Os brasileiros amargam um cenário adverso com inflação e desemprego em níveis elevados e queda da renda dos trabalhadores. A "tempestade perfeita" surge diante do processo de recuperação econômica após as perdas causadas pela pandemia do novo coronavírus e tende a dificultar o crescimento efetivo do PIB (Produto Interno Bruto) — soma de todos os bens e serviços produzidos no país — nos próximos anos.
Em fevereiro, o salário médio de admissão dos trabalhadores com carteira assinada caiu a R$ 1.878,66, remuneração 3,15% menor do que a de janeiro e que representa uma perda real de 11,78% em 12 meses. Ao mesmo tempo, o rendimento médio real recebido pelos brasileiros figura em R$ 2.511, o valor mais baixo já registrado para um trimestre encerrado em fevereiro.
Ao avaliar o impacto econômico dos dados na produção, Fausto Augusto Junior, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), afirma que investimento e renda do trabalho são as únicas formas de alavancar o crescimento do PIB de uma nação.
“Quando você coloca recursos na parte de baixo da pirâmide, esse dinheiro é injetado na economia. Nós observamos isso com o auxílio emergencial, que impediu um tombo maior do nosso PIB, porque os mais pobres tiveram rodagem na economia”, avalia Augusto Junior.
O presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia), Antonio Corrêa de Lacerda, reforça que os indicadores mais recentes mostram que há mais de 29 milhões de brasileiros economicamente ativos sem uma colocação profissional, o que trava ainda mais o avanço do PIB.
"Além de estarem fora do mercado de trabalho, esses 25% da população ativa não integram o mercado consumidor, também afetado pelo menor poder de compra da população com a alta da inflação. Assim, temos uma expressiva contração do potencial de demanda, afetando o crescimento em uma espiral viciosa", afirma Lacerda.
Para Augusto Junior, o cenário de queda da massa salarial dos profissionais ocupados transforma a saída do colapso sanitário em uma crise econômica. “Apesar da geração de mais empregos, a quantidade de dinheiro circulando na economia é menor do que há um ano, quando estávamos no auge da pandemia”, lamenta.
O ambiente desfavorável para a economia brasileira conta ainda com a perda de poder de compra do salário mínimo, que serve como piso para diversos setores e não é reajustado com ganho real desde 2019.
Anteriormente, a lei nº 13.152, de 2015, determinava que o salário mínimo deveria ser calculado com base na expectativa para o INPC do ano e a taxa de crescimento real do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes, o que garantia uma alta salarial.
De acordo com Augusto Junior, do Dieese, a política extinta garantia melhores salários não só aos profissionais remunerados com o piso, mas também elevava a renda dos informais e dos trabalhadores domésticos.
Lacerda, por sua vez, destaca a geração de emprego e renda com o “motor” do crescimento econômico. “Um país com as nossas carências não pode deixar de priorizar o crescimento em bases sustentáveis. [...] A ausência de políticas de melhora dos salários, em especial o mínimo e aposentadorias, agrava a questão”, analisa o presidente do Cofecon.
A percepção dos economistas é refletida também nos dados do salariômetro, da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). De acordo com o indicador, 55,7% das negociações encerradas fizeram os trabalhadores amargar uma perda real em fevereiro e apenas 29,2% tiveram uma nova remuneração com ganho acima da inflação.