Neste setembro amarelo, é fundamental falar sobre a depressão infantil, quadro clínico cada vez mais comum em todo o mundo. Assim como os adultos, as crianças enfrentam adversidades e carecem de ajuda profissional, familiar e solidária.
De acordo com uma estimativa da OMS (Organização Mundial da Saúde) e da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), em todo o mundo, mais de 300 milhões de pessoas, de todas as idades, sofrem com a depressão.
Apenas no Brasil, segundo um estudo realizado pela FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), em setembro de 2021, 36% dos jovens apresentaram sintomas de depressão e ansiedade. O levantamento foi realizado on-line com cerca de 6.000 voluntários na faixa etária de 5 a 17 anos.
Diante disso, atentar-se aos primeiros sinais do transtorno é uma atitude necessária. De acordo com o psicólogo especialista em saúde mental infanto-juvenil, Miguel Bunge, o tratamento precoce faz total diferença para o desenvolvimento da criança.
“Sabemos que 75% dos adultos que têm transtornos mentais, seja depressão ou ansiedade, esse transtorno se iniciou durante o período da infância e não foi tratado, por isso é importante tratar”, alerta Bunge.
O psicólogo adverte que a depressão se manifesta de forma diferente em crianças, quando comparada a do adulto.
“Na depressão infantil percebemos muitos sinais de irritabilidade e choro excessivo, que são traços menos aparentes no adulto. Há também alterações de autocuidado – a criança passa a não querer tomar banho, não querer escovar os dentes –, além da culpa excessiva e falta de esperança, por exemplo”, explica Bunge.
E acrescenta: "podem existir comportamentos de automutilação, como a criança pegar objetos cortantes e se machucar, alterações de alimentação e no sono, isolamento social – ela começa a querer ficar mais sozinha, não sair, não ver pessoas – e queda do rendimento escolar.”
Nem toda criança que apresenta algum desses comportamentos receberá o diagnóstico de depressão, mas aquela que fica irritada com frequência, chora excessivamente e demonstra uma mudança de padrão de comportamento acende um alerta e merece uma investigação mais a fundo.
Segundo Miguel, há motivos preexistentes que podem influenciar um quadro de depressão em crianças. Entre eles, estão: histórico de suicídio de algum familiar, bullyng e, consequentemente, o cyberbullying – violência praticada na internet.
“Situações de violência domésticas também estão incluídas. Pais que são muito agressivos, não só fisicamente, mas também verbalmente, que colocam aquela criança para baixo, minam a autoestima dela, aumentam o risco da depressão e, consequentemente, o suicídio daquela criança”, informa Bunge.
O tratamento mais eficiente para o transtorno é a combinação da psicoterapia e dos medicamentos, especialmente nos casos moderados e graves. A principal vertente da psicoterapia é a ativação comportamental.
O psicólogo explica que o objetivo da ativação é fazer a criança voltar a praticar as atividades que a davam prazer antes da doença, como a realização de atividade física e até tarefas para regular o sono.
Para quadros leves de depressão, a atividade física por si só, muitas vezes, regulariza a situação da criança. Para além das definições de gravidade, a interação social é fundamental, pois as crianças que têm um bom convívio social e se sentem pertencentes a um grupo têm menos risco de desenvolver a doença.
Os pais, a escola e os familiares desempenham uma função importante na recuperação da criança.
“A primeira coisa que os pais precisam fazer é escutar os filhos deles, ter um diálogo aberto, um diálogo que a gente chama de não punitivo. Por exemplo, quando eles falam ‘ah, estou triste’, os pais não devem dizer ‘triste não, que frescura é essa’”, diz Bunge.
Este tipo de diálogo não diminui as expectativas e os sentimentos da criança, respeita os seus pensamentos, apoia as suas crenças e a deixa o mais confortável possível.
A ajuda profissional também é essencial, pois a depressão afeta a capacidade cognitiva da criança e compromete o seu desempenho pedagógico. Sendo assim, o diagnóstico precoce pode auxiliar na recuperação desta capacidade.
No entanto, Miguel lamenta que “existe um bom número de psiquiatras e psicólogos para adultos, mas uma carência enorme dos profissionais voltados para a saúde mental da criança e do adolescente”. As opções mais viáveis e especializadas para esta faixa etária são os psicólogos e neurologistas infantis e os pediatras.
Vale ressaltar que o CVV (Centro de Valorização da Vida) também disponibiliza atendimento voluntário gratuito por telefone, e-mail e chat 24 horas por dia, para pessoas que precisam conversar, com total sigilo. Em caso de emergência, ligue 188!