Em 468 anos de história, completados nesta terça-feira (25), a cidade de São Paulo vem colecionando fãs e haters. Entre prós e contras, cidadãos consideram o munícipio um dos que mais oferecem oportunidade, diversidade e lazer em todo o Brasil, mas, em aspectos como segurança, economia e poluição, a metrópole decepciona. Um levantamento realizado pela Rede Nossa São Paulo revelou que 57% dos moradores da capital paulista deixariam a cidade se pudessem.
Engana-se quem pensa que apenas pessoas de mais idade se mudariam da cidade de São Paulo para viver no interior uma vida mais tranquila e livre da correria. A estudante de odontologia Giovanna Campos, de 21 anos, relatou em entrevista ao R7 que a primeira oportunidade de se mudar de município ela vai agarrar “sem pensar duas vezes”.
Giovanna mora na Brasilândia, na zona norte da capital, desde que nasceu. Ela conta que ainda não se mudou por dois motivos principais: a família e a faculdade, que conclui no fim deste ano. “O que me faz querer morar em outro lugar é sobretudo a questão da violência, porque aqui é perigoso em todos os bairros, não só durante a noite, mas de dia também. Outra questão é o trânsito. Eu acho um absurdo a gente ter que levar uma hora ou mais para chegar aos nossos destinos.”
Por outro lado, há quem não deixaria a cidade de São Paulo por nada. É o caso de Edson Ângelo, de 47 anos, que considera o município o lugar das oportunidades.
Edson relatou à reportagem que migrou da Paraíba para a capital paulista sem ter concluído os estudos e sem experiência de emprego. Ele começou como faxineiro e depois conseguiu uma oportunidade como analista de arquivo, função que ocupa há 24 anos. “Eu tenho crescido dia após dia. Aqui só não tem quem não corra atrás”, completa.
Para o sociólogo Victor Fabiano, a visão de cada indivíduo sobre uma cidade pode ser analisada pelo histórico familiar, origem, nascimento da pessoa e os locais onde residiu. São Paulo recebeu e recebe pessoas de todo o Brasil, por isso, ainda segundo o especialista, há um apanhado de opiniões distintas sobre viver na cidade.
“Ao longo do tempo, essas decisões sobre viver aqui podem ser alteradas por fatores como idade, profissão, mudança residencial ou do ciclo familiar, entre outros fatores. Quando você está em uma fase específica da vida, suas necessidades são relacionadas àquelas condições. Acontece que o espaço urbano, principalmente das grandes cidades, pode desgastar a condição emocional e até mesmo a percepção individual sobre o que é o bem-estar”, explica.
Sobre a questão comportamental desses dois públicos com opiniões distintas, o psicanalista e professor titular do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) Christian Dunker diz que é perfeitamente normal que as pessoas tenham visões diferentes sobre uma cidade deste tamanho e com as transformações pelas quais São Paulo já passou. Já sobre a questão de quem sempre morou aqui e agora sonha em tentar uma vida mais tranquila no interior, o especialista explica que, na maioria das vezes, essas pessoas podem estar saturadas.
“Desde o século 17, a cidade moderna já era considerada um lugar perigoso porque não é igual ao interior, em que todo mundo se conhece. A maioria das pessoas ali são primos, sobrinhos, e basta perguntar aos mais velhos que eles conseguem levantar a ficha de qualquer um. Não que não haja violência, mas são registros bem menores.”
Considerando os dois extremos, Dunker afirma que São Paulo é o “lugar da mistura”, com gente que vem de todos os estados do Brasil e até de outros países para tentar uma vida diferente, mais próspera e com oportunidades. No entanto, há outro grupo que já está saturado e desiludido com a cidade, e prefere continuar tocando a vida em lugar mais tranquilo.
Ainda de acordo com a pesquisa da Rede Nossa São Paulo realizada no mês de dezembro do ano passado, os paulistanos têm mais sentimentos positivos do que negativos acerca da cidade. No fim, 67% do público entrevistado relatou mais sentimentos de gratidão e esperança pela metrópole, enquanto 46% disseram estar decepcionados com o município.
Outros sentimentos como vergonha, egoísmo e antipatia também foram citados entre os entrevistados. Há quem ame morar em São Paulo, mas acredite que a cidade pode melhorar em muitos aspectos. É o caso da aposentada Diana Rogércia, de 62 anos. “Eu vim do Ceará para São Paulo com apenas 5 anos de idade, então eu cresci com a cidade, vi esse lugar passar por transformações que, se eu tentar explicar para as pessoas mais novas, elas nem acreditam. Acredito que aqui tenha evoluído muito em diversos aspectos, mas em outros, regredido tanto que muitos têm pavor só de pensar em vir para cá ou continuar vivendo aqui.”
Diana conta que mora em bairro periférico, na região da Vila Penteado, na zona norte de São Paulo, e conhece pessoas que não sentem mais prazer em sair de casa porque pensam que podem ser atacadas a qualquer momento. “A minha filha, por exemplo, teve uma semana, acho que em 2019, que ela e a família dela foram roubadas três vezes e, em uma dessas, chegaram a invadir a casa dela, foi um terror.”
Além disso, a aposentada relata outros problemas como trânsito, poluição e corrupção. “Eu amo viver aqui, essa cidade ofereceu oportunidades para mim e minha família. Hoje, minha filha é formada, meu filho tem a empresa dele e eu tenho uma neta que se forma também na faculdade neste fim de ano. Mas de que adianta correr tanto atrás de bem-estar, sendo que a qualquer momento algo por que a gente lutou tanto pode ser tirado de nós? Isso quando uma vida não é tirada nessas ruas perigosas. Os nossos governadores, prefeitos, precisam escutar mais a gente porque somos nós que estamos aqui, nós vemos o perigo de perto, e isso pode ser mudado”, completa Diana.
Para o sociólogo Túlio Augusto, é esse tipo de experiência traumatizante que afeta a opinião das pessoas sobre viver na capital. “No imaginário nacional, São Paulo é símbolo de modernidade, oportunidades profissionais, econômicas, riqueza cultural, entre outras, mas também é sinônimo de violência. As experiências pessoais e coletivas afetam de maneira categórica a percepção que fazemos sobre qualquer cidade ou lugar, então, essas opiniões diferentes das pessoas são esperadas”, explica.