Tema que ainda levanta polêmicas, a internação compulsória de dependentes químicos voltou a ser assunto após a decisão do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios), divulgada na última segunda-feira (24), que obrigou o Governo do DF a internar e pagar os custos do tratamento de um homem de 30 anos.
O pai do paciente alegou à Justiça que o filho é usuário de drogas há 15 anos e que a alta dependência e a falta de crítica sobre a própria doença o impedem de aderir ao tratamento. Ao analisar o caso, o relator reforçou que é obrigação constitucional do Distrito Federal atender à necessidade de internação do paciente. No entanto, a internação involuntária de dependentes químicos ainda gera divergências entre médicos, psicólogos e juristas, que nem sempre concordam que essa seja a melhor abordagem para o tratamento.
A internação compulsória é uma alternativa possível e prevista na legislação. No entanto, profissionais das áreas da saúde e do direito alertam que a medida só deve ser adotada quando o indivíduo põe em risco a própria vida ou a de terceiros.
Ana Lucia Pretto Pereira, que tem estágio doutoral pela Universidade Harvard e é professora do curso de direito da UCB (Universidade Católica de Brasília), explica que a decisão pelo tratamento compulsório deve ser criteriosa, mesmo do ponto de vista médico. “De fato, a internação compulsória sempre foi e ainda é uma questão polêmica, isso porque a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos prevê como regra o prestígio à liberdade individual. A exceção são as medidas de intervenção nessa liberdade”, detalha.
A especialista explica que a lei em vigor permite que a internação involuntária seja feita em unidades de saúde e hospitais gerais, com o aval de um médico responsável e pelo prazo de 90 dias. A solicitação para que o dependente seja internado poderá ser feita pela família, pelo responsável legal ou servidor da área da saúde.
“Nessa decisão do TJDTF, a justificativa usada pelo juiz que determinou a internação está no direito fundamental à saúde. É dever do Estado prestar ao usuário esse atendimento para que ele possa se reabilitar. O ideal é que haja a colaboração do paciente, no entanto, em alguns casos, o usuário já não tem mais condições de responder pelos próprios atos, e por isso é necessária a intervenção”, comenta a especialista, que defende a internação compulsória apenas em casos extremos e não como uma política pública.
Um dos pioneiros na área do direito médico no Brasil, Washington Fonseca defende a medida e acredita que a intervenção pode preservar a vida do usuário de drogas. Para ele, a internação compulsória dá oportunidade para que indivíduos, já em situação de extrema dependência, possam se desintoxicar.
“A internação compulsória não pode ser confundida com uma prisão. Não é nada disso. A questão é auxiliar no processo de desintoxicação desse usuário de drogas, para depois ele seguir por outros caminhos”, comenta, enfatizando que esse é só o primeiro passo de um conjunto de ações que vão ajudar o paciente a sair do estado de adoecimento.
“A gente não pode encarar isso como uma situação mágica, a desintoxicação não acontece em um estalar de dedos. Não é simplesmente internando a pessoa de maneira compulsória em uma clínica que ela vai estar livre das drogas. Ela deve seguir um tratamento para sair do vício e da dependência química”, diz.
Apesar de defensor da ação, o pesquisador alerta para a fragilidade das instituições e políticas públicas voltadas à redução e prevenção do uso de drogas. "Muitas vezes, por falta de estrutura familiar ou pressão social, há o incentivo para o uso de drogas. Ao mesmo passo, observamos que as instituições que cuidam de pacientes com problemas psiquiátricos — e drogas — são absolutamente depreciadas. O poder público não tem investido como deveria e, obviamente, ficamos estagnados ao longo dos anos", finaliza.
O médico psiquiatra Lucas Benevides, professor e coordenador do Módulo de Saúde Mental do curso de medicina do UniCeub (Centro Universitário de Brasília), explica que, apesar de possível, nem sempre a internação compulsória funciona, justamente por não ter a colaboração do paciente.
“Existem três estágios do vício, a pré-contemplação — quando não há intenção de mudança —, a contemplação — quando há intenção de mudança sem condição de abstinência — e a motivação — com intenção de mudança e capacidade de abstinência. O primeiro passo para superar o vício é o abandono da ética de consumo, em que se obtém prazer com algo que está fora de nós. O segundo é estabelecer a ética da criação, quando encontramos o prazer em atividades criativas e produtivas, e não em atividades consumistas”, detalha.
Só em 2021, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal realizou 80 mil atendimentos a dependentes químicos nos Caps (Centro de Atenção Psicossocial). O paciente que precisar de atendimento pela rede de urgência e emergência em saúde mental pode procurar o hospital referência ou o Caps.
A pessoa é encaminhada para unidades de saúde como o HSVP (Hospital São Vicente de Paulo), Hospital de Base, HUB (Hospital Universitário de Brasília) ou HCB (Hospital da Criança de Brasília). A definição da unidade que atenderá o paciente depende das demandas de saúde apresentadas e de critérios já estabelecidos.
Esses hospitais contam com um total de 122 leitos para internação psiquiátrica, sendo 83 no HSVP, 36 no HBDF, dois no HCB e um no HUB. O HSVP tem ainda um pronto-socorro que funciona 24h para atendimento psiquiátrico de adultos.