Brigadistas do Sesc Pantanal registraram o momento em que antas com sede aceitaram água direto na boca, ação incomum em animais silvestres, nessa sexta-feira (3), quando voltavam do trabalho de combate aos incêndios no Pantanal.
Elas estavam em um tanque na Reserva Particular do Patrimônio Natural do Brasil, a RPPN Sesc Pantanal, que secou este ano. Até o ano passado, o local tinha água e era uma referência de hidratação para os animais silvestres.
A equipe de brigadistas retornava do trabalho noturno de combate ao fogo na reserva, localizada em Barão de Melgaço, no Pantanal de Mato Grosso, que está sofrendo com as queimadas. Mais de 40 mil hectares de vegetação já foram destruídos no Pantanal.
No meio do caminho, os brigadistas passaram pelo tanque que costumava hidratar os animais silvestres e avistou as antas no barro. O tanque está seco.
Eles imediatamente ofereceram para os animais 15 litros de água, que estavam em garrafas térmicas.
Segundo o brigadista Cleverson Mileski, eram oito antas no local, que não se afastaram com a aproximação da ajuda.
“Elas estão debilitadas. Duas delas estavam deitadas e as demais afastadas. Quando começamos a dar água para elas, as outras se aproximaram. Foi uma cena triste para nós que estamos aqui no dia a dia lutando contra o fogo, mas também é uma vitória poder ajudar”, disse.
A coordenadora da Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (INCAB), projeto do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê), Patrícia Médici, responsável pelo maior banco de dados sobre a espécie no mundo, ficou impressionada com o registro.
“Em 25 anos de trabalho com antas nunca vi nada parecido com isso. A indicação não é para resgate. A principal medida neste momento é prover água e alimentos. Assim, já resolvemos o problema para algumas delas”, disse a pesquisadora.
A gerente de pesquisa e meio ambiente e bióloga, Cristina Cuiabália, conta que o comportamento dos animais é incomum.
“O comportamento dos animais silvestres sempre é se afastar dos humanos e não permitir aproximação, o que é natural. Mas por estarem numa área central da reserva, distante dos rios Cuiabá e São Lourenço, portanto mais seca, elas aceitaram a água”.
A bióloga explica que o Pantanal tem no seu ciclo natural, o pulso das águas, e a estação atual, a seca, é a época em que a água fica mais restrita aos rios e baías, onde os animais se concentram para matar a sede, obter alimento e tomar banho.
Mas, nos últimos dois anos, as pesquisas apontam um período ainda mais seco, com altas temperaturas, baixa umidade do ar, causando escassez de água nas áreas mais distantes dos rios.
“Alguns animais acabam sofrendo pela falta de água ou pelas longas distâncias para conseguir esse recurso. Por isso, a equipe prestou solidário apoio e, em seguida, foram com caminhão-pipa para levar mais água e frutas para auxiliar no estabelecimento das mais debilitadas. Instalamos, ainda, uma câmera trap para acompanhamento dos animais pelos pesquisadores”, explica a bióloga.
A anta é o maior mamífero terrestre nativo da América do Sul e é classificada como ameaçada de extinção. Ela chega a 1,20 m de altura, 2 m de comprimento e 300kg e é conhecida como a jardineira da floresta, por, com as fezes, dispersar sementes no terreno e colaborar para a recuperação da flora no Pantanal.
Os caminhões-pipa da unidade de conservação se dividem neste momento no trabalho de abastecer semanalmente os tanques de água da reserva e nas operações de combate ao fogo no entorno da reserva.
A reserva tem 108 mil hectares, área equivalente a cidade do Rio de Janeiro. Em 2020, 93% de sua área foi atingida pelo fogo.
Da abundante biodiversidade da Bacia do Alto Paraguai, com 1.059 espécies de peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos, a Reserva detém 630. Isso significa que 60% destas espécies estão presentes no local.
Entre as espécies ameaçadas de extinção, a RPPN possui 12. Além de ser a maior do país, a reserva do Sesc Pantanal ainda é Zona Núcleo da Reserva da Biosfera do Pantanal, faz parte da terceira maior Reserva da Biosfera do planeta e é Sítio Ramsar.
Os incêndios em duas áreas da região já duram cerca de duas semanas.
Mais de 40 mil hectares de vegetação já foram destruídos pelo fogo em Cáceres (MT), na fronteira entre Brasil e Bolívia, e 9 mil na região da Rodovia Transpantaneira, que liga os municípios de Poconé a Porto Jofre, no Pantanal Mato-grossense.
Uma pista de pouso foi improvisada próximo ao local dos incêndios. A fonte d’água para encher os 1.800 litros de cada aeronave vem do Rio Pixaim.
Além dos aviões que estão lançando água sobre locais com maior incidência de fogo, 68 bombeiros militares e civis e 19 brigadistas estão trabalhando na operação de combate.
De acordo com o Corpo de Bombeiros, desde o início, foi realizado o alijamento de mais de 261 mil litros d’água em locais estratégicos para diminuir a velocidade das chamas que se espalham.
A dificuldade de acesso e as distâncias são alguns dos fatores que desafiam as forças-tarefas de combate ao fogo na região de fronteira.
Incêndios destruíram cerca de 4 milhões de hectares. 26% do bioma - uma área maior que a Bélgica - foi consumida pelo fogo. Cerca de 4,6 bilhões de animais foram afetados e ao menos 10 milhões morreram.
Em Mato Grosso, quase 2,2 milhões de hectares foram destruídos e, em Mato Grosso do Sul, 1,7 milhão de hectares, virou cinzas.
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a precipitação dos últimos meses na bacia do alto Paraguai ficou abaixo do esperado. O Pantanal não tem uma 'cheia' há três anos.