Os ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Indígenas prometem reagir diante da medida provisória que trata da reestruturação de órgãos da Presidência da República e que esvazia os poderes e transfere instrumentos internos de ambas as pastas. A votação do texto, que tem como relator o deputado federal Isnaldo Bulhões (MDB-AL), está prevista para ocorrer nesta quarta-feira (24) no Congresso Nacional. As sugestões de mudanças foram apresentadas nesta terça (23), mas houve divergências entre os parlamentares. A medida, originalmente editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vence em 1º de junho.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que está trabalhando para manter as atuais competências da pasta.
Qualquer tentativa de desmontar o sistema nacional de meio ambiente brasileiro é um desserviço à sociedade brasileira e ao estado brasileiro. Isso pode criar gravíssimos prejuízos aos interesses econômicos, sociais e ambientais de nosso país.
"Questionar a criação de um órgão federal cujas pautas são, exclusivamente, as demandas indígenas, numa pasta gerida por lideranças indígenas que, verdadeiramente, conhecem a história dos seus povos e sentem na pele a vulnerabilidade todos os dias, é um registro de como os povos originários seguem sendo vítimas de todo tipo de violência, desde a física ao apagamento social e cultural, como é o sugerido por estas emendas."
Na tramitação do texto, o relator esvaziou o poder de Marina Silva ao propor a retirada do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Ministério de Meio Ambiente e passá-lo para Gestão e Inovação em Serviços Públicos. O CAR é um instrumento que garante segurança jurídica aos proprietários de imóveis rurais. Pela lei, o cadastro é pré-condição para o ingresso de regularização ambiental e dele dependerá, no futuro, o acesso ao crédito rural.
Artigo publicado por pesquisadores do Insper mostra que, até o primeiro semestre de 2022, foram cadastrados mais de 6,5 milhões de imóveis rurais. No conjunto, os estados iniciaram a análise de cerca de 23% dos CARs, totalizando 37% da área cadastrada. No entanto, somente concluíram a validade de 0,4%, o que representa apenas 2% da área cadastrada.
Bulhões apresentou ainda outras alterações na pasta chefiada por Marina Silva. Uma delas é tirar a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e colocá-la sob o Ministério de Integração e do Desenvolvimento Regional, comandado por Waldez Góes. Outra alteração é a transferência da competência relativa à política nacional dos recursos hídricos.
"Dada a transversalidade temática, consideramos mais condizente com o interesse público que tal competência seja exercida pelo Ministério da Integração, pois se trata de uma agenda indissociável de suas competências, especialmente, considerando as obras estruturantes e respectiva atuação na agenda hídrica", apresenta o relatório.
Outra mudança sugerida por Bulhões em seu texto é a transferência da responsabilidade da demarcação de terras (hoje no Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por Sônia Guajajara) para o Ministério da Justiça, de Flávio Dino. A medida é de competência exclusiva do Executivo, que identifica e sinaliza os limites do território tradicionalmente ocupado por indígenas.
Em abril deste ano, Lula afirmou que quer terminar seu mandato presidencial com todas as terras indígenas do país demarcadas. Reportagem do R7 mostrou que a Casa Civil, de Rui Costa, tem em suas mãos oito processos de homologação de terras indígenas. As áreas estão distribuídas pelos seguintes estados: Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Mato Grosso, Paraíba, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Diversas entidades têm feito pressão para que os congressistas não modifiquem a estrutura do CAR. Em comunicado divulgado na semana passada, enquanto as discussões eram de transferir o cadastro para o Ministério da Agricultura, e não para Gestão, as organizações disseram que a medida pode trazer insegurança jurídica, com reforço da dinâmica de sucessivos adiamentos para a implementação de parte importante do Código Florestal e restrições à plena autonomia dos órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental.
"O resultado será maior dificuldade para prevenir e combater o desmatamento, redução da agilidade dos órgãos ambientais, entraves para realizar autuações remotas e rastreamento de cadeias produtivas e, portanto, lentidão para reverter o quadro herdado do governo anterior de cupinização da política ambiental e sua governança", dizem 118 organizações. "Ganham os desmatadores e o crime ambiental. Perdem a floresta, seus povos e todo o país", completam.