A Defensoria Pública da União (DPU) apresentou ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), uma nota técnica pedindo a rejeição integral do projeto de lei (PL) do marco temporal. O projeto defende a tese de que os povos indígenas só possam reivindicar as terras que foram ocupadas por eles antes de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
O texto tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados e deve ser votado no plenário nesta terça-feira (30), sob pressão da bancada ruralista e com apoio de Arthur Lira. A estratégia dos parlamentares ligados ao agronegócio é aprovar o marco temporal antes do julgamento sobre o tema no Supremo Tribunal Federal (STF), em 7 de junho.
Para a DPU, a aprovação do projeto de lei "representaria grave violação de direitos humanos, contrariaria os deveres do Estado brasileiro explícitos na Convenção da ONU sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio e, também, afrontaria precedentes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos”.
A nota técnica também alega que a tese do marco temporal despreza o caráter originário dos direitos territoriais indígenas atualmente reconhecidos pela Constituição. “Seria um contrassenso admitir que o mesmo texto constitucional tivesse estabelecido qualquer marco temporal para o reconhecimento das terras indígenas”, destacam os defensores na nota.
É por isso que, segundo os defensores públicos, a atual Constituição não pode ser utilizada como referência para a ocupação indígena, que tem parâmetros diferentes dos requisitos da posse do direito civil.
"O que se sabe é que o território – quando transformado em terra – é o espaço físico necessário para que determinada sociedade indígena desenvolva suas relações sociais, políticas e econômicas, segundo suas próprias bases culturais. É o elo subjetivo dos povos indígenas com seu território tradicional que permite serem quem eles são e, dessa feita, o espaço tem verdadeiro valor para assegurar a sobrevivência física e cultural, sendo por isso de vital importância para a execução dos seus direitos fundamentais".
Ao argumentar contra o PL, a bancada ambientalista ressalta que a história dos povos indígenas é anterior a 1988. Além disso, afirma que a demarcação dos territórios tradicionais garante a preservação das florestas.
"Temos urgência em enterrar o marco temporal. Nós, povos indígenas, somos chamados de não civilizados, mas esse PL é um projeto de lei anticivilizatório do Brasil. O que o Parlamento está fazendo é um genocídio legislado", afirmou a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG).
A parlamentar também chama a atenção para o fato de que o texto do PL flexibiliza o contato com povos isolados e estabelece exploração hídrica, expansão da malha viária, exploração de alternativas energéticas, garimpeiras e mineradoras, independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente. "A caneta tem assassinado os nossos direitos. Não se trata de uma pauta partidária, mas humanitária", afirmou.
A bancada ruralista afirma que o marco temporal vai dar segurança jurídica aos produtores rurais. "Essa insegurança que estamos vivendo está impedindo novos investimentos no agronegócio brasileiro. Através do PL 490, vamos trazer luz à lei e garantir a segurança jurídica e paz no campo", afirma o deputado Evair de Melo (PP-ES).
Para o deputado Zé Trovão (PL-SC), autor do requerimento de urgência, a proposta vai diminuir os conflitos no campo. "É um projeto audacioso, que acabaria com a guerra entre os indígenas e os produtores, e faz justiça àqueles que produzem e levam sustento."
O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), afirma que o PL não tem cunho ideológico, mas é uma garantia técnica ao direito de propriedade. "Estamos falando de áreas urbanas, de municípios que deixariam de existir, caso não haja um marco temporal para se tornar pertencente à terra. É um risco para a soberania do país, e temos ponderado isso", disse.
O texto foi originalmente proposto em 2007 pelo então deputado Homero Pereira (PP-MT), um dos fundadores da bancada ruralista na Câmara e articulador do novo Código Florestal, que anistiou todas as multas aplicadas por desmatamento até 2008.
Na época, o PL foi discutido e aprovado na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) em 2008. No entanto, no ano seguinte, foi rejeitado na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHM), porque o colegiado entendeu que, caso aprovado, o projeto iria inviabilizar a demarcação de terras indígenas.