O chamado arcabouço fiscal, que é a nova proposta do governo federal para controlar os gastos, significa um avanço para as contas públicas do país, na avaliação de economistas. O projeto foi apresentado nesta quinta-feira (30) pelo Ministério da Fazenda e precisa do aval do Congresso Nacional para entrar em vigor.
A medida vai servir, basicamente, para impor limites para a criação de novas despesas por parte do governo federal e impedir que o Executivo gaste mais do que pode e deixe o país no vermelho. Na opinião do presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, o programa é positivo.
“Trata-se de um passo importante e meritório, pois procura combinar as prioridades sociais do país com o necessário controle da expansão dos gastos públicos. Ainda que seja necessário conhecer e aprofundar seus detalhes, a proposta anunciada representa um avanço na busca da trajetória sustentável da dívida pública ao estabelecer limites para a expansão das despesas do setor público combinada com metas de resultado primário ambiciosas, com a previsão de zeragem do déficit primário já em 2024”, destacou.
De acordo com a proposta do governo, a meta de resultado primário, obtido a partir da diferença entre o que foi arrecadado e o que foi gasto pelo governo, passará a ser avaliada segundo uma margem de tolerância.
Para cada ano, o Executivo vai propor que o índice alcance determinado percentual do Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma dos bens e dos serviços produzidos no país. Para que o governo cumpra a meta, o resultado pode ser 0,25% inferior ou 0,25% superior ao valor definido inicialmente.
As metas de resultado primário do Executivo para os próximos anos são: 0% do PIB em 2024; superávit de 0,5% do PIB em 2025; e superávit de 1% do PIB em 2026. Segundo Sidney, as metas são “razoavelmente ambiciosas, mas críveis em sua execução”. “Com isso, ao longo dos próximos anos, poderemos até ter um recuo da dívida pública em relação ao PIB.”
Presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi disse que a nova regra fiscal é “criativa, flexível e simples” e “representa um avanço”. “Seu conceito é a combinação de restrição de despesas e geração de superávits, o que aumenta a perspectiva de menos pressão fiscal no futuro, abrindo espaço para a queda dos juros. O gradualismo também é um dos pilares de sua lógica, o que representa um aspecto elogiável por permitir uma execução tempestiva, sem turbulências.”
O economista Rafael Gabriel Pacheco, da Guide Investimentos, diz que “a regra tem um claro objetivo de garantir a estabilidade das contas públicas”. “Ela mira zerar o déficit para 2024 e gerar superávits a partir de 2025. Assim, os mercados por aqui devem continuar em tendência mais favorável, tudo mais constante."
O arcabouço fiscal estabelece um limite para as despesas públicas do governo, que será definido a partir do que ele conseguiu arrecadar no intervalo de um ano com impostos, taxas, contribuições e aluguéis, que são as chamadas receitas primárias.
De acordo com o projeto, o governo vai poder ampliar os gastos públicos em até 70% do que for registrado de crescimento da receita. Ou seja, se for constatado que o Executivo aumentou a arrecadação tributária em R$ 200 bilhões em um espaço de 12 meses, o máximo que ele vai poder gastar com novas despesas no ano seguinte são R$ 140 bilhões.
Mas não será sempre que o governo terá o direito de assumir novos gastos nesse patamar de 70%. Segundo as regras do arcabouço fiscal, mesmo diante de uma situação bastante positiva para a economia, o Executivo só poderá ampliar as despesas até um patamar que represente crescimento real, isto é, acima da inflação.
De acordo com o arcabouço, mesmo quando o governo federal não tiver saldo positivo, os gastos públicos deverão subir no mínimo 0,6%. Por outro lado, se a arrecadação exceder as expectativas do Executivo, as despesas poderão crescer até 2,5%.
Na opinião de Pacheco, “o piso para o crescimento dos gastos é um ponto preocupante, mas o teto atrelado às receitas passadas na prática permite um controle maior do resultado primário”.
Economista-chefe e sócio na Warren Brasil, Felipe Salto destaca que a nova regra fiscal é baseada em limitação dos gastos, mas com flexibilidade. “A vinculação ao desempenho das receitas, com limite máximo (de 2,5% real), dá peso grande ao lado da arrecadação na geração de resultados primários. A relação dívida/PIB melhora como consequência do anúncio.”
Apesar das avaliações positivas, há economistas que dizem que o projeto precisa ser aperfeiçoado. O economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, frisa que “a nova regra apresentada tem um nível de complexidade superior ao teto de gastos vigente, tornando mais difícil a avaliação dos cenários”.
“Nossa percepção é de que o governo, no anúncio da nova regra fiscal, não ‘contou toda a história’. Embora o ministro Fernando Haddad tenha falado em medidas para incrementar receitas com a correção de distorções no sistema tributário, não foram apresentados maiores detalhes, exceto uma previsão preliminar de um ganho de R$ 100 bilhões a R$ 150 bilhões. Assim, a regra apresentada não encerra a discussão sobre o orçamento dos próximos anos”, diz.
De acordo com ele, com as informações divulgadas até o momento, a regra fiscal por si só não garante a sustentabilidade nos próximos anos. “A manutenção de um limite de gastos é um ponto positivo, mas, diante do crescimento esperado das despesas nos próximos anos, só será possível atingir as metas de resultado primário se houver um incremento substancial nas receitas. Assim, entendemos que a nova regra fiscal explicitou a opção do governo por um ajuste com foco principal em aumento de receitas.”
Para a economista Zeina Latif, consultora econômica da Gibraltar, o governo se precipitou em divulgar o projeto do arcabouço e deixou em aberto a possibilidade de aumentar a cobrança de impostos para atingir os compromissos estabelecidos.
“Essa conta de usar 70% do crescimento da arrecadação só fecharia com um aumento muito forte da carga tributária ou reformas estruturantes para reduzir gastos obrigatórios. No momento, não vejo compatibilidade entre os compromissos de resultado primário com a regra de vincular despesas a 70% de crescimento da receita”, opina.