A Justiça Federal autorizou uma família de Cuiabá a plantar maconha medicinal (cannabis sativa) em casa para tratar o filho, de 11 anos, diagnosticado com esclerose tuberosa, síndrome convulsiva refratária e transtorno do espectro autista.
A decisão, de caráter liminar (provisório), foi assinada pelo Juiz Federal Paulo Cézar Sodré, da 7ª vara criminal, na sexta-feira (21) e publicada nessa segunda-feira (24).
“Embora repute válida a discussão sobre a atipicidade material das condutas de importar, plantar, cultivar, colher, guardar, transportar, prescrever, ministrar e adquirir cannabis sativa com fito exclusivamente terapêutico e medicinal, tenho que, para fins de concessão da medida liminar, mostra-se suficiente reconhecer que a conduta dos pais que importem sementes de cannabis sativa geneticamente modificadas para o único fim de cultivar a planta, visando a produção de extrato imprescindível para amenizar os sintomas de grave enfermidade de seu filho, encontra-se amparada por estado de necessidade”, diz o juiz em trecho da decisão.
A mãe da criança e nutricionista, Solanyara Nogueira, afirmou ao G1 que a decisão deu para a família a garantia de direito à saúde. “Significou acesso, respeito e empatia”, ressaltou.
Conforme a decisão, a família chegou a entrar com uma ação e obteve junto do estado a concessão do extrato da planta. No entanto, a distribuição não era feita de forma regular. Além disso, a família afirmou que o custo do medicamento é muito elevado. Cada vidro do remédio custa, em média, R$ 1,8 mil.
Em 2015, os pais da criança fizeram o plantio de 20 pés da maconha medicinal em casa. Para garantir que o filho tivesse o medicamento, Solanyara afirmou que fez um curso na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2017, para aprender a cultivar e extrair o óleo da cannabis sativa.
“Sempre fomos discretos e só utilizávamos quando não tinha outro jeito, sabíamos que era ilegal e, por isso, recorremos à Justiça. Cheguei a entrar em contato com outros advogados, mas se esquivavam pela complexidade, preconceito e estigma. Isso só se vence com informação, e quando realmente se vê dentro da necessidade”, ressaltou.
Após a extração, o óleo é armazenado em um vidro e todos os dias a criança toma duas gotas do medicamento.
Na decisão, o juiz disse que as sobras da produção do extrato, do cultivo à extração, devem ser utilizadas como fertilizante, não podendo ser descartadas no lixo comum.
Além disso, os pacientes deverão informar à Justiça,a cada dois meses, sobre o cultivo e produção do extrato , e apresentar atestado médico de acompanhamento da criança.
Solanyara contou que o filho chegou a ter 40 convulsões por dia. Além disso, antes do uso da maconha medicinal, a criança tomava 11 comprimidos diários para tentar evitar as convulsões, mas não faziam mais efeito.
“Já teve períodos de muita agressividade e isso foi um dos comportamentos indesejados que conseguimos observar melhora com o uso da maconha. É uma luta constante, mas ele tem melhorado e superado a cada dia”, afirmou.
Em 2017, a criança foi submetida a um procedimento cirúrgico para tentar controlar as crises, mas, segundo a família, a cirurgia não se mostrou eficaz.
A melhora aconteceu mesmo somente após o uso da maconha. Conforme a decisão, isso foi comprovado em laudos médicos.
“Espero ajudar outras pessoas a terem acesso e poderem melhorar sua saúde e de seus familiares, buscando qualidade de vida. Que não esperem precisar para apoiar o acesso à maconha. Como toda planta, ela tem efeitos benéficos e nocivos também”, ressaltou a mãe.
Além da melhora no estado clínico, a Solanyara disse que também percebeu melhora no comportamento do filho no dia a dia.
“Ele ficou mais concentrado, sociável, calmo. Também parou de usar fralda. É uma criança com necessidade de algum suporte. Ele brinca, faz terapias, vai à escola, passeia. Adora pula-pula, sorvete, chocolate. Não verbaliza, mas compreende tudo a sua volta”, disse.