Por Fábio Roque Sbardellotto
Professor e procurador de Justiça, presidente da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP)
A sentença de Heráclito, filósofo pré-socrático e pai da dialética, no sentido de que ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio porque, ao entrar pela segunda vez, já não encontra as mesmas águas, nunca se fez tão verdadeira como agora, tamanha gravidade do fenômeno pelo qual estamos passando. Não haverá como resistir: sairemos diferentes de como entramos nesta pandemia. Os processos civilizatórios deverão ser reinventados na economia, na política, na vida familiar, na educação.
Na educação, desde 1988, observa-se a destinação de vultosos recursos no ensino público, níveis Fundamental, Médio e Superior. A Constituição exige que os municípios nessa área apliquem ao menos 25% de sua receita resultante de impostos e transferências. O mesmo vale para os Estados. No caso da União, o percentual mínimo era de 18% até 2017. A Emenda Constitucional 95 estipulou que, a partir de 2018, a União investirá o mesmo valor de 2017, mais o acréscimo da inflação do ano anterior medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
O resultado desses investimentos, segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), demonstra que o Brasil estagnou e está muito abaixo da média dos 79 países analisados. Em matemática, estamos na 70º posição; em ciências, na 66º; em leitura, somos o 57º.
Antes da crise da covid-19, já se verificavam iniciativas para tentar reverter esse quadro, notadamente no setor privado. O termo da moda era “Educação 4.0”, em alusão à quarta revolução industrial, guiada pela internet, com digitalização, coleta e análise de dados.
Na educação, com esse ferramental, sugestionava-se a introdução de processos estratégicos utilizando planos de inovação efetivos, a implantação de uma educação científico-tecnológica no desenvolvimento das aulas, aprimorando as competências e habilidades dos alunos.
O resultado seria a formação de uma cibercultura, com novos processos e espaços de aprendizagem. Preconizava-se uma inversão do modelo baseado na tradicional relação ensino-aprendizagem.
O novo paradigma visava encontrar um ponto de equilíbrio nas relações educacionais, não mais vertical, mas sim horizontal, no qual a aprendizagem assumisse grau de equivalência com o ensino. O aluno deveria assumir protagonismo, ser proativo, não apenas reativo.
Entretanto, essa nova tendência ainda se materializava em forma de espasmos, soluços, porquanto poucos espaços acadêmicos ofereciam condições tecnológicas e estrutura pedagógica para suportar tamanhos desafios. O padrão vigente conferia primazia à sala de aula, utilizando ferramentas tecnológicas sob a forma de “tema de casa”. Isso tudo nas instituições privadas. As públicas mantinham-se arraigadas no padrão tradicional.
Com o isolamento social, houve uma disruptura inesperada e muito traumática no ambiente educacional. Na educação pública, praticamente foram paralisadas as aulas. No ambiente privado, mantiveram-se sob a forma do ensino a distância, com tecnologias virtuais. Os alunos de instituições públicas permanecem com seu horizonte incerto quanto ao semestre e mesmo ao ano.
No setor privado, pais passaram a atender seus filhos em casa, com a transmissão/apreensão do conhecimento a distância e o estímulo a certa autonomia do estudante. As pessoas passaram a estudar em seus lares. Não cessam as reclamações de que se tornou difícil exercer home office e acompanhar a educação dos filhos ou mesmo estudar. As aulas presenciais foram abruptamente substituídas por atividades virtuais.
O que esperar no ambiente educacional? Os conteúdos não se modificaram. O desafio está em vislumbrar a retomada dos processos educacionais pós-coronavírus. Projetamos uma realidade na qual pouco do que se tinha antes será encontrado. E as instituições de ensino e seus educadores deverão se reposicionar – “não se passará mais pelo mesmo rio”. A travessia será mais tranquila para aquelas instituições que já desenvolviam um ambiente educacional segmentado, embasado em uma relação humanista, que tinham o estudante no centro da relação aprendizagem/ensino. A seletividade irá privilegiar aqueles ambientes educacionais nos quais o processo de aprendizagem oferecia ferramentas que tornavam a tecnologia aliada da educação, mas que também entregavam resultados alvissareiros para seus investidores, os alunos. Sairão exitosas as instituições educacionais que estavam preparadas e já planejavam o futuro de uma educação de excelência, apesar de existir crise econômica.
Para essas, o processo apenas se acelerou, e as águas que as banharam já haviam filtrado boa parte do que agora se apresentou como desafio quase intransponível para as outras.