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Mais da metade da população de SP deixaria a cidade se pudesse

Pesquisa da Rede Nossa SP revela que desejo é maior em famílias com renda superior a cinco salários mínimos e entre 35 e 44 anos

Data: Quinta-feira, 20/01/2022 14:09
Fonte: Joyce Ribeiro, do R7

Uma pesquisa da Rede Nossa São Paulo, divulgada nesta quinta-feira (20), revelou que 57% dos moradores da capital paulista deixariam a cidade se pudessem. O desejo cresce em famílias com renda maior que cinco salários mínimos, pessoas entre 35 e 44 anos, com ensino superior.

O levantamento mostra, pelo segundo ano consecutivo, que é baixa a percepção de melhora na própria qualidade de vida dos moradores de São Paulo. A opinião majoritária é de estabilidade nos últimos 12 meses.

"As pessoas não conseguem ver saída da condição atual, com pandemia. Não indica uma piora, mas uma ausência de horizonte. Não há uma expectativa de mudança. Em alguns segmentos, chega a 72%. Os menos vulneráveis, os quem têm mais opções, como trabalho remoto, são os que mais pensam em sair de São Paulo. Eles não enxergam uma melhora no cenário", explica Igor Pantoja, assessor de mobilização da Rede Nossa São Paulo.

A pesquisa Viver em São Paulo – Qualidade de Vida foi realizada entre os dias 4 e 28 de dezembro com 800 moradores da capital com 16 anos ou mais, de diferentes regiões, por meio de questionário online ou domiciliar. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou para menos, com índice de confiança de 95%.

A advogada Gabriela Cabral, de 34 anos, mora na Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, e confessa ter vontade de deixar a capital. "Iria para um lugar mais seguro e tranquilo. Quem gosta daqui deve gostar de trânsito. Também por causa da insegurança. Iria para uma cidade da região metropolitana com uma estrutura mínima, não muito longe, porque sempre tem que recorrer à capital. Mesmo sendo caótica a cidade, aqui tem de tudo", revela. 

Qualidade de vida

De acordo com o estudo, a Igreja é a instituição que mais contribui para a melhora da qualidade de vida na visão dos paulistanos, com 22% das respostas, seguida por associações de bairro (18%) e ONGs (15%). Cresceu 11% a percepção de que nenhuma das instituições contribui, chegando a 28% dos entrevistados.

"Pela primeira vez, desde o início da pesquisa, não aparece nenhum órgão de governo. As associações de bairro não apareciam. É o deslocamento da política para esses setores. A política chega às pessoas por outros lugares. Mas é preocupante ver que a população não conhece as ferramentas e onde as decisões são tomadas. A prefeitura e a Câmara precisam reconhecer esse distanciamento e tentar mudar", diz Igor Pantoja. 

Entre as vantagens de morar em São Paulo estão as oportunidades (19%), mercado de trabalho (13%), lazer (12%) e diversidade de serviços (9%).

Gabrielle Alves da Silva tem 26 anos, é contadora e moradora de Guaianases, no extremo leste da capital. Ela não trocaria a cidade assim tão fácil e conta o que mais a atrai: "A diversidade de cultura, coisas de lazer e as pessoas. Aqui tem de tudo. Você quer comida tailandesa? Tem. A avenida Paulista aberta aos domingos é a melhor coisa que fizeram. Você se diverte".

Por outro lado, a violência é apontada por um terço dos moradores como o principal aspecto negativo da cidade. Na sequência estão criminalidade (17%), trânsito (14%) e poluição (11%). 

A violência e o barulho, de festas com som alto e de veículos, são os problemas dos bairros que menos agradam à população.

"Não respeitam os horários do Psiu. Se fizer denúncia, não é anônima porque tem que dar endereço e tal. Daí arranja confusão com vizinho. Moramos no bairro há quase 30 anos, e a iluminação também é ruim. Quando chego tarde, fico com receio porque tem vez que a rua tá toda apagada, e a gente é cobrado pelo serviço. Precisa de mais atenção aqui pro fundo [periferia da cidade]", enfatiza Gabrielle Alves.

O especialista da Rede Nossa SP explica: "Não tem a ver com estatísticas de roubos, mas a sensação de segurança. Não é sobre ver um policial a cada esquina, mas sim a iluminação pública, tornar lugares mais frequentados. Mesmo o som alto pode ser por falta de opções de lazer. A prefeitura tem o papel, não só com a GCM, mas pensando em questões urbanísticas e ações comunitárias".

Segundo o estudo, os paulistanos tiveram mais sentimentos positivos em 2021 em relação à metrópole, como esperança, gratidão e admiração. No entanto, decepção e frustração também aparecem no topo do ranking.

Nos bairros, o que mais atrai os moradores é o acesso fácil a estabelecimentos comerciais, em especial os de alimentação (22%). Destacam-se também a facilidade de acesso ao transporte público, com 14% das respostas, e o acesso a postos de saúde e hospitais, com 12%.

Mas Gabrielle Alves reclama da qualidade do transporte público. Ela mora na zona leste e trabalha na avenida Engenheiro Luiz Carlos Berrini, na zona sul. "Demoro uma hora, uma hora e meia pra ir e até três horas pra voltar. Sempre cheio o transporte, e tem pouca quantidade de trens. Tem dia que inunda a linha do trem e não tem como [ir] trabalhar. Se tivesse mais linhas, não se tornaria tão cansativa a baldeação. Hoje não existe mais horário de pico. E 'cadê' o distanciamento na pandemia?", questiona. 

Já Gabriela Cabral é crítica em relação à saúde pública. "Uso o SUS [Sistema Único de Saúde] e fiquei dois anos para conseguir uma consulta com ortopedista. No começo tive que pagar particular. Faltam medicamentos nos postos, e a consulta é essa demora", relata.

Avaliação da gestão municipal

De acordo com a pesquisa, 45% dos entrevistados disseram que a atual administração municipal é ruim ou péssima, alta de dez pontos percentuais na comparação com 2020. Apenas 13% avaliaram a gestão como ótima ou boa e 39%, regular. Outros 3% não responderam. 

Para Igor Pantoja, falta visão de cidade para a atual gestão: "O programa de metas atira para todos os lados. Cobramos que houvesse a diminuição das desigualdades, mas não vemos isso na maior cidade da América Latina. Isso também tem a ver com a falta de perspectivas das pessoas. Houve também a aprovação massiva de projetos do Executivo pela Câmara, mas que não, necessariamente, eram as demandas da população, com medidas impopulares".

  

Segundo o estudo, os indicadores pioraram em todas as regiões. A exceção é a zona norte, que apresenta estabilidade quando se olha a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

No entanto, as notas médias de avaliação dos serviços de zeladoria executados pela prefeitura são boas, entre elas coleta de lixo (7,9), iluminação pública (6,7) e varrição (6,4).

Quem mora na zona sul está insatisfeito com a varrição das ruas; já no centro e na zona oeste, a reclamação é a coleta de lixo. Uma das demandas é aumentar a coleta seletiva e a reciclagem quando for celebrado um novo contrato de prestação do serviço.  

A falta de transparência da administração municipal quanto à divulgação de informações, metas e prestação de contas é outro problema apontado na pesquisa, sendo que 48% dos entrevistados avaliaram a gestão como "nada transparente", alta de 7% em relação a 2019. Essa percepção é maior nas classes D e E (65%).

"Os dados que existem não estão claros para a população e não são facilmente acessíveis, mas outras informações importantes também não estão disponíveis. Não há uma prestação de contas efetiva à população", ressalta o assessor da Rede Nossa São Paulo.

Ele destaca, entre as medidas polêmicas aprovadas, a possibilidade de renovação dos contratos das empresas de coleta de lixo sem que haja licitação. A revisão está prevista para 2024 e, neste ano, as interessadas deveriam demonstrar interesse na concessão do serviço.

Também para sete em cada dez paulistanos o percentual de distribuição regionalizada dos recursos destinados a investimentos no município deveria ser maior. Atualmente, a prefeitura distribui 20% do total às regiões.

Já para 46% dos moradores não existe integração entre a gestão de São Paulo e a dos 38 municípios da região metropolitana. Grande parte dos entrevistados acredita que, se a capital ocupasse o papel de liderança na integração, haveria esperança de melhora na qualidade de vida.

Avaliação da Câmara Municipal

Cresce o número de paulistanos que não se recordam em quem votaram para vereador na última eleição. São 58% de esquecidos na cidade, número semelhante ao de 2019 (63%), mas representa uma alta de 28 pontos percentuais no comparativo entre 2021 e 2020.

A não lembrança é maior entre os mais velhos, os menos instruídos, aqueles com menor renda familiar e as classes D e E.

A atuação da Câmara de Vereadores de São Paulo foi avaliada como ruim ou péssima por 57% dos entrevistados. Outros 27% acreditam ser regular, e apenas para 8% é ótima ou boa. Também 8% não responderam.

Para um quarto da população, os vereadores teriam de conhecer melhor os problemas da região para contribuir com a melhora na qualidade de vida. Outros 23% acham que os parlamentares deveriam ser mais presentes nos bairros, e 16% defendem a ideia de que eles deem espaço à população para opinar sobre onde os recursos devam ser aplicados.

"Há um distanciamento da Câmara. A população vê os vereadores mais ativos nas eleições, mas quer vê-los mais próximos. Há pouco envolvimento deles com planejamento e questões que façam a diferença na vida do cidadão. As pessoas sentem falta de estar mais próximas dos seus representantes", destaca Igor Pantoja. 

Sobre o avanço dos projetos de lei na Câmara, praticamente três em cada dez pessoas o atribuem às alianças político-partidárias (27%). A mobilização social teve 14% das respostas, a mesma porcentagem que a reivindicação de moradores e associações de bairros.

Participação política e social

Entre os canais de relacionamento com a prefeitura mais conhecidos pela população estão o 156 e as ouvidorias, seguidos pelo Descomplica SP e os conselhos municipais. Os moradores desconhecem os conselhos participativos e o Participe+.

Hoje 52% dos paulistanos disseram não participar da vida política do município. A falta de interesse é mais expressiva entre as classes D e E, os menos escolarizados, além de idosos e jovens de até 24 anos.

Entre os que atuam na vida política, a assinatura de petições e os abaixo-assinados são as formas mais utilizadas, ainda que tenha havido redução de 8% nessas participações entre 2021 e 2020. Já o compartilhamento de notícias pelas redes sociais e por aplicativos de mensagem ganhou força e aparece entre as opções mais escolhidas.

Gabriela Cabral já foi eleita conselheira participativa na gestão de Fernando Haddad (PT). Ela exerceu o cargo por cerca de um ano e meio, mas desistiu por "brigas internas". Segundo ela, a população em geral desconhece os conselhos: "Quem ia às reuniões era porque queria resolver problemas específicos no bairro ou na rua, não por causas coletivas. Era só pra constar porque os conselhos não resolviam as demandas".

Ela mesma reconhece que já foi mais ativa nas cobranças. "Participo cada vez menos. Porque briga, briga, mas é enxugar gelo. Já fui do Conselho Participativo Municipal, do Conseg, minha mãe é conselheira de saúde e eu participava das reuniões, hoje acompanho individualmente, online, mais pelo SIC [Serviço de Informações ao Cidadão]", diz.

Segundo a pesquisa, a garantia de que as decisões dos conselhos serão atendidas e a maior divulgação de dados e resoluções motivariam a população a se envolver mais na vida política. 

"Mesmo não conhecendo os conselhos, as pessoas sabem que não funcionam. O governo deveria aproveitar as eleições para dar legitimidade aos conselhos. Isso fortaleceria os conselhos com representantes eleitos pela população para participar da elaboração de políticas públicas", defende o assessor da Rede Nossa São Paulo. 

Para seis de cada dez paulistanos, se a eleição para o Conselho Participativo acontecesse no mesmo dia e local das eleições gerais, os moradores se sentiriam estimulados a participar da votação.