O presidente da Rússia, Vladimir Putin, anexou na última semana quatro territórios ucranianos ao gigantesco e extenso mapa russo. O processo foi formalizado após um polêmico referendo pelos quais a população de Donetsk, Kherson, Lugansk e Zaporizhzhia supostamente aceitaram deixar a Ucrânia.
A votação, que acontece em meio à guerra entre os dois países, foi amplamente criticada por líderes mundiais do Ocidente, os quais reforçam que não reconhecerão as novas terras anexadas pela Rússia.
Em meio à disputa pelo território que compõe cerca de 15% da área total da Ucrânia, quais são os efeitos práticos para as pessoas que moram nessas regiões?
O R7 entrevistou especialistas que explicaram que as consequências da anexação formalizada por Putin vão de separação de famílias ucranianas até o possível uso de armas nucleares durante a guerra.
O professor de relações internacionais da ESPM Gunther Rudzit afirma que o primeiro impacto é a transformação dos cidadãos daquele local em russos. Em seguida, com os territórios sob posse de Moscou, qualquer ataque da Ucrânia pode ser considerado um ataque à Rússia.
“Politicamente, esses territórios passam a ser parte da Federação Russa e, por isso, com as forças ucranianas avançando, o presidente Putin pode alegar que a integridade territorial do país está em risco e declarar mobilização total. E, no extremo, justificar o uso de uma arma nuclear tática contra essas forças”, afirma Rudzit ao R7.
Douglas Galiazzo, professor de direitos humanos da Estácio, explica que famílias podem ter maior dificuldade para se ver, além das questões culturais ucranianas suprimidas pelo poder e ideologia russos.
“A população vai deixar de ser ucraniana, vai passar a viver sob o regime, o modo de vida, moeda e política da Rússia. Vai tornar dificultoso também o contato com os parentes em outras regiões da Ucrânia”, destaca Galiazzo. “Isso vai impedindo a essa população o acesso às raízes do povo ucraniano com todas as consequências, de passar até a ter uma outra cultura.”
Para o professor de direitos humanos, o resultado da anexação é “incalculável e inimaginável” no ponto das pessoas que moram nessas regiões.
De acordo com informações divulgadas pela Agência Efe, cerca de 92,74% dos eleitores da região de Zaporizhzhia, banhada pelo mar de Azov, apoiaram a anexação russa, de acordo com a apuração de mais de 92% dos votos. No caso de Kherson, na fronteira com a Crimeia, após a apuração de 75% dos votos, mais de 86% votaram sim. O Ocidente, todavia, não confia nesses números.
Rudzit diz que o governo de países como Estados Unidos e Canadá ou organizações como a União Europeia pouco podem fazer diante da anexação russa.
“[Outros países podem fazer] o que fizeram quando em 2014 a Rússia anexou a Crimeia: não reconhecer. É importante ter sanções específicas para a região e lideranças políticas das mesmas, nada muito além disso”, ressalta o professor.
Quando Putin iniciou o que chama de “operação militar especial”, o presidente da Rússia tinha como objetivo principal ajudar as forças separatistas de Donetsk e Lugansk. Desde 2014, homens a mando do governo de Kiev batalham com milícias locais pela libertação da região.
Kherson e Zaporizhzhia, porém, entraram no mapa do mandatário russo durante a atual guerra com a Ucrânia. Putin, inclusive, incorporou às propriedades russas a usina nuclear de Zaporizhzhia — considerada a maior da Europa.
O discurso do início da guerra sobre a libertação de Donetsk e Lugansk já não existe mais, uma vez que Putin anexou essas regiões. E na visão de Galiazzo, o presidente russo almeja reviver os tempos do Império Russo.
“As intenções do Estado russo são voltar a ser o Império Russo, das grandes conquistas de Pedro, O Grande. [Putin] quer território, diferente, por exemplo, de uma China, que quer manter a hegemonia econômica.”
Rudzit, por sua vez, acredita que Putin busca uma maneira de justificar a guerra, em especial após a contraofensiva ucraniana que gerou a mobilização de mais de 500 mil reservistas russos. Todos esses movimentos, porém, podem aumentar a instabilidade na Europa, que já sofre sem o gás russo.
“O maior impacto é no eleitorado, que pode ver essa anexação como uma ameaça real, e apoiar seus governos nesse momento de dificuldade com a crise energética. Assim como não questionar o apoio que estão dando para a Ucrânia. No longo prazo, o reforço da unidade europeia e fortalecimento da Otan.”