Se a nova regra fiscal brasileira fosse feita pelo algoritmo do ChatGPT, os agentes econômicos teriam dificuldade para entender as diretrizes propostas pelo robô. O R7 constatou isso ao pedir para o programa elaborar um projeto para ser analisado pelo Congresso Nacional, a partir do plano do governo federal, apresentado em 30 de março.
Após a construção do texto feita pela inteligência artificial, o R7 enviou o resultado a cinco especialistas — um cientista político, dois economistas, um advogado tributarista e um professor de direito constitucional. Confira, ao fim do texto, o que a reportagem pediu ao robô e o retorno.
O ChatGPT é um modelo de linguagem de conversas instantâneas criado pelo laboratório de pesqusia Open AI, dos Estados Unidos.
Fora do mundo virtual, a proposta que vai substituir o atual teto de gastos precisa ser aprovada pelo Legislativo para entrar em vigor. O Executivo deve enviar o programa aos parlamentares na próxima semana.
Em linhas gerais, os estudiosos avaliam que o texto escrito pela inteligência artificial pode até fazer sentido, mas é genérico e superficial. Além do caráter vago do projeto, o cientista político André Pereira César, especialista em procedimentos legislativos, aponta que o ChatGPT não apresentou a ementa do texto, requisito básico para protocolar uma proposta no Legislativo.
"Regimentalmente, tem de ter ementa, não importa qual é o formato, se é medida provisória, proposta de emenda à Constituição, projeto de lei ordinário ou complementar. Tem de ter ementa. É uma condição básica. Mas isso até é uma questão menor, na minha avaliação. Seria um ajuste rápido de ser feito", pondera o cientista político.
O Executivo deve apresentar as novas regras fiscais ao Congresso em formato diferente daquele proposto pelo ChatGPT, conforme explica André César. O robô elaborou um projeto de lei ordinária. "O governo federal, a meu ver, deve enviar um projeto de lei complementar. Pensou-se em um projeto de lei, em medida provisória e em proposta de emenda à Constituição, mas a discussão está se encaminhando para ser, de fato, um projeto de lei complementar. Nesse caso, o quórum é qualificado e elevado, o que dá mais segurança jurídica", afirma.
Advogado e professor de direito constitucional, Antonio Carlos de Freitas Júnior destaca a falta de objetividade no projeto do ChatGPT. "As proposituras são muito genéricas. Apesar de o robô ter modificado o equilíbrio de contas e focado na variação da receita corrente líquida, a proposta não tem sistema sancionatório, nem sistemas refinados de transição e de adequação", critica.
O economista Hugo Garbe contesta um dos artigos escritos pelo robô e registra que a construção do algoritmo só faz sentido porque o R7, ao fazer o pedido, apresentou os pontos necessários. "O artigo 9º não faz muito sentido. O arcabouço não tem como objetivo primário conter a inflação, mas, sim, limitar os gastos públicos. A redução da inflação é uma consequência. De forma geral, o robô trouxe elementos certos para o tema, uma vez que, na pergunta, já foram dados os elementos mais importantes para a construção da proposta", destaca.
O também economista César Bergo aponta o mesmo impasse. Bergo ainda questiona o fato de o robô não ter incluído critérios que foram pedidos, como a recuperação do grau de investimento. "É interessante, parece que o chat não acredita nessa recuperação, porque não colocou na proposta dele."
O especialista, que é professor de mercado financeiro e investimentos na Universidade de Brasília (UnB), argumenta ainda que a inteligência artificial não explicou como os objetivos serão alcançados.
Para o advogado tributarista Leonardo Roesler, também falta clareza no projeto construído pelo ChatGPT. Segundo o jurista, o robô usou os tópicos da apresentação do governo federal sobre as regras fiscais e, por isso, a proposta faz sentido. É, contudo, rasa e sem critérios objetivos.
Embora a proposta mencione um piso mínimo para investimentos públicos, não foram fornecidos detalhes específicos sobre como esse piso será implementado. Faltou estabelecer porcentagens específicas do PIB ou da receita pública a serem destinados a investimentos em infraestrutura, saúde, educação e outras áreas prioritárias.
Roesler destaca também que a inteligência artificial não descreveu processos de monitoramento e avaliação periódica de eficácia. A falta desses mecanismos impede, de acordo com o especialista, ajustes e atualizações. É como se a proposta do robô fosse engessada, incapaz de ser aperfeiçoada com o passar do tempo.
"Falta estabelecer mecanismos de transparência e prestação de contas na gestão fiscal, incluindo a divulgação regular de relatórios detalhados sobre o desempenho das metas fiscais, as medidas adotadas para cumprir essas metas e as perspectivas futuras para as contas públicas", completa o advogado.
Escreva um projeto para ser a nova regra fiscal do país. A proposta deve ser analisada e aprovada pelo Congresso Nacional. Use, como parâmetros, os seguintes pontos: menos inflação, mais estímulo ao investimento privado, menos juros na dívida pública, atração de investimentos internacionais, recuperação do grau de investimento, mais previsibilidade e estabilidade e recuperação do grau de investimento. O atual teto de gastos passa a ter banda com crescimento real da despesa primária entre 0,6% a 2,5% a.a. (mecanismo anticíclico), com Fundeb e piso da enfermagem excluídos dos limites (regras constitucionais já existentes). O crescimento anual dentro da faixa de crescimento da despesa está limitado a 70% da variação da receita primária dos últimos 12 meses. O resultado primário acima do teto da banda permite a utilização do excedente para investimentos. Se os esforços do governo de aumento de receitas e redução de despesas resultarem em primário abaixo da banda, obriga redução do crescimento de despesas para 50% do crescimento da receita no exercício seguinte. Os investimentos possuem piso. O incremento da despesa e o resultado primário estão ancorados no incremento de receitas. Há compromisso de trajetória de primário até 2026, com meta e banda de variação tolerável.
PROJETO DE LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
Artigo 1º - Esta lei estabelece as normas de responsabilidade fiscal para as contas públicas do país, com o objetivo de assegurar a estabilidade e o equilíbrio fiscal, bem como promover o desenvolvimento econômico sustentável.
Artigo 2º - O aumento da despesa pública deverá estar ancorado no incremento das receitas públicas, de modo a garantir o resultado primário positivo.
Artigo 3º - Fica estabelecido o compromisso de trajetória de resultado primário até o ano de 2026, com meta e banda de variação tolerável, de acordo com o quadro macroeconômico estabelecido pelo Governo Federal.
Artigo 4º - O atual teto de gastos passa a ter banda com crescimento real da despesa primária entre 0,6% a 2,5% a.a., com FUNDEB e piso da enfermagem excluídos dos limites, em conformidade com as regras constitucionais já existentes.
Artigo 5º - O crescimento anual dentro da faixa de crescimento da despesa fica limitado a 70% da variação da receita primária dos últimos 12 meses.
Artigo 6º - O resultado primário acima do teto da banda permite a utilização do excedente para investimentos em áreas prioritárias, visando à promoção do desenvolvimento econômico e social.
Artigo 7º - Caso os esforços do Governo de aumento de receitas e redução de despesas resultarem em primário abaixo da banda estabelecida, será obrigatória a redução do crescimento de despesas para 50% do crescimento da receita no exercício seguinte.
Artigo 8º - Os investimentos públicos terão um piso mínimo, visando à garantia de recursos para a manutenção e ampliação da infraestrutura e para o desenvolvimento de políticas sociais.
Artigo 9º - Esta lei busca a redução da inflação e o estímulo ao investimento privado, com o objetivo de reduzir os juros da dívida pública e atrair investimentos internacionais para o país.
Artigo 10º - A previsibilidade e a estabilidade das contas públicas são fundamentais para a recuperação do grau de investimento do país, bem como para o desenvolvimento econômico sustentável.
Artigo 11º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
JUSTIFICATIVA
A presente proposta de lei tem por objetivo estabelecer normas de responsabilidade fiscal para as contas públicas do país, visando à garantia da estabilidade e do equilíbrio fiscal, bem como ao estímulo ao desenvolvimento econômico sustentável.
A medida busca ancorar o aumento da despesa pública no incremento das receitas públicas, garantindo o resultado primário positivo. Além disso, estabelece um compromisso de trajetória de resultado primário até o ano de 2026, com meta e banda de variação tolerável, de acordo com o quadro macroeconômico estabelecido pelo Governo Federal.