva Josué continua perseguindo ela e se recusa a pagar a pensão alimentícia para o filho até que tudo se resolva perante a justiça.
“Ele me tomou tudo, me deixou passando necessidade. Eu separei em outubro de 2017 e mesmo separada eu não tive paz”, desabafa Luiza.
*O nome dos personagens são fictícios para preservar suas identidades.
Sancionada em agosto de 2006, a Lei 11.340/06 coíbe e previne a violência doméstica e familiar contra a mulher. E tem esse nome em homenagem a mulher que lutou para ver o seu agressor condenado. Além disso, a lei serve para todas que se identificam com o sexo feminino, ou seja, heterossexuais, homossexuais e as transexuais.
Se encaixa na lei: a violência física: empurrar, chutar, amarrar, bater e violentar;
violência psicológica: humilhar, insultar, isolar, perseguir, ameaçar;
violência moral: caluniar, injuriar, difamar;
violência sexual: pressionar a fazer sexo (mesmo dentro do casamento), exigir práticas que você não gosta, negar o direito de uso de qualquer contraceptivo;
violência patrimonial: reter o seu dinheiro, destruir ou ocultar seus bens objetos, não te deixar trabalhar.
Disque denúncia: 180 - Central de Atendimento à mulher
190 para acionar a Polícia Militar
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