As denúncias de festas envolvendo o primeiro-ministro Boris Johnson durante o restrito lockdown do Reino Unido fizeram com que a opinião pública atacasse duramente o político. Apesar de pedir desculpa aos britânicos, o premiê afirma que não pretende renunciar ao cargo, que deve ocupar até 2024.
No entanto, com a atual situação, existe uma pressão para que o partido do primeiro-ministro, o Partido Conservador, retire o apoio a Johnson e que seja escolhido um novo nome antecipadamente. Vale lembrar que não é a população que elege quem ocupa essa posição no sistema parlamentarista, mas os membros do partido ou da coalizão com maior número de parlamentares eleitos.
Mesmo nesse cenário incerto, a professora da ESPM e doutora em relações internacionais pela London School of Economics Carolina Pavese acredita que Johnson ainda tenha alguns meses à frente do Reino Unido.
“Não há dentro do partido um nome consensual que possa substituir Johnson. Há uma pressão para se esvaziar a cadeira, mas não existe a configuração de um candidato para substituir ou uma definição de nomes”, explica Pavese.
As medidas restritivas impostas pelo governo do Reino Unido na pandemia foram uma das bandeiras de Johnson em 2020, levando a população à ira com a revelação do escândalo batizado pela imprensa britânica de Partygate, uma referências as festas realizadas na residência oficial e que violaram as regras de isolamento do país.
“O sentimento geral é de revolta, de indignação e de injustiça. As regras de lockdown foram muito restritas no Reino Unido em todas as ondas”, destaca Pavese. “Essa vivência desse lockdown é ainda muito presente na relação dos cidadãos britânicos com a pandemia e uma característica muito forte de como o governo lidou com o coronavírus.”
Johnson assumiu o cargo de primeiro-ministro em 2019 após a saída da contestada Theresa May, em meio a uma tentativa de viabilizar o Brexit — apelido dado à saída do Reino Unido da União Europeia. Logo de início, o jeito atrapalhado e pouco tradicional para um político britânico fez com que a imagem do premiê ficasse cada vez mais desgastada.
O Partygate, por si só, arranha ainda mais a imagem de Johnson, que atualmente enfrenta a deserção de parte da equipe de ministros, incluindo renúncias por suspeitas de fraude em auxílios que podem chegar a 3,4 bilhões de libras esterlinas (cerca de R$ 25 bilhões).
Porém, somam-se a isso as acusações de chantagem dentro do Partido Conservador e um caso de islamofobia contra a ex-ministra júnior de Transportes de Johnson, Nus Ghani. Todas essas questões sensíveis à sociedade britânica dificultam a vida do premiê no cargo.
“Nus Ghani fala que na época procurou Johnson, que já era primeiro-ministro, e levou a ele essa denúncia, dizendo que havia acontecido islamofobia dentro do partido. Johnson disse que não se envolveria com essa questão”, afirma Pavese, destacando outros casos de xenofobia que envolvem o atual primeiro-ministro.
Na visão da professora e doutora em relações internacionais, a imagem de político pouco convencional de Jonhson, que um dia alavancou a carreira do premiê, pode estar contribuindo negativamente neste momento.
“Johnson enfrenta também certo esgotamento com essa imagem de fanfarrão, que é um político atípico e que de alguma forma alavancou a carreira dele como líder populista, mas que não é um perfil tradicional do político britânico.”
Nesta semana, a alta funcionária do governo britânico Sue Gray deve divulgar um relatório completo sobre as festas organizadas por Johnson durante o lockdown. O inquérito pode trazer pontos desconhecidos pelo grande público, mas que dificilmente prejudicarão ainda mais a popularidade de Johnson.
Neste momento, o primeiro-ministro está tentando juntar aliados e fornecendo favores a parlamentares de diferentes segmentos para reduzir os danos dos escândalos do governo e manter a governabilidade do Reino Unido.
“Johnson está tentando costurar alianças. Essa permanência dele depende, em boa parte, do partido dele”, explica Pavese, que enfatiza que reformas tributárias e ambientais podem ser aceleradas ou interrompidas na tentativa de agradar a diferentes grupos de parlamentares.
Outro ponto que pode trazer fôlego para Johnson são as eleições locais, que ocorrerão no próximo trimestre. Segundo Pavese, movimentações bruscas, como a queda do primeiro-ministro, podem alterar drasticamente os resultados do pleito — algo que deve ser evitado a todo custo pelos políticos do Partido Conservador.
Para a especialista, Johnson não deve deixar o cargo até o fim do verão europeu, em setembro. Caberá a ele conseguir limpar sua imagem até lá e fazer com que os britânicos esqueçam todos esses escândalos.
“Ele sempre fez política minimizando o impacto e a gravidade de suas ações, colocando-se de uma forma como um grande sincerão, como um grande líder populista — o que tem certo efeito positivo e tem dado certo para ele até agora. Johnson conseguiu chegar ao cargo de primeiro-ministro com esse perfil”, conclui Pavese.