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Maqueiro supera a Covid-19 após 10 dias de internação, mas tem a enteada morta pela doença no Ceará

Francisco Ribeiro da Silva atua na maior unidade de urgência e emergência de Fortaleza há 16 anos, onde contraiu a doença. Dias após a cura, ele perdeu 'uma filha do coração' para o novo coronavírus.

Data: Quarta-feira, 13/05/2020 14:10
Fonte: G1

Um maqueiro terceirizado do Instituto Dr. José Frota (IJF), em Fortaleza, conseguiu superar a Covid-19, após 10 dias de internação, mas viu sua enteada de 32 anos morrer em decorrência da doença. Francisco Ribeiro da Silva, 41 anos, lembra que chegou a ficar com apenas 25% do pulmão funcionando no estágio mais avançado do coronavírus. A maior dor dele, no entanto, foi ter perdido a "filho do coração", segundo relata.

O número de casos confirmados da doença no Ceará já passa de 18 mil. Até esta quarta-feira, mais de 1,3 mil pessoas já morreram em decorrência da doença no estado.

O novo coronavírus seguiu o padrão no cearense: veio rápido e silencioso, mas tirou as energias do maqueiro. O primeiro sintoma da Covid-19 foi a dor no corpo, seguida de “muita tosse e muita falta de ar”, dois dias depois. Chegando ao Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), em Fortaleza, a taxa de oxigênio do cearense foi medida em 60% e ele precisou ficar internado, já que o normal varia entre 95% e 99%.

Por ser profissional da área da saúde, Ribeiro procurou o HSJ ao surgirem os primeiros sintomas da virose, e recebeu atestado médico de 14 dias para afastamento do trabalho. Nas 48h seguintes, porém, a doença piorou consideravelmente – foi quando precisou ser internado.

A equipe médica, então, receitou a ele uma “manobra” respiratória, a ser feita no leito, para recuperar a oxigenação e evitar uma intubação.

“O exercício era ficar de barriga pra baixo, puxando e soltando o ar. No dia seguinte, a saturação chegou a 97%. O médico disse que foi um milagre”, narra o maqueiro.

O tratamento seguiu à base de cloroquina associada ao antibiótico azitromicina, de acordo com o protocolo estabelecido pela Sesa em abril. Ao quinto dia de internação, Ribeiro foi transferido para um leito de Covid-19 no IJF – onde uma tomografia revelou que 75% dos pulmões estavam comprometidos.

 

“Eu só tava com 25% de pulmão funcionando. Me arrepiei todinho quando soube. Se não tivesse me tratado logo, nem sei. Se eu tirasse o oxigênio, começava a ficar sem ar. Era como se tivesse afogado fora d’água. Tive que manter a calma: se você se aperrear, é pior”, diz.

Perda da 'filha'

 

Até o oitavo dia de internação, o maqueiro não conseguia caminhar nem respirar sem o auxílio da máscara de oxigênio. “Me senti um escolhido por Deus, ao ver que tanta gente tava como eu e não conseguiu”. Atualmente, cerca de um mês após a alta, o cansaço respiratório ainda o abala, junto a dor de perder a “filha do coração”.

Ariadna Mota era ex-enteada de Ribeiro e morou com ele dos 4 aos 18 anos de idade, quando o maqueiro foi casado com a mãe da jovem.

“Ela me chamava de pai. Foi tudo horrível e muito rápido. Ela tinha 32 anos, e não tinha nada, nada, nada. Não bebia nem fumava, não tinha doença de pulmão, nada. Foi uma coisa impressionante”, aponta.

A infecção da jovem pelo novo coronavírus, deduz Ribeiro, se deu pela quebra do isolamento social, decretado pelo Governo do Estado ainda em março. “No começo, ela ficava em casa. Mas ela era evangélica, e como os irmãos não podiam abrir a igreja, faziam reuniões em áreas e quintais. Aglomerações. Ela pegou assim. Começou a tossir, ter febre, e foi aumentando a falta de ar. Foi pro São José, chegou bem, mas foi intubada. Na mesma madrugada, ela já morreu”, relembra.

A filha – “uma pessoa alegre, que tinha amizade com todo mundo, não tinha vícios e praticava esportes” – faleceu no sábado (9) anterior ao Dia das Mães, deixando um casal de filhos de 3 e 6 anos de idade. Segundo Ribeiro, a mãe de Ariadna “tava muito esperançosa, não imaginava que ela poderia morrer, sendo tão nova”.

 

Diante da perda irreparável e das sequelas físicas deixadas pelo novo coronavírus, o maqueiro ainda não se sente apto a voltar ao trabalho. “Ainda não tô recuperado. E soube que lá (no IJF) tá uma epidemia só, muita gente doente. E estão dando uma máscara pra pessoa passar um mês. O certo é usar um plantão, e olhe lá”, relata o maqueiro, que assistiu à morte de pelo menos dois colegas de profissão, também levados pela Covid-19.