A União gastou R$ 13,4 bilhões com viagens nacionais e internacionais e diárias de servidores e outros agentes públicos em quase uma década. O valor é equivalente ao orçamento somado de 11 ministérios, Presidência da República e órgãos com status de ministério do Executivo federal para 2023 — R$ 13,7 bilhões.
O levantamento foi feito pelo R7 a partir do cruzamento de dados do Ministério do Planejamento e Orçamento, do painel de viagens do governo federal e do Portal da Transparência. Os valores, de 2014 a 2023, foram atualizados pela inflação do período.
As rubricas cujos orçamentos equivalem às despesas com passagens e diárias são as de Minas e Energia; Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Presidência da República; Controladoria-Geral da União; Comunicações; Esporte; Turismo; Povos Indígenas; Direitos Humanos e Cidadania; Mulheres; e Igualdade Racial.
Os gastos com viagens na administração pública federal direta, fundações e autarquias estão previstos em lei. Os valores cobrem passagens e diárias de servidores, militares, empregados e colaboradores eventuais. Os agentes públicos são ressarcidos nas diárias por despesas com hospedagem, alimentação e locomoção.
Em nota, o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos afirmou que "não há teto para despesas com viagens, sendo uma programação de cada órgão. A destinação orçamentária para esse fim é definida na LOA (Lei Orçamentária Anual) e deve seguir a legislação vigente, decretos regulamentares e instruções normativas".
Despesas com viagens "não são erradas nem ilegais", mas causam "estranhamento", afirma o economista Hugo Garbe. "Gasto com viagem, em momentos de crise, deve ser evitado. Hoje, há formas de fazer reuniões sem precisar viajar. Alguns julgamentos, por exemplo, são feitos de forma virtual, para economizar com o deslocamento do preso."
De acordo com ele, o governo poderia utilizar tecnologia para evitar gastos com passagem aérea, hospedagem e alimentação. "É preciso fazer uma revisão de prioridades e analisar quais são as viagens primordiais e tirar, ou pelo menos adiar, as que não são tão importantes no momento", sugere.
Embora elas sejam legais, o advogado especialista em políticas públicas Ravan Leão afirma que a comparação "assusta". "Mesmo sendo legal, o gasto público com viagem deve respeitar princípios constitucionais como impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade e proporcionalidade."
Leão lista sugestões para a economia de recursos. "A economia do gasto público é desenvolvimento econômico para qualquer nação. O governo pode lançar um plano de redução de 40% ou 50%, por exemplo, dos gastos com viagens, para equilibrar as contas e aprimorar a eficiência da gestão pública, que é outro princípio constitucional."
O especialista diz que outra ação que poderia contribuir para a redução desse tipo de gasto seria criar, em cada ministério, "uma comissão de estudo da real necessidade de viagens, para analisar, por exemplo, se o encontro não pode ser feito por meios digitais", aconselha.
Para Hugo Garbe, a economia com viagens pode, inclusive, ter impacto na taxa básica de juros do país (Selic), que foi mantida em 13,75% pelo Banco Central na última quinta-feira (23). "Se o governo aumenta o gasto público, ele fomenta a inflação e, consequentemente, contribui para manter a taxa de juros alta. O governo deveria se preocupar em gastar menos, como vem criticando o Banco Central."
Veja o orçamento de órgãos federais para 2023:
• Ministério de Minas e Energia: R$ 2,8 bilhões
• Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços: R$ 2,5 bilhões
• Presidência da República: R$ 2,3 bilhões
• Controladoria-Geral da União: R$ 1,3 bilhão
• Ministério das Comunicações: R$ 1,6 bilhão
• Ministério do Esporte: R$ 937,3 milhões
• Ministério do Turismo: R$ 826,9 milhões
• Ministério dos Povos Indígenas: R$ 640,6 milhões
• Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania: R$ 576,4 milhões
• Ministério das Mulheres: R$ 117 milhões
• Ministério da Igualdade Racial: R$ 91,8 milhões
Gasto com viagens por ano (valores corrigidos):
• 2023 (até 27/3): R$ 242,7 milhões
• 2022: R$ 1,37 bilhão
• 2021: R$ 725,3 milhões
• 2020: R$ 559,4 milhões
• 2019: R$ 1,4 bilhão
• 2018: R$ 1,84 bilhão
• 2017: R$ 1,62 bilhão
• 2016: R$ 1,8 bilhão
• 2015: R$ 1,67 bilhão
• 2014: R$ 2,46 bilhões