O jornalista Jacques Khalil disse que foi impedido de realizar o velório do pai dele, em Cuiabá, após ter sido curado pela Covid-19 e a declaração de óbito apontar que a doença já havia sido tratada. O pai dele, Khalil Ghanem, de 88 anos, teve uma parada cardíaca nessa quarta-feira (29) e já chegou ao hospital morto.
Khalil Ghanem se infectou com a Covid-19 no começo deste mês. Na quinta-feira (16), ele precisou ser internado e entubado no hospital de referência contra a doença, o antigo Pronto Socorro de Cuiabá. O aposentado se recuperou e na segunda-feira (27) teve alta.
De acordo com Jacques Khalil, na quarta-feira (29) o pai dele começou a ter início de parada cardíaca e foi socorrido pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Como já chegou sem vida ao hospital, o médico não realiza o atestado de óbito e é preciso que seja encaminhado para o Serviço de Verificação de Óbitos (SVO), que avalia os documentos hospitalares do paciente entregue pelos parentes e faz a declaração de óbito, segundo o filho.
"Foi colocado (na certidão) que meu pai morreu vítima de síndrome aguda respiratória, pneumonia bacteriana por complicação da Covid-19, mas que já tinha sido tratado e curado e não representava mais um risco à saúde pública", disse.
Com os documentos, ele foi em uma funerária da capital e recebeu um ofício da Central Municipal de Serviços Funerários, informando que é proibido fazer velórios de pessoas também tratadas e curadas da Covid-19. O documento diz que a medida foi adotada a partir do dia 27 de abril deste ano.
"Sendo assim, uma vez descrita na Declaração de Óbito, seja na causa da morte ou na consequência casos relacionados à Covid-19/SARS-COV2, independente de utilização do termo "curado" ou "tratado", ficam proibidos velórios, devendo corpo ser manuseado no local do óbito e encaminhado direto para o cemitério, conforme o que determina o Art. 4° da referida Portaria", diz trecho do documento.
O documento cita que o ofício foi feito com base na Portaria 017/2020, publicada no dia 31 de março do ano passado, mas, de acordo com o jornalista, não é citado na portaria se é permitido velório em casos de pessoas que foram tratadas e curadas da Covid-19.
Por esse motivo, o pai dele teria o caixão vedado seguindo os protocolos de pessoas que morreram suspeitas ou confirmadas de Covid-19. Então ele decidiu velar o pai em Várzea Grande, já que o município não possui essa regra.
"Eu não consegui velar meu pai direito porque fiquei tão indignado com a falta de humanidade, com a falta de competência. Eu estou revoltado, o tempo todo pedindo ajuda. Eu velei meu pai aqui em Várzea Grande, mas e as outras famílias que não puderam? Eu não acredito até agora que isso aconteceu", contou.
Jacques Khalil possui um documento do Conselho Regional de Medicina (CRM-MT), publicado em junho deste ano, que orienta a não proibição de velório de pessoas que foram curadas da Covid-19, porque não há risco de contaminação.
O documento diz o seguinte: "As pessoas recuperadas podem continuar apresentando o RNA detectável de SARSCoV-2 nas amostras respiratórias superiores por até 12 semanas, após o início da doença, embora em concentrações consideravelmente mais baixas que durante a doença, em faixas nas quais o vírus competente para replicação não foi recuperado com segurança e que a possibilidade de infecção é improvável. Caso o médico constate o óbito de um indivíduo já dispensado e livre das precauções e isolamento, mesmo que declare a COVID-19 na cadeia de eventos causadores da morte, não há impedimento para que, em benefício do conforto emocional dos familiares e da exatidão e justeza das repercussões de suas afirmativas e declarações, também declare em instrumento próprio que o falecido já não era mais naquele tempo transmissor do SARS-CoV-2, mediante solicitação dos familiares."
O G1 entrou em contato com a Central de Serviços Funerários de Cuiabá, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.