A mãe do aluno Rodrigo Claro, morto em novembro de 2016, Jane Patrícia Claro, garantiu que o filho tinha preparo físico e psicológico para participar dos treinamentos e assim ingressar no Corpo de Bombeiros. Para ela, a morte foi por excesso da tenente Izadora Ledur de Souza Dechamps.
A fala foi dada ao final da audiência realizada na última semana, na 11ª Vara Criminal Especializada da Justiça Militar. Na ocasião, a testemunha de defesa, coronel João Rainho Júnior, contou que os chamados ‘caldos’ são comuns durante a preparação. Além disto, pontuou que os alunos que estavam a ponto de se formar, deveriam estar aptos a enfrentar este tipo de situação.
João Rainho Junior foi professor da tenente Ledur durante sua especialização e a primeira e única testemunha de defesa ouvida na segunda-feira. Ele atua no setor de instrução e explicou sobre os treinamentos na instituição, inclusive em piscinas e lagos.
A mãe do aluno bombeiro comentou a fala dada pela testemunha. Segundo ela, há algumas contradições, pois em outra audiência, o coronel Cavalcante teria dito que as atitudes de Ledur foram inadequadas. No entanto, João Rainho disse que aplica os métodos e os considerou "normais".
“O que te fato acontece? O que de fato pode ou não acontecer neste curso? Os próprios oficiais que se dizem preparados para esses eventos de preparação de alunos, eles mesmos se contradizem. A gente não sabe onde de fato está à verdade”, questiona.
Durante cerca de duas horas de depoimento, João Rainho relatou que o aluno precisa ter um psicológico e físico forte para suportar os treinamentos, e assim, se tornar um soldado. Segundo ele, caso não haja, o bombeiro pode morrer e matar a vítima. A intenção dos treinamentos, de acordo com o coronel, é deixar o aluno o mais próximo da realidade.
Jane Claro assevera que Rodrigo tinha preparo físico e psicológico para ser submetido às atividades. Porém, houve excesso por parte de Ledur. Consta nos autos que a tenente teria subido nas costas de Claro para afoga-lo. A prática conhecida como “caldo” é considera “normal” pela testemunha de defesa, que inclusive elogiou a desenvoltura da tenente em um curso aplicado por ele, em que a a acusada foi aluna.
“O Rodrigo, por exemplo, tinha um psicológico totalmente tranquilo. Ele foi um menino que nunca deu alteração em momento algum, tanto familiar, tanto com amigos, na sociedade. Era um menino que tinha um porte físico muito bom, tinha preparação física muito boa. Aconteceu isso? Aconteceu. Só que foi por excesso dela, não por falta de preparo dele. Preparo físico ele tinha sim para aguentar até o fim. Se aconteceu, foi por excesso dela”, afirma.
O advogado de defesa, advogado Huendel Rolin, pediu anulação de todas as provas produzidas pela Polícia Civil. Durante a audiência, a defesa pontuou que a instituição não teria a competência para fazer a investigação e que o ideal seria que ela fosse feita através de um Inquérito Policial Militar (IPM). “Foi conduzido por uma autoridade totalmente incompetente. Isto vem acarretando em inúmeros prejuízos e violações das garantias constitucionais da denunciada”.
O Juiz Marcos Faleiros explicou que, em outubro de 2017, a tortura passou a ser crime militar. Antes da vigência da lei, quando aconteceu a denúncia, não havia irregularidade por tramitar na Polícia Civil, sendo assim, na época era considerado crime comum. Por maioria (6 a 1), cinco juízes militares e o magistrado votaram pela rejeição da anulação. Uma juíza militar votou para que fosse anulada a investigação. “O IPM [Inquérito Policial Militar] que o Corpo de Bombeiros nos apresentou foi uma vergonha. O Conselho de Justificação que eles nos apresentaram dão total autonomia para os oficiais continuarem cometendo este tipo de crime. Eles deveriam acabar com essa prática. Mas como o coronel disse que ele também usa desta prática. Não é um caso isolado. Não é um instrutor apenas, tem outros instrutores. Se o comando quisesse, ele poderia acabar com essa prática, mas não é o caso. Eles não pretendem acabar com esse caso. E com certeza se continuar da forma que está, teremos a morte de outros Rodrigos, teremos outras famílias chorando”, lamentou.
A audiência terminou por volta das 18 horas. Três testemunhas foram ouvidas no dia seguinte (16). As demais audiência devem acontecer nos dias 22, 29 e 30 deste mês. Ledur deve ser ouvida no último dia, após às 13h30.
“É desgastante. Não deixa de ser porque mexe muito com o psicológico da gente, relembrar o caso não é fácil. Como a gente sempre fala, o pior a gente já fez, que foi sepultar o corpo do nosso filho. A pior parte foi essa. Agora, suportar dias de julgamento, dias de oitivas, é complicado sim, porque a gente vai relembrar tudo, mas pelo pior nós já passamos”, lembra.
O caso
Rodrigo Patrício Lima Claro, de 21 anos, ficou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e faleceu por volta de 1h40 do dia 16 de novembro de 2016. Ele teria sido dispensado no final do treinamento do curso dos bombeiros, após reclamar de dores na cabeça e exaustão. O jovem teria passado por sessões de afogamento e agressões por parte da tenente Izadora ledur.
O Corpo de Bombeiros informou que já no Batalhão ele teria se queixado das dores e foi levado para a policlínica em frente à instituição. Ali, sofreu duas convulsões e foi encaminhado em estado crítico ao Jardim Cuiabá, onde permaneceu internado em coma, mas acabou falecendo.
O corpo de Rodrigo foi encaminhado ao Instituto Médico Legal, mas análise preliminares não apontaram a real causa da morte e por isso exames complementares foram realizados, de acordo com a perícia criminal.