Um técnico de som e iluminação de 35 anos ficou preso 82 dias na Penitenciária Central do Estado (PCE) por um crime que não cometeu após um criminoso usar sua identidade nas audiências para responder a processo por tráfico, formação de quadrilha e porte ilegal de arma.
Ele retomou a liberdade e teve parte da injustiça corrigida, após a Defensoria Pública de Mato Grosso provar, através de imagens de câmeras de segurança, que foi outra pessoa que compareceu nas audiências do processo, utilizando os dados dele.
O técnico foi preso no dia 26 de outubro do ano passado. Policiais chegaram em sua casa, no bairro Três Barras, em Cuiabá, para cumprir o mandado de prisão em seu nome. A pena estabelecida era de 14 anos, em regime fechado.
A esposa do profissional conta que ela dava banho no filho de três anos, quando ouviu alguém gritar para que ela fosse para a sala. Ao chegar no cômodo, o marido já estava algemado.
A polícia falou que era para a mulher ir até a Polinter com um advogado. Mas não explicou porque o técnico estava sendo preso.
Um colega de trabalho da vítima encontrou um advogado que prometeu que resolveria a situação. Porém, sem dinheiro, a família conta o advogado não fez nada para resolver a situação.
O defensor público que atua no Núcleo de Execução Penal de Cuiabá, com presos da Penitenciária Central do Estado (PCE), José Carlos Evangelista Santos, informa que ouviu a história e, com auxílio de estagiários e servidores, foi atrás do processo, que correu na 5ª Vara Criminal de Rondonópolis.
“Com base na história que ela contou, de que o marido nunca tinha sido preso, não respondia por crimes e que era um trabalhador, analisamos todo o processo e solicitamos imagens das audiências na Justiça, em Rondonópolis. Quando as imagens chegaram, vimos que ele não era a pessoa que respondeu ao processo”.
José Carlos Evangelista identificou, com base em informações de Silva, que o preso que respondeu ao processo era Renan Briner dos Anjos, que respondia por roubos, tráfico e por ostentar em mídias sociais grande volume de dinheiro e armas. Renan morreu em 2014, num confronto armado com a polícia.
Ainda segundo a vítima, Renan foi namorado de uma de suas primas e tinha acesso à casa de sua mãe, onde ele acredita, possa ter pego o seu nome completo, de seus pais e o número de seu registro geral (RG), dados que foram usados quando de sua prisão em Rondonópolis.
De posse das informações e das imagens das audiências, o defensor entrou com o pedido de alvará de soltura em nome do trabalhador, na 2ª Vara Criminal de Cuiabá.
Ele solicitou ainda que a Vara de Cuiabá informe a de Rondonópolis sobre o conflito de identidades e peça a correção das informações no processo. E ainda, que a ação de execução da penal seja extinta, diante do registro da morte de Anjos.
Ao ser questionado sobre quais as principais falhas do sistema segurança e justiça que possibilitam erros e ilegalidades como essas, o defensor afirma que entre elas, está a inexistência de um sistema que cheque, de forma eficaz, se a identidade de um preso é de fato a que ele declara ser, na hora da prisão.
“Muitos presos não portam documentos quando são presos e eles declaram seus nomes e identidades e se essa checagem não é feita no inquérito e no processo, injustiças como essas se tornam comuns. A chance que um preso inocente tem de falar e ser ouvido é na frente de quem cumpre o mandado de prisão, do juiz e de sua defesa. Se nesses momentos ele não é ouvido, a injustiça é perpetrada”, avalia.
O alvará de soltura em nome foi dado pelo juiz Geraldo Fidelis Neto, em audiência realizada na sexta-feira (22).
José Carlos Evangelista reforça que diante do fato de presos acusados de vários crimes usarem nomes e registro de identidade de outras pessoas, ao serem presos, é fundamental que esses dados sejam preservados.
“É muito importante tomar cuidado com esses documentos, não deixar fácil e nem em mãos de pessoas que não confiamos. O dano moral, econômico e psicológico que essa prisão ilegal causou nessa família, dificilmente será reparado”, disse.