Imagine conseguir detectar um tumor maligno por meio de um tipo de bafômetro, parecido com o usado para descobrir se o motorista bebeu. Em vez de passar por longos exames, o paciente assopra durante dez segundos em um aparelho e em dez minutos sai o resultado.
Pode parecer coisa de filme ou novela. Mas é a vida real e o Hospital AC Camargo, referência no Brasil no tratamento de câncer, faz parte de um estudo que verifica a efetividade de um aparelho criado em Israel e que está sendo testado no mundo.
O "bafômetro" ficará em São Paulo por pelo menos seis meses e o objetivo do hospital é usar em mais de 300 indivíduos, entre doentes e saudáveis. Os pesquisadores precisam registrar o maior número de perfis para ter a base de comparação.
“Ao soprar no caninho, o ar é aquecido, distribuído por um sistema de bombas internas e é avaliado por três detectores. Essa avaliação vai gerar um espectro de padrões de respiração, como se fosse o perfil de um eletrocardiograma, com uma linha em movimento. Sabemos que cada um dos vales ou picos da linha é fruto da presença de determinadas moléculas”, observa Dias-Neto.
O espectro pronto é colocado em uma nuvem do projeto, servidor digital que pode ser acessado pela internet, e todos os médicos e cientistas podem consultar os modelos de pessoas saudáveis e doentes. Além do Brasil, Chile e na Letônia têm hospitais que estão fazendo o cadastro de perfis na base de dados. A expectativa é que em um ano o estudo já tenha respostas suficientes para pôr o aparelho para funcionar.
Sempre que surgem novidades tecnológicas vem junto a dúvida: é possível termos esse benefício no SUS? Como está em fase experimental, o aparelho não tem custo estipulado. “Mas os valores dos componentes não são assustadores e o processo de realização do teste praticamente não tem custo”, comemora Dias-Neto.
Além disso, a possibilidade de detectar os tumores em estágio inicial torna mais fácil e rápido o tratamento e consequentemente menos oneroso aos serviços de saúde, tanto o público quanto o particular.
“Eu acredito muito na viabilidade da implementação disso. Até pelo próprio interesse que as autoridades de saúde vão ter em permitir o diagnóstico muito mais precoce, além de possibilitar fazer uma varredura em toda a população, já que é barato, rápido e indolor”, completa o pesquisador.
Além do uso para detecção de tumores no estômago, o hospital brasileiro propôs e lidera outros dois estudos com o uso da máquina durante o tratamento do câncer. É importante lembrar que após cirurgias, quimioterapias, radioterapias e imunoterapias os pacientes seguem rotinas de exames para checar a cura ou não da doença.
“Acreditamos que será fantástico na avaliação após cirurgia e tratamento, porque provavelmente com esse aparelho vai ser possível detectar muito precocemente o retorno da doença ou que está tudo bem”, diz Dias-Neto.
O terceiro ensaio propõe o uso do aparelho antes mesmo da cirurgia, nos chamados tratamentos neoadjuvantes, protocolo mais moderno na busca da cura do câncer usado no AC Camargo. "Ao compararmos o paciente que fez o tratamento prévio à operação com quem não o fez, a sobrevida do primeiro é maior".
Caso o aparelho funcione nessas análises, os médicos vão saber se o tratamento está sendo eficaz ou não e a necessidade de encaminhá-lo para a operação mais rapidamente.
“Pretendemos usar o aparelho para ver se o paciente está respondendo ao tratamento prévio. Essas ações são prova da importância da pesquisa científica, principalmente quando está lado a lado com a clínica, que é o caso do hospital”, ressalta o pesquisador.
Pode ficar a sensação de que o aparelho é bom, mas será um gasto para detectar um único tipo da doença. Porém, Dias-Neto acredita ser apenas o primeiro passo.
“Detectamos a respiração. Até no projeto há pessoas que confundem, estou detectando pela boca, então é fácil determinar uma doença no estômago. Não é bem por aí, já que o ar está vindo do pulmão. São compostos que as células tumorais liberam no sangue, que é filtrado no pulmão, e esses compostos saem na respiração. Por que estou dizendo isso? Porque muito provavelmente esse aparelho vai servir para câncer de mama, próstata e todos os tumores que imaginarmos”, conclui o biólogo brasileiro.