A lista das espécies da fauna brasileira que tiveram suas populações diminuídas nas últimas décadas revela a ação do homem na natureza. Boto da Amazônia, onça, tatu-bola, gato-palheiro, corais, lagarto papa-vento da Bahia, e o tatu-bola estão no 14º Living Planet Report (Relatório Planeta Vivo), feito a cada dois anos pela WWF, em parceria com a Sociedade Zoológica de Londres.
Segundo o relatório, que analisou 32 mil populações de 5230 espécies de todo o planeta, a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas se conectam e se transformam em ameaças para animais e seres humanos.
O boto amazônico é um exemplo. Além da contaminação por mercúrio usado nas atividades de garimpo, eles sofrem com as redes de pesca, ataques em represália pela danificação de equipamentos de pescadores e com seu uso como isca na captura da Piracatinga, diz o WWF. Entre 1994 e 2016, a população de botos cor-de-rosa caiu 65% na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no estado do Amazonas.
"Outro caso bem documentado é a redução das populações no trapézio amazônico, região que inclui o Vale do Javari, onde o ambientalista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados por pescadores ilegais", diz o relatório.
"Para algumas espécies as causas são bem específicas, como a contaminação por mercúrio e os conflitos com pescadores", diz Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil. Segundo ela, no entanto, uma das maiores causas que contribuem para o declínio das populações de espécies selvagens são as mudanças no habitat.
É o caso da espécie eleita como mascote da Copa do Mundo no Brasil, o tatu-bola. Estudos recentes do WWF-Brasil apontaram redução no habitat dessa espécie no cerrado de 50% até 2020. Outro animal local sob ameaça é o tiriba-do-Paranã, ave parecida com os papagaios e as araras e que ocorre apenas em uma porção desse bioma, nos estados de Goiás e Tocantins. Ele já é considerado como ameaçado de extinção pelo governo brasileiro.
No Pantanal, as onças, assim como as espécies do cerrado, sofrem com a perda das características originais de seu habitat. "O desmatamento e os incêndios criam uma desconexão de áreas no bioma", diz Mariana. Em 30 anos, 15,7% da superfície de água do Brasil desapareceu. No estado mais afetado, o Mato Grosso do Sul, mais da metade (57%) de todo o recurso hídrico foi perdido desde 1990. Ali, essa redução ocorreu basicamente em no Pantanal. "O Pantanal teve redução de 80% de sua superfície de água nos últimos trinta anos", completa.
"Animais que precisam de grandes áreas para viver são mais afetados por essa dupla crise", diz Mariana. "Alguns vão conseguir migrar, mas nem todos. Por isso a importância da criação de corredores ecológicos."
O desmatamento é um dos problemas apontados por especialistas e pela comunidade internacional na gestão do presidente Jair Bolsonaro, que deve terminar os quatro anos de gestão com, por exemplo, um total de 47 mil km² de desmatamento na Amazônia. O número representa o total da área destruída segundo as estimativas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) entre 2019 e 2022 e é 60% maior do que o registrado nos quatro anos anteriores nos governos, Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).
A gerente de Ciências do WWF-Brasil ressalta que há boas experiências no país, como no Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná, na fronteira com a Argentina e Paraguai. "Ali, não apenas no Brasil, o monitoramento da população do felino mostra estabilidade e crescimento nos últimos anos, passando de 11 animais, em 2009, para 28 em 2018.
De norte a sul
Espécie menos conhecida, o gato-palheiro também sofre com as mudanças em seu habitat natural, os campos do Pampa, no sul do país, conforme o relatório da WWF. Este é o bioma brasileiro que mais perdeu vegetação nativa nas últimas décadas, quase 30% entre 1985 e 2021 segundo a plataforma MapBiomas, projeto que reúne universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia. A agricultura é o principal uso do solo na região.
As ameaças, no entanto, não ficam apenas em terra firme. No mar, os corais são uma das espécies mais ameaçadas. Dados publicados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas), estimam que 70% a 90% dos corais do mundo possam desaparecer com o aumento médio de 1,5°C da temperatura global. No Brasil, "o mapeamento histórico realizado na região de Abrolhos, na Bahia, mostra que embora a perda de recifes possa ser rastreada desde 1861, esse processo tornou-se mais intenso nas últimas décadas em virtude da maior frequência de extremos climáticos com altas temperaturas", explica Mariana.
O aumento de dias em que a água fica quente é a causa principal do stress nos corais, que causa seu branqueamento, um indicativo do enfraquecimento que pode causar sua morte. "Um exemplo recente foram as ondas de calor de 2019 e 2020, responsáveis pela perda de 18,1% da cobertura de corais em Maragogi, município da maior área marinha protegida do Brasil, a APA Costa dos Corais.
Os efeitos foram registrados em diversos recifes importantes do litoral brasileiro, por exemplo, com destaque para a região de Abrolhos, onde o aumento da temperatura foi responsável pela morte de mais de 89% das populações de uma espécie de coral, a Millepora alcicornis", diz a gerente de Ciências da WWF-Brasil.