Entre os casos de homicídios de 2019 solucionados no país, apenas três estados sabem informar dados sobre raça e cor das vítimas, segundo pesquisa do Instituto Sou da Paz, divulgada na terça-feira (2). São eles: Rio de Janeiro, Mato Grosso e Pernambuco.
Apesar disso, o estudo mostra que até mesmo os três estados fornecem essas informações de forma limitada. Os três estados divulgaram, respectivamente, informações sobre raça em 23%, 15% e 1% das denúncias em que houve a elucidação dos crimes.
Esse "apagão" de dados significa que as instituições não se atentam à possibilidade de que a atuação tenha vieses distintos a partir do perfil das vítimas, pondera Beatriz Graeff, pesquisadora do instituto.
“Assim, não se consegue planejar o aprimoramento da atuação dos órgãos, já que não há dados que façam enxergar o problema. Também não se consegue fornecer respostas adequadas de acordo com o perfil das vítimas”, afirma Graeff ao R7.
A diretora do Sou da Paz, Carolina Ricardo, vê com preocupação a ausência de dados sobre raça em 89% dos estados brasileiros: “O desenho de políticas não pode deixar de levar em consideração que há uma parcela da população afetada pela violência letal de forma desproporcional em razão do racismo, da discriminação e da desigualdade de renda.”
A quinta edição da pesquisa “Onde mora a impunidade?” revelou, ainda, que o país elucidou somente 37% dos homicídios ocorridos em 2019 até o fim do ano seguinte, o que representa uma queda em relação a 2018, com 44% dos casos solucionados. A baixa se deu por dois fatores principais, segundo Graeff.
O primeiro foi o acréscimo de três estados que fornecem esses dados de 2018 para 2019, e que, por não realizarem essa coleta de informações regularmente, podem oferecer os números de forma imprecisa.
“À medida que agregamos novos estados à pesquisa, existe uma flutuação relacionada a esses números. Estados menos estruturados eventualmente têm dados que puxam o indicador nacional para baixo”, explica ela.
O outro motivo tem a ver com os recursos destinados por cada federação a todo o processo de investigação dos homicídios. Esses resultados negativos, aponta ela, se relacionam a um baixo investimento na melhoria desses procedimentos, como protocolos mais bem desenhados, qualificação dos policiais e perícia técnica.
Por fim, a pesquisadora ressalta também a necessidade de articulação entre as diferentes instituições que formam a segurança pública e a justiça criminal.
“Desde a Polícia Militar, que é a primeira a chegar ao crime e preservar o local, a perícia técnica, os recursos tecnológicos que o estado disponibiliza à perícia, a formação das equipes de investigação, são todos fatores que influenciam [na qualidade dos dados]”, afirma.
Entre os 19 estados que forneceram dados sobre homicídios de forma completa em 2019, Rondônia foi o que mais solucionou casos, com percentual de 90%. Logo atrás estavam Mato Grosso do Sul (86%) e Santa Catarina (78%).
Os que menos esclareceram casos foram o Rio de Janeiro (16%), e, com 24% denúncias geradas cada, Bahia, Pará e Piauí.
Em oito estados, os ministérios públicos e tribunais de Justiça não conseguiram oferecer os dados necessários para o cálculo dos dados dentro dos critérios utilizados pelo Sou da Paz: Alagoas, Amazonas, Goiás, Maranhão, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins.
Apesar de ainda serem oito os estados com ausência desses números, Beatriz Graeff vê como um dado positivo o aumento — de 16 para 19 — na quantidade de federações que fornecem as informações em relação ao ano anterior.
“Significa que as instituições, ministérios públicos e tribunais de Justiça, estão melhorando seus sistemas e possibilitando a extração desses dados dos seus sistemas. Todo incremento é positivo, e sinaliza a importância de dar visibilidade a esse tema, e como isso reflete em planejamento e melhorias da atuação para investigar os homicídios”, afirma a pesquisadora.
Com base em questões apontadas pela pesquisa, o Instituto Sou da Paz oferece recomendações para a resolução dos problemas, bem como alternativas para aprimorar as investigações de homicídio no país e o esclarecimento dos crimes.
Três recomendações para resolução das principais dificuldades identificadas pelo estudo:
- Priorizar a organização e disponibilização de informações sobre investigação e esclarecimento de homicídios a partir de um órgão federal que contribua para a fiscalização dos órgãos estaduais do sistema de Justiça e segurança, como o CNMP e o CNJ;
- Desenvolver ou aperfeiçoar plataforma digital nacional capaz de sistematizar e cruzar dados sobre denúncias criminais referentes a ocorrências de homicídio doloso consumado;
- Padronizar os sistemas de informação dos MPs estaduais e promover a integração com os sistemas utilizados pelos TJs e pelas SSPs estaduais.
Oito recomendações focadas no aprimoramento das investigações de homicídio e consequente aumento das chances de elucidação de autoria desses crimes:
- Sistematizar e normatizar os processos de treinamento e capacitação contínua dos agentes responsáveis pelo primeiro atendimento a ocorrências de homicídio, em geral policiais militares ou guardas civis, de forma a assegurar a preservação adequada do local do crime;
- Garantir a disponibilidade ininterrupta de equipes completas (delegado, investigadores e peritos) de atendimento de local de crime para chegada célere a todas as regiões dos estados;
- Criar equipes especializadas focadas na investigação de homicídios, organizadas numa lógica que contemple o território;
- Fortalecer as perícias criminais (equipamentos, concurso e formação), ofertando mais equipamentos e recursos materiais e humanos para que os laudos técnicos sejam realizados com mais agilidade e precisão, seguindo protocolos e melhores práticas;
- Elaborar e disseminar doutrina de investigação de mortes violentas e intencionais com a fixação de protocolos comuns de ação entre as instituições de segurança e de justiça criminal;
- Criar mecanismos e infraestrutura para viabilizar o rastreamento das armas de fogo e munições, bem como a confrontação balística, contribuindo para a consolidação do Banco Nacional de Perfis Balísticos;
- Pactuar diretrizes de investigação de homicídios que possam nortear os procedimentos adotados pelos estados brasileiros.