Segundo a polícia, foram indiciados a diretora, coordenadores, agente de pátio e professores da Escola Estadual Welson de Mesquita Oliveira, de Cuiabá.
Daniel morreu em uma das cachoeiras do Complexo Véu de Noiva, no Parque Nacional de Chapada dos Guimarães no dia 6 de dezembro do ano passado.
O exame de necropsia apontou asfixia por afogamento como a causa da morte de Daniel. O exame toxicológico foi negativo para substâncias alcoólicas e psicoativas.
No inquérito instaurado pelo delegado Alexandre Nazareth foram ouvidas a família do adolescente, professores e servidores que estiveram presentes à aula de campo, a direção da escola e estudantes que estiveram próximos à vítima.
A Polícia Civil também ouviu funcionários do ICMBio, instituto que administra o Parque Nacional de Chapada dos Guimarães e responsável por autorizar a entrada de visitantes no local.
A aula de campo envolveu 71 estudantes da escola estadual divididos em turmas e monitorados por professores para a visita ao circuito de cachoeiras.
https://g1.globo.com/mt/mato-grosso/noticia/2021/12/07/tres-alunos-desaparecem-durante-excursao-escolar-e-um-deles-e-encontrado-morto-em-mt.ghtml
Durante o passeio, três alunos desapareceram e dois deles foram encontrados em uma trilha, exceto Daniel. Com o sumiço dele, os professores acionaram o Corpo de Bombeiros, que o encontrou morto horas depois em uma cachoeira.
“Porque os professores que estavam cuidando dele não falaram que era perigoso. Ele era grande, mas era uma criança. Uma criança que não tinha noção de perigo, não tinha malícia, tudo era alegria”, disse a mãe de Daniel durante entrevista.
Conforme uma das professoras ouvidas no inquérito e autora do projeto, a aula de campo foi idealizada com o objetivo de proporcionar conhecimento sobre a biodiversidade, aspectos cultural, biológico e histórico do Parque Nacional de Chapada dos Guimarães e conhecer o ponto turístico Véu de Noiva.
A descrição do projeto apontava que a visitação da turma de alunos seria mediante guia e as atividades consistiriam em observar, anotar e aprender, não havendo, portanto, especificada atividade de aventura, como banho no circuito de cachoeiras.
O projeto acadêmico foi revisado pela diretora da escola e passou pela equipe gestora da unidade. Também teve a aprovação da representante do Conselho Deliberativo Escolar, que em assembleia pedagógica que avaliou a aula de campo em debate e na qual tinha, inclusive, poder de veto, fez os apontamentos que julgou necessários e, depois de vê-los atendidos, votou por sua aprovação.
A representante do conselho declarou ainda a atividade de banho, não só ocorreria, como era um fato de conhecimento na escola, tanto é que um inspetor passou nas salas de aula dando orientações sobre o que levar e o tipo de roupa que vestir.
A presidente do conselho disse ainda em depoimento que acredita que a diretora e os coordenadores tinham conhecimento extracurricular sobre o banho e que depois de ter acesso ao projeto, observou que não previa a atividade de banho no documento, mas foi apontado no dia-a-dia antes do evento.
Três professores que integram a equipe gestora da escola declararam de forma uniforme que o projeto foi encaminhado para apreciação deles em assembleia realizada no dia 11 de novembro, onde possuíam poder de veto.
Contrariando declarações feitas à Polícia Civil anteriormente, os professores alegaram desconhecimento sobre a permissão de banho aos alunos no circuito das cachoeiras, se embasando no fato de que o projeto não a previu.
Um dos professores responsável pela condução de um dos grupos de estudantes disse que a turma que estava sob sua supervisão teve contato com a água nas Cachoeiras das Andorinhas e da Prainha.
Ele declarou também que fez varredura das cachoeiras, demonstrando pessoalmente a profundidade de cada uma delas, antes dos alunos entrarem e que apenas os estudantes que sabiam nadar foram autorizados a ir até a parte mais funda e que a seleção de quem sabia nadar ou não foi realizada mediante pergunta ao grupo, seguida de observação de cada um deles.
Conforme declarou uma das professoras, na Cachoeira da Prainha se reuniram três grupos de alunos fazendo com que o total excedesse a 30 pessoas, contrariando a orientação do ICMBio de que o trânsito nas trilhas deveria ser de grupos de até 15 pessoas, além de outros alertas quanto à preservação do ambiente e cuidados para com a profundidade dos poços formados pelas quedas d'águas.
Apuração realizada pela equipe de investigação na trilha das cachoeiras do parque aponta que há sinalização das trilhas autoguiadas da unidade de conservação, com destaque a placa indicativa do limite máximo de 24 pessoas para a Cachoeira da Prainha.
O adolescente Daniel fazia parte de um grupo de 15 alunos monitorado por um professor e que ao chegarem à Cachoeira da Prainha, orientou que apenas os estudantes que soubessem nadar, entrassem na água, ocasião em que a maioria dos alunos entrou na cachoeira.
O professor declarou que não viu o momento em que Daniel entrou na cachoeira e nem mesmo quando imergiu na água.
Disse ainda que durante o tempo em que ele e os outros professores permaneceram na Prainha não notaram o desaparecimento do adolescente e que antes de sair do ponto turístico e ir para a cachoeira das Andorinhas, o professor chegou a perguntar se estavam todos os alunos reunidos para dar seguimento à visitação, quando os alunos responderam afirmativamente. Somente após retornarem para o estacionamento, onde estavam os ônibus, uma das professoras notou a falta de Daniel Hiarlly.
Vários estudantes foram ouvidos pelo delegado Alexandre Nazareth e declararam que a permissão para o banho no circuito das cachoeiras era fato manifesto no ambiente escolar, pois alguns professores chegaram a fazer recomendações antecipadas sobre o tipo de vestimenta adequada.
Alguns alunos disseram ainda que colegas praticaram malabarismos em zona profunda do curso d'água, como pular de tronco de árvore e pedra que o margeavam, sem nenhum equipamento de proteção individual ou coletivo.
O corpo do adolescente foi localizado a três metros de profundidade na cachoeira da Prainha e resgatado pelo Corpo de Bombeiros.
Com base no material coletado, perícias e depoimentos, o inquérito concluiu que houve um encadeamento de erros durante a execução da aula de campo, pois não foi observado o emprego de equipamentos de proteção individuais e coletivos e nem protocolos de monitoramento da permanência do usuário no ambiente natural.
“Tanto que a equipe de educadores só deu falta de Daniel cerca de três horas depois do incidente e mesmo que houvesse monitores, era em número insuficiente para o quantitativo de alunos e não eram especializados em salvamento aquático nem traziam consigo equipamentos para tal. Além disso, a permanência simultânea de banhistas extrapolou o limite estabelecido na placa indicativa. Somado a isso, corrobora juntamente a ausência de um plano de atendimento emergencial ou de processo de gestão de riscos”, apontou o delegado.
Ele explica que ainda que os professores não pudessem prever a morte do adolescente por afogamento, era previsível que a permissão de banho simultâneo de 71 alunos, supervisionados por apenas seis monitores, em águas com profundidade e sem equipamentos de proteção, pudesse resultar em acidente fatal com qualquer um dos participantes do evento.
“A aula de campo nesse caso mais se aproximou de um turismo de aventura, logo os educadores assumiram a responsabilidade de garantes, monitores, condutores, salva-vidas, pois agiram como se os fossem. Tanto é que declararam saber nadar e disseram ter realizado varredura nas quedas d'águas para demonstrar a profundidade aos discentes. Sendo assim, embora não quisessem o resultado morte, os educadores, com seus comportamentos precedentes, assumiram a responsabilidade de impedi-lo quando se colocaram na condição de garantes; ao mesmo tempo, criaram ou incrementaram o risco da ocorrência do referido incidente”, finalizou o delegado.
A mãe da vítima, Jocely Mara de Oliveira, afirmou que acredita que a morte do filho não foi acidental.
“Espero por justiça. Quero que seja esclarecido o que aconteceu com meu filho. Soube que ele tentou se segurar na calça de um colega e pediu socorro. Porque as pessoas que estavam com ele não o socorreu? É mentira atrás de mentira”, questionou.
Jocely Mara de Oliveira, mãe de Daniel, pede justiça — Foto: Rafael Medeiros/TVCA
Jocely disse que ainda tenta se recuperar, mas que os dias sem Daniel e sem uma resposta sobre o que aconteceu com ele têm sido difíceis para ela.
“É uma dor que eu jamais imaginei sentir. Faço almoço, só porque eu sei que minha filha e meu marido precisam comer. Eu não como direito, como pouco só para não ficar doente, pois eu quero ver o que vai acontecer. Quero saber o que aconteceu com meu filho”, pontuou.
A mãe de Daniel disse que o filho tinha pedido para ir ao passeio como um presente de aniversário. Ela contou que não queria que o filho participasse do passeio, mas, como ele insistiu muito, autorizou e pagou a taxa de R$ 30 para que ele pudesse ir.
O estudante tinha completado 14 anos no dia 1º de dezembro.
Joceli também questionou as informações passadas pela escola e a assistência dada e se disse arrependida por ter deixado o filho ir ao passeio.
O passeio no Circuito das Cachoeiras, no Parque Nacional de Chapada dos Guimarães (MT), foi feito sem guia de turismo, já que o acompanhamento não é obrigatório, como confirmou a direção da Escola Estadual Professor Welcio Mesquita de Oliveira, em Cuiabá.
Desde o dia 23 de novembro do ano passado, os passeios podiam ser feitos sem guia, de acordo com uma portaria do Ministério do Meio Ambiente.
A liberação dos passeios sem guia é considerada por especialistas da área como uma medida de alto risco.
A presidente do Sindicato dos Guias de Turismo de Mato Grosso (Singtur), Susy Miranda, afirma que, mesmo antes, quando existia a obrigatoriedade de guia no parque para grupos de 11 visitantes, alguns incidentes poderiam acontecer, mas que, com a presença do profissional, eram sanadas ou evitadas.
“Agora imaginem abrir esses atrativos ao público, que muitas vezes não respeita as regras. Ia dar no que deu. Infelizmente aconteceu, mas poderia ter sido evitado”, disse.
Na época, a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) lamentou a morte do aluno e informou que a aula de campo seguiu a orientação e contou com a autorização dos país e responsáveis.