Um movimento crescente liderado por uma coalizão de advogados, médicos e ativistas pelos direitos dos aborígines está pressionando autoridades da Austrália para que o país aumente a idade de responsabilidade criminal de 10 para pelo menos 14 anos.
No mês passado, as principais autoridades de Justiça do país adiaram para 2021 uma decisão há muito esperada sobre o aumento da idade penal, sob o argumento de que é preciso mais tempo para explorar alternativas ao encarceramento.
Então, por que esse é um problema tão grande na Austrália?
A idade mínima para responsabilização penal é baixa em comparação com muitos países.
Na Austrália, uma criança de apenas 10 anos pode ser presa, acusada, levada a tribunal e condenada.
A Alemanha, por exemplo, fixa a idade de responsabilidade criminal em 14 anos, enquanto a idade é 16 em Portugal e 18 em Luxemburgo.
A Inglaterra e o País de Gales também estabeleceram uma idade mínima de 10 anos, mas, como a Austrália, estão aquém dos padrões recomendados pela ONU.
No Brasil, um adolescente a partir dos 12 anos pode ser ser responsabilizada por alguma infração penal. Neste caso, ele pode cumprir medidas socioeducativas, como liberdade assistida ou restrição de liberdade — essa última por um período máximo de três anos. Porém, essas medidas são cumpridas em entidades de ressocialização, como a Fundação Casa, em São Paulo. Apenas depois dos 18 anos de idade uma pessoa pode ser julgada e condenada à pena de prisão em um presídio comum.
Em 2019, o Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança recomendou que todos os países aumentassem a idade mínima de responsabilidade criminal para pelo menos 14 anos.
Havia quase 600 crianças e adolescentes com idades entre 10 e 13 anos detidos na Austrália entre 2018 e 2019, segundo dados do Instituto Australiano de Saúde e Bem-Estar.
E mais de 65% desse grupo eram aborígenes — que representam apenas 3% da população total da Austrália em todas as faixas etárias.
Outra análise do Conselho Consultivo de Penas de Victoria, publicada neste ano, mostrou que as crianças aborígines são encarceradas em uma taxa 17 vezes maior do que as crianças não indígenas.
No Território do Norte, essa taxa sobe para 43 vezes mais.
Uma pesquisa de julho do centro de estudos Australia Institute e da Change the Record, uma coalizão de justiça liderada por aborígenes, sugeriu que a maioria dos australianos apoiava o aumento da idade de responsabilidade penal para 14 anos ou mais.
No ano passado, a situação chamou a atenção do mundo quando um menino aborígene de 12 anos discursou no Conselho de Direitos Humanos da ONU.
"Quero que os adultos parem de colocar crianças de 10 anos na prisão", disse Dujuan Hoosan, em Genebra, descrevendo suas próprias dificuldades para se adaptar ao sistema escolar australiano e como a educação liderada por aborígenes poderia ajudar a manter as crianças fora da prisão.
Grupos de defesa dos direitos humanos há muito afirmam que prender crianças não reduz a criminalidade e que os jovens atraídos para o sistema de justiça criminal têm maior probabilidade de continuar atrás das grades no futuro.
O establishment médico da Austrália também assumiu uma posição de apoio ao à mudança.
Os médicos do país alertaram sobre os efeitos prejudiciais do encarceramento de crianças vulneráveis, argumentando que elas devem receber assistência, e não ser tratadas como criminosos.
Esperava-se que o Conselho de Procuradores-Gerais da Austrália anunciasse se aumentaria a idade de responsabilidade criminal em julho.
Mas, para a decepção dos ativistas, o órgão adiou a decisão para 2021.
"Há uma questão de princípio sobre se você deve aumentar a idade de responsabilidade criminal, mas se você fizer isso, precisa saber qual é o regime alternativo", disse o procurador-geral de Nova Gales do Sul, Mark Speakman, no mês passado.
Ele afirmou que mais pesquisas precisam ser feitas para explorar como lidar com crianças infratores fora do sistema de justiça criminal.
Entidades indígenas estão pedindo a criação de serviços públicos liderados por comunidades nativas, que se baseiam em seu conhecimento para intervir precocemente em grupos de crianças vulneráveis.
O Conselho Legislativo da Austrália falou em abordar as causas subjacentes do comportamento criminoso, como a falta de moradia.
Já faz um tempo que grupos de vários setores da sociedade australiana vem exigindo mudanças na lei. Em junho, foi lançada a coalizão #RaiseTheAge ('aumente a idade penal', em tradução livre) para reunir apoiadores da proposta de diminuição da idade antes da reunião do Conselho de Procuradores-Gerais.
O apoio público foi estimulado pelos protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que começou nos Estados Unidos e se espalhou pelo mundo no início deste ano.
Na Austrália, também aumentaram os apelos para acabar com as mortes de aborígenes sob custódia policial e enfrentar a desigualdade racial.
Já um conselho australiano de médicos afirmou que o foco do país deveria ser melhorar serviços públicos, como saúde mental, para apoiar crianças e pais que enfrentam problemas com drogas ou álcool.
"Prender crianças não mantém as crianças ou a comunidade mais seguras e tem consequências prejudiciais para a vida toda, para a saúde e para o desenvolvimento das crianças", disse Cheryl Axleby, co-presidente da Change the Record, entidade ativista que luta por mudanças na lei.
Os ativistas veem o apoio recente do Território da Capital da Austrália como um passo na direção da elevação da idade de reponsabilização penal, mas ainda pressionam as autoridades por uma mudança na lei e um compromisso de todo o país com o projeto.
"Em uma época em que há tanta atenção sobre a necessidade de acabar com o racismo em nosso sistema de justiça, aumentar a idade da responsabilidade criminal é mais importante do que nunca", afirmou Chris Cunneen, professor de criminologia da Universidade de Tecnologia de Sydney, em entrevista à BBC.