A Associação da Cruz Vermelha Nicaraguense será administrada pela ditadura de Daniel Ortega e seu patrimônio e bens, 65 anos após a sua criação na Nicarágua, passarão para as mãos do Estado, segundo uma iniciativa aprovada nesta quarta-feira pela Assembleia Nacional (Parlamento).
A iniciativa foi aprovada em caráter de urgência pelos deputados sandinistas e seus aliados, que acusaram a Cruz Vermelha nicaraguense de ter agido contra seus princípios no contexto das manifestações contra o governo, nas quais se exigia a renúncia do presidente do país. Os protestos eclodiram há cinco anos e deixaram centenas de mortos.
"Nos atos ocorridos em 2018, que ameaçaram a paz e a estabilidade da nação, algumas filiais desta Associação (da Cruz Vermelha Nicaraguense) agiram contra esses princípios", de humanidade, imparcialidade e neutralidade, "e contra a sua Ata Constitutiva e Estatutos", justificaram os deputados sandinistas.
E a própria Associação da Cruz Vermelha Nicaraguense "transgrediu as leis do país ao ignorar e até apoiar as ações dos seus afiliados", acrescentaram.
Os parlamentares governistas e seus aliados concordaram em revogar o decreto legislativo de 29 de outubro de 1958, através do qual foi criada a Cruz Vermelha nicaraguense.
Também foi aprovada a criação de uma nova "Cruz Vermelha nicaraguense como entidade autônoma, descentralizada, com personalidade jurídica, patrimônio próprio, duração indefinida e plena capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações, que será a sucessora legal e sem interrupção da Associação da Cruz Vermelha Nicaraguense", fundada em 1958.
"A Cruz Vermelha nicaraguense é uma entidade descentralizada ligada ao Ministério da Saúde, que continuará a cumprir o quadro jurídico internacional baseado nas Convenções de Genebra de 1949 e nos seus protocolos adicionais, dos quais a Nicarágua é Estado parte", de acordo com a iniciativa aprovada.
A lei determina que "todo o patrimônio, bens e ações que até o momento pertencem à Associação nacional denominada Cruz Vermelha Nicaraguense passarão a ser propriedade do Estado e serão administrados pela Cruz Vermelha nicaraguense, entidade descentralizada ligada ao Ministério da Saúde".
A Cruz Vermelha nicaraguense, que é regida pelos princípios do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, e que tem edifícios, propriedades e veículos nos diferentes municípios da Nicarágua, ainda não se pronunciou sobre esta lei.
Em abril de 2018, milhares de nicaraguenses saíram às ruas para protestar contra as controversas reformas da seguridade social, que posteriormente se transformaram em um pedido de renúncia de Ortega, depois de ele ter respondido com força.
Os protestos deixaram pelo menos 355 mortos, segundo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), embora as organizações nicaraguenses apontem 684, enquanto Ortega reconhece que foram "mais de 300" e afirma que a manifestação foi uma tentativa de golpe de Estado.
A Nicarágua atravessa uma crise política e social desde abril de 2018, que se acentuou após as polêmicas eleições gerais de 7 de novembro de 2021, nas quais Ortega foi reeleito para um quinto mandato, o quarto consecutivo e o segundo com sua mulher, Rosario Murillo, como vice-presidente, com os principais concorrentes na prisão.