Populares nos pratos brasileiros, o cação — como é conhecida a carne de tubarão e de raia — e o atum, apesar de saborosos, podem conter metais pesados acima do nível recomendado e devem ser consumidos com moderação.
O tubarão e o atum são predadores classificados como topo de cadeia, ou seja, estão nos níveis mais altos da cadeia alimentar. Isso significa que eles se alimentam de outros peixes, que já comeram peixes menores, e assim sucessivamente.
"Tem toda essa questão da cadeia ecológica, em que um vai se alimentando do outro, só que como o tubarão está no topo, ele vai acumulando todos esses poluentes, esses metais pesados, que já passaram por toda a cadeia. Nós os chamamos de bioacumuladores [porque], literalmente, acumulam todos esses metais pesados que já passaram pelo corpo dos animais que eles ingeriram", explica Amanda Gomes, doutoranda em oceanografia e integrante do canal Zoomundo no YouTube.
O ambiente também favorece esse acúmulo, já que os mares e rios estão cada vez mais poluídos com dejetos e metais pesados.
Essa situação se torna danosa ao ser humano por um motivo: também somos bioacumuladores.
"Alguns tubarões acumulam mais metais pesados do que os atuns, pois se alimentam de um número maior de presas, e presas grandes, como focas, que também se alimentam de peixes. Então o acúmulo de metais pesados vai se somando", relata Amanda.
E acrescenta: "Se uma pessoa vai se alimentar de muitos animais marinhos ou, principalmente, de cação, vamos acumulando isso no nosso corpo também."
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), por meio da resolução nº 42, de 29 de agosto de 2013, define o limite de contaminantes que podem ser encontrados nesses alimentos.
Alguns exemplos deles, são:
• Arsênio: 1 mg/kg
• Chumbo: 0,30 mg/kg
• Cádmio: 0,05 mg/kg
• Mercúrio: peixes predadores 1 mg/kg ou peixe 0,5 mg/kg
Porém, um estudo divulgado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), em setembro de 2022, descobriu que as raias do litoral fluminense (Rio de Janeiro) tinham altos níveis de arsênio.
Em 20 raias-manteiga os cientistas encontraram, em média, 15 mg/kg. Uma das amostras chegou a apresentar 79 mg/kg — quase 80 vezes acima do limite permitido.
Em 2014, pesquisadores já haviam analisado amostras do tecido muscular de 27 tubarões azuis capturados no oceano Atlântico (costa sul e sudeste do Brasil) e constataram que as concentrações de mercúrio variavam de 0,44 a 2,37 mg/kg.
Os prejuizos à saúde se dão quando há consumo em excesso dessas carnes contaminadas.
"Especificamente o acúmulo do mercúrio no nosso corpo pode causar danos, por exemplo, neurológicos: problema de raciocínio, de memória, tremores, dor de cabeça e pode [até] fazer o rim parar. Pode, dependendo da forma como acontece, dar até acometimento pulmonar", diz a infectologista Mirian Dal Ben, do Hospital Sírio-Libanês.
Em razão disso, é uma recomendação da OMS (Organização Mundial da Saúde) que a carne de cação, por exemplo, não faça parte do cardápio de grávidas, lactantes e crianças (até 12 anos).
"É uma fase muito crucial de desenvolvimento do sistema nervoso, em que os metais pesados podem agir e causar algum dano", complementa Amanda.
Para a população em geral, essas carnes não precisam ser totalmente descartadas, mas devem aparecer com menos frequência nos pratos.
"É uma fonte de alimentação extremamente importante. Sabemos que idealmente uma dieta saudável deve ter peixe, pelo menos, duas ou três vezes na semana, para você conseguir ter fontes de ômega 3 e uma série de nutrientes, que estão presentes nesse tipo de alimento", esclarece Mirian.
Outra opção é escolher aqueles peixes menos bioacumuladores, ou seja, que estão fora do topo da pirâmide alimentar. Dois bons exemplos são o salmão e a tilápia.
Para Amanda e Mirian, uma forma de evitar que a carne de cação e o atum seja vendida com grandes proporções de metais pesados é ter uma legislação e vigilância mais rigorosas.
"Precisaria, primeiro, ter uma legislação de acesso à informação, para realmente sabermos a procedência, de onde veio e o que é aquilo. E depois, de repente, a Anvisa [pode] certificar as empresas que estão distribuindo [essas carnes] e exigir que se façam essas medidas de quantidade", diz a doutoranda.