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PM suspeito de ser matador do PCC vai a júri nesta quinta-feira (27)

MP acusa sargento Farani Rocha de ter matado o colega Wanderley de Almeida Jr por ter informações que o ligariam à facção criminosa

Data: Quinta-feira, 27/01/2022 09:15
Fonte: Luanna Barros e Luís Adorno, da Record TV

Algo atípico estava acontecendo internamente na cúpula do PCC (Primeiro Comando da Capital) na virada dos anos de 2017 e 2018. Enquanto o principal líder da facção, Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, estava preso em regime de isolamento no interior paulista, seu apadrinhado na quadrilha Edilson Borges Nogueira, o Biroska, foi assassinado, sem o aval do chefe, dentro do presídio.

Biroska foi surpreendido por outros dois presidiários durante o banho de sol. Esfaqueado, morreu na hora. O mandante do crime foi Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, apontado, à época, como o principal integrante da organização em liberdade. O motivo da morte de Biroska foi avaliado pela cúpula da facção, que estava na penitenciária 2 de Presidente Venceslau, como frágil: a companheira dele brigou com a mulher de outro preso em um ônibus.

Em fevereiro de 2018, Gegê do Mangue e seu braço direito, o traficante Fabiano Alves de Souza, o Paca, foram atraídos para uma emboscada no Ceará, onde estavam vivendo. Além da morte de Biroska, Gegê e Paca foram acusados pela cúpula do PCC de estarem desviando dinheiro proveniente do tráfico internacional de cocaína do porto de Santos. E Marcola ficou descontente com a falta de empenho de Gegê do Mangue, que estava com a missão de resgatá-lo da prisão.

Desde então, uma série de homicídios e de desaparecimentos forçados ocorreu em São Paulo. O assassino de Gegê do Mangue e Paca, o também traficante Wagner Ferreira da Silva, conhecido como Cabelo Duro, foi assassinado a tiros no bairro do Tatuapé, na zona leste da capital. Meses depois, no mesmo bairro, também foi assassinado, a tiros de fuzil, outro nome relevante na chefia da facção paulista: Cláudio Roberto Ferreira, o Galo.

Além de terem pertencido ao PCC, Cabelo Duro e Galo podem ter outra similaridade relevante. As investigações mostram que ambas as mortes podem ter ocorrido como queima de arquivo, ordenada por Gilberto Aparecido dos Santos, à época em liberdade e aliado de Marcola. Entre os sicários contratados, alguns deles seriam policiais militares ou ex-policiais militares.

Um PM que sabia demais foi morto com uma rajada de tiros, em frente ao restaurante onde prestava serviço de segurança, na folga, em Itaquera, na zona leste, na noite de 5 de fevereiro de 2020. Wanderley Oliveira de Almeida Júnior, o Deley, de 38 anos, havia dito a amigos e familiares, na semana em que foi morto, que, caso acontecesse algo com ele, o responsável seria o sargento Farani Salvador Freitas Rocha, que atualmente também tem 38 anos.

Farani nega que tenha envolvimento na morte de Deley. O advogado do sargento, Alex Ochsendorf, se negou a dar entrevista. “Vamos aguardar o júri”, afirmou.

Com júri popular agendado para o início da tarde de hoje, no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, Farani é suspeito, além de ter participado do homicídio de Deley, de ter também participação nos assassinatos de Cabelo Duro e de Galo. Apontado pela polícia como matador de aluguel do PCC, Farani nega as acusações e se diz inocente.

Favela da Caixa D’Água

Localizada no bairro do Cangaíba, na zona leste de São Paulo, a favela da Caixa D'Água tem domínio do PCC. É o que dizem policiais civis e militares, em depoimentos prestados à Justiça recentemente. O PM Deley, que era suspeito de extorquir traficantes na localidade, teria informações que ligavam o sargento Farani aos traficantes da favela. As investigações da Polícia Civil afirmam que, antes de morrer, Deley estava prestes a denunciar formalmente Farani à Corregedoria da PM.

Deley denunciaria o colega de farda, principalmente, porque ele queria voltar para um batalhão de tropa de elite da PM paulista. Ele acreditava que Farani estava tentando impedir o retorno ao Baep (Batalhão de Ações Especiais), onde eles haviam se conhecido anteriormente.

O delegado Wagner Alves da Cunha, que coordenou as investigações, declarou em juízo que, ao assumir as investigações, percebeu que as testemunhas, sendo a maioria policiais militares integrantes de batalhões de elite, demonstraram medo em revelar o que sabiam sobre os fatos. A investigação da Polícia Civil mostrou que Deley contou a quatro ou cinco policiais que havia descoberto que Farani tinha envolvimento com criminosos ligados ao PCC e que, por isso, estava com medo de ser assassinado.

Após o celular de Deley ser submetido a análise, o conteúdo do telefone do aparelho demonstrou que vítima realmente tinha medo de ser morta por Farani, “tendo dito a uma das testemunhas, poucas horas antes de ser assassinado, que se algo lhe acontecesse, o responsável seria Farani”. Além disso, a perícia pôde conectar Farani a integrantes da facção criminosa.

Nas mensagens no celular de Deley, havia pelo menos duas passagens em que Farani teria intercedido para favorecer traficantes da favela da Caixa D’Água, segundo o delegado. Além disso, em 2018, pelo conteúdo das mensagens, pôde-se observar que Farani pediu a Deley que pesquisasse as placas de um Audi, carro que era utilizado pelo faccionado Galo, dois dias antes de ele ter sido fuzilado. Em outra oportunidade, Farani também pediu, ainda segundo a polícia, que Deley pesquisasse o RG de Marcio Alarido Esteves, o Turim, aliado de Marcola no PCC.

Deley disse a familiares e outros colegas de farda que estava preocupado e que havia “dado prejuízo” aos traficantes da favela Caixa D'Água, o que deixou Farani descontente. Explicou às pessoas próximas que o sargento acobertava esses traficantes.

Em 26 de janeiro de 2020, Wanderley recebeu uma mensagem de áudio no celular encaminhada por rapaz que havia abordado minutos antes: um suspeito identificado como Baianinho, que seria apontado como responsável por ser um dos assassinos do chefe do tráfico na favela da Caixa D’Água. O rapaz teria sido liberado após dizer que era amigo de Farani. "Nossa, tomei um enquadro saindo lá da quebrada, os cara embaçou na minha, viado, o cara tumultuou. Falou meu vulgo, falou que sabia quem era eu, falou que eu era do moio, mas eu falei que não era e tal. Aí ele disse que eu era pasta carimbada”, disse o rapaz, no áudio.

“Aí ele ficou se apegando nas passagens e nas tatuagens. Aí viu a da Gaviões e ficou embaçando, aí disse: Vem no papo, vem no papo. Aí eu disse: Senhor não leva a mal, não, mas eu não mexo com mais nada, parei com tudo. (...) AÍ eu disse: Tá ligado, senhor, eu conheço um rapaz ali da quadra que é o seguinte: Eu sou lá da Gaviões e ele também é e ele também é da casa. Aí ele disse: Quem que é? Aí eu disse: É o Farani, senhor. Então, ele disse: “O Farani é amigo nosso, nóis é a mesma fita”, acrescentou o rapaz, no áudio.

O rapaz disse que os policiais, então, tiraram uma foto dele e enviaram para Farani. Depois, foi liberado. Segundo Farani, Deley o chamou no dia seguinte ao fato e falou que abordou o Baianinho e perguntou se ele, de fato, o conhecia. Ele respondeu que, de nome, não. Ao ver a foto, o reconheceu, mas disse que não convivia com ele e, por isso, não saberia informar se ele praticava algo de errado. Farani afirma que essa abordagem é a única coisa que o liga à favela da Caixa D’Água.

“Eu sempre combati o crime organizado e, na polícia, em tropa de elite, que eu sempre fui, não se serve a dois senhores: Ou você é ou você não é. Eu sempre combati. Inclusive, eu fiz uma apreensão grande [contra] o dono da favela da Caixa D’água, de R$ 320 mil, em 2016”, defendeu-se Farani em depoimento à Justiça.

O DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) afirma que houve envolvimento de policiais militares na morte de Deley, sob o argumento de que, se fosse um crime comum, haveria probabilidade de PMs revidarem a morte na região nos dias seguintes, o que não aconteceu.

Os informantes

Os áudios obtidos no celular de Deley revelam os traficantes que dominam a favela da Caixa D'Água e como eles são identificados na comunidade. Silvio Luiz Ferreira, o Cebola, é conhecido na comunidade como Tio e está foragido. Mortos entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano, estão, respectivamente, Anselmo Becheli Santa Fausta, o Magrelo, e Cláudio Marques de Almeida, o Django ou Veinho. Um quarto traficante também mencionado seria Ewerton, conhecido como Well ou Facção.

Em um dos áudios obtidos pela polícia por meio da perícia feita no celular de Deley, ele demonstrava interesse em saber quem é Anselmo Becheli, que seria “o dono da Caixa D'Água”: “Deixa eu te falar: E aquele Anselmo, já ouviu falar? Não sei se eu já perguntei pra você, ele morava na D.d.M., a família dele morava ali. Ele se jogou pro Tatuapé. Ele é o mais monstro que tem aí na quebrada. É ele, ele é o dono da Caixa D'Água”, afirmou.

O informante da mensagem afirmou que conhecia Anselmo e que ele estaria morando na região do bairro do Jardim Anália Franco, mas que dormiria cada dia em um local, pois tinha medo de ser assassinado ou sequestrado. Assim, sempre andava em veículos blindados e com proteção de películas nos vidros para ocultar sua presença nos referidos veículos.

Wanderley, então, respondeu que 2 toneladas de droga, que teriam sido apreendidas no interior de São Paulo, seriam de um traficante conhecido como Magrelo. E que ele teria sido abordado por uma viatura do Baep (Batalhão de Ações Especiais), sendo liberado, pois os policiais não o reconheceram.

Em outro diálogo, Deley lamentou sua posição como policial militar, já que não estaria trabalhando em um batalhão de elite. E acrescentou que foi avisado por seu informante que milhões de reais que pertenceriam ao traficante Anselmo seriam escondidos em motéis que pertenceriam aos traficantes.

Outros áudios obtidos na investigação mostram a atuação de Cebola, também conhecido como Tio na comunidade. Em um dos trechos, um informante de Deley conta que o traficante teria presenteado seus "empregados", ou seja, seus subordinados na estrutura do tráfico de drogas, com R$ 10 mil, em decorrência das festas de fim de ano.

Em uma das situações, um PM não identificado teria repassado a informação de que Cebola estaria na favela da Caixa D'Água a bordo de um veículo Evoque de cor vermelha. Deley rebateu que não acreditava naquela informação. Segundo ele, esse PM somente queria saber onde eles estavam para, na verdade, proteger Cebola de uma possível abordagem policial.

Os depoimentos

Com medo de morrer, após uma reportagem de internet tê-la mencionado, a viúva de Deley afirmou em depoimento que seu marido comentou que, dias antes dos fatos, abordou criminosos da região de Cangaíba e que os abordados afirmaram ser amigos de Farani. A vítima também mencionou à mulher que Farani comandava aquele local, tendo-lhe oferecido a quantia de R$ 2.000 por mês para não realizar abordagens na região.

A viúva afirmou que a vítima tinha em seu celular um dossiê contra o acusado e pretendia denunciá-lo aos seus superiores hierárquicos. Explicou, também, que Deley queria retornar ao Baep, mas descobriu que Farani estava atrapalhando a sua volta. Ela afirmou que repassou o dossiê a um outro policial.

A proprietária do restaurante onde Deley fazia bico contou que, no momento dos fatos, conversava com a vítima na frente do estabelecimento, quando dois indivíduos se aproximaram e passaram a efetuar disparos contra ele. Soube dizer, também, que a viatura de Farani foi a primeira a chegar ao local. Ela disse que os atiradores chegaram ao local disfarçados de garis e com lanches de uma rede de fast-food nas mãos para que ele não desconfiasse.

“Assim que os indivíduos se aproximaram, sacaram as armas de fogo e passaram a efetuar inúmeros disparos contra a vítima. Após cair, o ofendido continuou a ser alvejado por um
dos autores. Em seguida, ambos se evadiram. A arma da vítima estava
no local até o momento em que chegou uma viatura grande da polícia. Entregou
o aparelho de telefone celular da vítima a um policial militar”, diz a descrição do depoimento da proprietária à Justiça.

De acordo com a Polícia Civil, os dois assassinos e aquele que determinou a morte sabiam que a vítima era treinada e perspicaz. “Estudaram a melhor oportunidade de enfrentá-la sem sofrerem contra-ataque. Para isso, optaram por utilizarem uniformes, óculos de EPl, máscara de profissional de serviços, disfarçavam que consumiam lanches e bebidas, tanto que provavelmente sacaram suas pistolas do interior dos sacos de lanches”, afirma a polícia.

Dois dias antes de Deley ser assassinado, PMs da viatura de prefixo número M-39003 pesquisaram os dados da vítima. “Há indícios, mais do que latentes, de que a ação criminosa que culminou com a morte de Wanderley fora, realmente, praticada por policiais militares, já que não houve sequer uma movimentação por parte dos PMs, lotados no 2º BPM, 39º BPM e 4ª Baep, no sentido de tentar esclarecer a morte de seu colega de farda, fato que não é normal”, aponta a polícia.

Quem é o laranja?

Em um áudio detectado no celular de Deley, interlocutor não identificado pretendia apresentar outro informante a ele. Esse terceiro rapaz aparentava conhecer muito bem a rotina do transporte de drogas da favela, que, segundo ele, seria realizado a bordo de um veículo Toyota Hilux, cor preta, que deixaria o local carregado com muitos quilos de drogas. O rapaz seria o Cebola.

Farani afirma que usava essa Hilux em serviço para um empresário identificado apenas como Leandro, dono de um posto de combustível. O empresário, na verdade, era um "patrão-laranja" de Farani, de acordo com a investigação. Ao descobrir que era investigado por envolvimento com o PCC, Farani inverteu a ordem natural das coisas e contratou um patrão. A própria mulher de Farani o teria orientado a respeito de como se comportar para transparecer que Leandro era realmente seu verdadeiro patrão. Farani nega.

Pela perícia feita no celular de Farani, a polícia afirma que se abriu um caminho para um contexto complexo, em que a identidade de seu verdadeiro patrão é ocultada a todo custo. Ou seja, uma outra pessoa, que não é ele, nem o dono do posto de combustível, conhecido como Amigo, contrataria de Farani os serviços afetos à localização de um traficante de drogas: Jonas Silva Correa, vulgo Gordo, apontado como o principal líder do PCC em Santa Catarina, e de seus familiares.

“Importante destacar que a contratação destes serviços nos transparece a ideia de que Jonas pode ser a próxima vítima de um enredo que já conta com algumas mortes que mancharam o chão do bairro do Tatuapé de sangue. Importante destacar, também, que em pelo menos uma destas mortes, ou seja, a de Claudio Roberto Ferreira, o investigado, Farani Salvador, é uma peça extremamente importante do tabuleiro, já que não encontra explicações plausíveis para justificar os motivos que o levaram a solicitar a pesquisa das placas do veículo em que o Claudio Roberto, o Galo, fora assassinado”, diz a polícia.

Depois de ocultar a identidade de seu verdadeiro patrão por quase dois meses, Farani acabou confessando que Leandro era, na verdade, um laranja, que tinha por objetivo fazer com que as autoridades públicas não chegassem à identidade de Rafael, vulgo Japa, que ele diz ser seu verdadeiro patrão.

Ouro em Guarulhos

Também por meio dos áudios interceptados pela polícia no celular de Deley, em dois episódios consta que Farani teria intermediado a liberação de criminosos abordados por PMs. Um dos episódios se refere a um criminoso responsável pelo roubo de barras de ouro ocorrido dentro do aeroporto internacional de Guarulhos, em 2019. E também, em outra oportunidade, numa abordagem a criminosos que estavam com fuzis.

“Percebe-se, neste momento, que o interlocutor que troca mensagens com a vítima [Deley], ou seja, uma de nossas testemunhas protegidas, concorda, mesmo com muito temor, em dar andamento às informações de que o investigado, Farani Salvador, mantém relações com pessoas vinculadas ao crime organizado, em especial, aos agentes criminosos que dominam a região da favela da Caixa D'Água e que, também, mantém contato com pelo menos um dos agentes criminosos que participaram do midiático crime de roubo à carga de ouro e jóias subtraídos do interior do aeroporto de Guarulhos”, relatou a polícia.

Farani nega as acusações

“Não vou mandar matar, sendo que nem os executores, o Ministério Público ou o delegado foram atrás. Sendo que foram no local, retiraram câmera para justamente ocultar os executores. Eu estava de serviço, encostei na ocorrência, sim, porém tomei todos os procedimentos e todas as cautelas para não alterar o local de crime. Não mexi em veículo, não mexi em celular, não fui ao hospital. Então, é completamente infundada essa denúncia.”

A versão acima foi a apresentada pelo sargento Farani em depoimento à Justiça. O PM afirmou que o colega de farda pediu que ele falasse com seu comandante, no Baep, para trazê-lo de volta ao batalhão, mas que o comandante disse que, pelo fato de Deley obter vantagens indevidas fora do horário de trabalho, não seria possível.

“Na minha opinião, alguém quer esconder os erros deles e empurraram para mim porque tinha essa pesquisa. Só que foram no local, mexeram no carro dele, foram no local, sumiram com o celular dele. Foi aparecer depois de dois dias, e isso tudo não fui eu e nem a minha equipe, nem ninguém que estava de serviço. Foi pessoal à paisana, de folga", acrescentou.

Ele defendeu sua história dentro da PM no depoimento. “A minha ficha fala por si, inclusive. Na favela da Caixa D’água a gente não costumava ir porque é uma comunidade perigosa, só ia com determinação do tenente, fazer operações, mas sempre patrulhamos próximo, porque a favela da Caixa D’água não era da minha área, a favela da Caixa D’água só foi virar a minha área após a criação do Baep. Então, nunca tive vínculo nenhum com aquele lugar, nunca tive ligação nenhuma com aquele lugar, pelo contrário, eu sempre combati o crime organizado. Desde a época que eu trabalhava na Rota, eu aprendi isso daí e vou levar para o resto da minha vida.”