BBC News Brasil - Prefeito, qual é o último grau, se o senhor já classificou a situação como colapso na saúde pública, como filme de terror? O que mais precisa acontecer?
Virgílio Neto - A situação de horror é amenizada, se Deus quiser, com a chegada, que foi uma intervenção benigna do ministro (Nelson) Teich e do general (Eduardo) Pazuello, chegou muita gente para o governo do Estado. Se essas pessoas vão resolver ou não, a gente vai ver daqui a pouco, se vai melhorar... Acho que piorar não pode, deverá melhorar.
Nosso hospital de campanha vai crescendo a cada momento. Estamos com organização nos sepultamentos. Acabou aquela algazarra, aquela confusão. Aquela história de o filho de alguém que morreu querer agredir o coveiro, que é o sujeito mais exposto ao coronavírus.
BBC News Brasil - Então o senhor enxerga no lockdown uma janela para uma possível convulsão social, é isso?
Virgílio Neto - Eu queria ter certeza de que não, para poder apoiar o lockdown. Eu falei com todas as pessoas importantes nesse episódio do lockdown e não encontrei segurança nenhuma. Nenhuma. Ninguém seguro que este é o melhor caminho.
Eu encontrei pessoas que dizem que nós não temos instrumentos de repressão para sequer reprimir de verdade uma rebeldia popular de grandes proporções. Então, eu olho com responsabilidade o lockdown. O MP sugeriu, sugeriu. Vamos analisar, fazer uma teleconferência e discutir. Mas, eu não posso declarar um lockdown sem ter absoluta segurança de que preciso dele como a gente usa um respirador. A gente usa o respirador mecânico só quando a gente acha que a pessoa vai morrer.
BBC News Brasil - Agora, prefeito, não está um pouco em cima da hora, ou tarde para saber se o lockdown faz sentido ou não e qual seria a alternativa?
Virgílio Neto - Eu acabei de falar que chegou um reforço brutal para o governo do Estado. Dois Boeings (com insumos).
Mas, quando você se referiu ao episódio em que eu chorei na televisão. Eu sou um cara muito sentimental. Muito sensível. E também não fui criado em uma família em que homem não chora. Chora homem e chora mulher. Na minha família, sai na porrada homem, sai na porrada mulher. Na minha família, a gente topa tudo. Tem de tudo lá.
Eu explodi sim porque você vê a pregação do "vai para a rua", e eu dizendo "não vem para a rua", e o pessoal não me atende e vai para a rua. E as pessoas morrem.
Diferentemente do H1N1, que matou várias pessoas no mundo, eu não tenho de cabeça o nome de nenhuma pessoa que tenha morrido de H1N1, uma pessoa próxima a mim. Eu não lembro de ninguém. Hoje, todo dia eu vejo mortes de pessoas que conheço. Ou pessoas humildes dos bairros, cujos nomes eu identifico, ou pessoas ricas que eu conheço também, pessoas de classe média que eu conheço.
Todo santo dia eu vejo isso. Isso só não mexe com uma pessoa com o coração muito ruim. Um coração muito desonesto até, você não sentir uma coisa dessa. E a impotência, e a falta de recursos, os recursos não vinham, e não vieram ainda, nós estamos lutando com nossas próprias forças. E morrendo gente, morrendo gente.
Coveiro quase espancado por filho de uma pessoa que ia ser enterrada. O coveiro! O coveiro! Se tivesse que espancar, espancasse o governador, espancasse a mim, mas o coveiro. Quer dizer, alguém não se condoer com isso, não se emocionar com isso… Me parece que pelo menos é alguém diferente de mim.
Eu tenho uma máxima: na minha vida, quando eu me emociono, eu choro. Na política, quem chora é quem me enfrenta.
BBC News Brasil - O senhor está no segundo mandato como prefeito, foi deputado várias vezes, foi senador, foi ministro de Estado, representando também de alguma maneira a sua região. Qual é sua autocrítica neste momento de colapso?
Virgílio Neto - Eu não sei como começou o primeiro caso. Teoricamente, tinha que ser detectado pela rede primária. Mas pode ter sido alguém que sentiu uma gripe, se automedicou, contagiou a família toda. Eu não sei te contar essa história.
Uma autocrítica que fiz ontem com o secretário de Saúde: nós não falávamos em dengue aqui desde o final do primeiro ano do governo. Agora é época de dengue aqui e uma pessoa acusou dengue outro dia.
Eu acho que nós demos uma certa relaxada, na obsessão de enfrentar o corona, em relação a outras doenças, endemias ou não. E a obsessão nossa ficou durante esse tempo inteiro covid, covid, covid, e abrimos espaço para termos um caso de dengue.