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'Elza era uma pessoa simples, assistia a novelas e amava filmes'

Vanessa Soares conta como era a avó fora dos palcos e detalhes dos últimos meses da mulher por trás da 'voz do milênio'

Data: Sexta-feira, 28/01/2022 08:43
Fonte: Ricardo Pedro Cruz, do R7

Há uma semana, o Brasil se despedia da "cantora do milênio". Em mais de 60 anos de carreira, a artista acumulou uma discografia com 85 títulos, indicações e prêmios, e viu dores e vitórias exibidas no noticiário. Se nos últimos oito anos a intérprete viveu o "auge" da vida pessoal e do trabalho, como ela mesma costumava falar, fora dos palcos dava lugar a Elza Gomes da Conceição. Uma mulher simples e que carregava no corpo de 91 anos as marcas de uma vida inteira.

"Elza era uma pessoa simples. De hábitos simples. A comida preferida era arroz, ovo e jiló frito. A sobremesa era goiabada com queijo, pudim de leite e sorvete. Ela gostava de ver novela. Elza era isso. Ela era intensa. Amava assistir ao filme Uma Linda Mulher (1990)Viu umas dez vezes e vibrava em todas. Era uma mulher simples. Era a minha avó. Ali ela era a minha avó." É assim que a neta, Vanessa Soares, descreve a pessoa por trás de A Mulher do Fim do Mundo (2015).

Os últimos cinco meses de vida da artista foram ao lado da neta, em uma cobertura, no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. "Foram meses intensos. Eu passava 24 horas com ela, porque quando ela não estava em casa, estava viajando e eu estava junto. Eu também era produtora dela. Foram cinco meses muito felizes em casa. Agora, nós estamos tentando nos adaptar. Voltando a viver em três: eu, meu marido e meu filho."

 "Era uma mente muito jovem, muito guerreira, e tudo isso num corpo cansado. Era um corpo de 91 anos sacrificado pela vida"

Se no palco Elza "fazia miséria naquela cadeira", apesar de todas as limitações físicas impostas por duas cirurgias e 17 pinos na coluna, longe dos holofotes ela experimentava os sentimentos que aproximam os seres humanos uns dos outros. "Como gostava de falar o meu tio Carlinhos, ela era a Conceição fora dos palcos. Tinha dias de preguiça, e, às vezes, não estava a fim de fazer fisioterapia. Eu ia lá e falava: 'Vamos embora'. E ela só ficava assim para mim: 'Vanessinha, eu te amo muito, mas como você é teimosa'."

O espaço físico em que viveu os últimos momentos, conforme o tempo ia passando e o corpo dava sinais da finitude a que todos nós estamos sujeitos, aos poucos se transformava na casa da avó Elza. "Teve uma noite que ela ficou na sala conosco, comendo comida japonesa e vendo jogo do Flamengo. A gente brincava dizendo que agora era casa de vó. De vez em quando tinha um cachorro quente, tinha pizza. Todo sábado a gente fazia um churrasquinho em casa."

Até o fim...

"Se ela cantou o que queria cantar até o fim, hoje eu canto para ela que eu estive ao lado dela até o fim. Ali, de mão dada. Pedindo a Deus que não a levasse. Era uma mente muito jovem, muito guerreira, e tudo isso num corpo cansado. Era um corpo de 91 anos sacrificado pela vida. Não tinha jeito. Havia chegado a hora dela", diz Vanessa, ao descrever os últimos momentos da avó. 

Coincidentemente, a conversa com a neta da cantora aconteceu exatamente na mesma hora em que o coração de Elza bateu pela última vez. "Uma das coisas que mais conforta o meu coração, uma das coisas que mais conforta a todos nós aqui em casa é que vivemos intensamente para a Elza. Na hora da partida, ela já estava no fim da vida, já partindo, exatamente agora, 15h04, foi a última hora que eu consegui pegar alguns sinais vitais." 

Dura na Queda, em referência à canção oferecida a ela por Chico Buarque — e que abre o álbum Do Cóccix Até o Pescoço, de 2002 —, Elza não teve outra escolha que não fosse ser forte. Seja no palco, seja fora dele. Ela conseguiu ressignificar tragédias, atualizar o discurso, dialogar com novas gerações e, assim, se transformou em uma das principais vozes da juventude brasileira. 

"Elza me ensinou a ser forte. Nós, as mulheres da família, somos bravas, como a minha irmã gosta de falar. Nós somos bravas demais. Na hora que a gente percebeu que estava perdendo a Elza, que ela falou para mim que estava morrendo, cheguei no meu quarto e pedi socorro para o meu marido. Ele chegou no quarto e ela falou para ele: 'Eles estão chegando'. O desespero dele era tanto que ele virou para mim e disse: 'Me ajuda. Me ajuda'. Nós somos mulheres fortes."

O corpo não era mais o mesmo. Isso é fato. No entanto, Elza Soares foi mais do que os efeitos dos 91 anos. Se nos últimos anos o salto 15 precisou ser deixado de lado, ela deu um jeito de encontrar outras possibilidades de movimentos. "Força de vontade é tudo. Quando eu chego no palco, eu esqueço que tenho a coluna operada. Isso me impossibilita muito de andar. Mas, ali no palco, naquela cadeira, faço miséria", disse a cantora em entrevista ao R7, em 2019.