O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, garante que não passa pela cabeça dele a ideia de ser indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano. Em outubro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai precisar escolher alguém para substituir Rosa Weber, e por mais que o nome de Dino seja colocado como opção, o ministro diz que não pensa nisso agora.
“Em primeiro lugar, não existe candidatura a ministro do Supremo. Em segundo lugar, não existe campanha para ministro do Supremo. Em terceiro lugar, é uma escolha pessoal do presidente da República. Em quarto lugar, eu sou auxiliar dele e, por isso, jamais colocaria qualquer tema que seja incômodo ou constrangedor. Em quinto, ele nunca falou sobre o assunto comigo, nem eu com ele. E em sexto, e finalmente, eu sou uma pessoa muito prática. Eu não coloco problemas que não existem. Então, eu nunca pensei nisso”, afirmou Dino em entrevista exclusiva ao R7.
O ministro, no entanto, não descartou totalmente a possibilidade de compor o STF. “Se um dia, talvez, daqui a um ano, daqui a dois, daqui a três, daqui a cinco, sei lá. Aí é uma outra situação que se coloca. E aí, se essa bifurcação existencial aparecer, aí eu vou parar para pensar nela. Eu tenho 55 anos. Até os 65 anos eu posso ser nomeado. Ainda tem dez pela frente”, comentou.
Durante a conversa com a reportagem, o ministro falou sobre os atos do 8 de janeiro, que completaram seis meses no último sábado (8), e disse acreditar em conivência por parte de alguns membros de instituições públicas. Dino ainda abordou as recentes alterações na segurança do presidente Lula, que vai ser compartilhada entre o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Polícia Federal, e pediu "paciência" aos policiais federais.
O ministro destacou que Lula deve publicar nas próximas semanas um decreto com novas regras sobre armas de fogo. O documento vai limitar a quantidade de armas a que têm direito os chamados CACs (colecionadores, atiradores desportivos e caçadores) e ampliar os poderes da Polícia Federal e de polícias estaduais no serviço de fiscalização.
Além disso, Dino comentou que espera um empenho por parte do Congresso Nacional neste segundo semestre para votar o PL das Fake News. Segundo ele, as plataformas precisam fechar o cerco contra perfis e páginas que propagam informações falsas ou que estimulam crimes. Dino acrescentou que é necessário regular o funcionamento de ferramentas de inteligência artificial. O ministro destacou, também, que vai tentar, ainda este ano, garantir a aprovação de projetos para reestruturar as carreiras de forças de segurança.
Os atos de janeiro completaram seis meses. Qual é o sentimento do senhor passado esse tempo?
Sensação de indignação muito forte, porque evidentemente é algo indesejável, algo muito nocivo ao país. Ao mesmo tempo, há uma ideia de trabalho cumprido, de dever cumprido. É nesses sentimentos que eu me divido. Por um lado, gostaria muito que não tivesse ocorrido. Por outro lado, o fato de ter ocorrido exigiu um esforço grande nosso, no governo, na sociedade, nos outros Poderes, de defender a democracia.
Quando as imagens do circuito de segurança do Palácio do Planalto foram divulgadas, nós vimos o senhor bastante irritado. Aquela reação foi por saber que mesmo com os alertas que a Polícia Federal e o ministério fizeram, os atos não foram impedidos?
Havia uma distância entre o que foi planejado e o que foi executado. Houve espanto, indignação e ação para reverter o quadro que foi estabelecido com o ataque às sedes dos Três Poderes. A Força Nacional foi posta à disposição do Governo do Distrito Federal como uma espécie de cautela. Infelizmente, eu só recebi a resposta quanto a isso na noite do domingo. E houve, portanto, essa dificuldade de atuação da Força Nacional, que foi superada no momento da intervenção federal.
O senhor acredita em conivência por parte das forças de segurança?
Eu não gosto de dizer que a instituição, mas eu não tenho nenhuma dúvida, nenhum receio de dizer que pessoas de todo o sistema de segurança estavam, de algum modo, simpáticas, apoiando ou participando dessa vil tentativa de golpe de Estado.
O senhor pode nomear essas pessoas?
Eu acho que os fatos vão se revelando na medida em que as investigações vão evoluindo. Eu creio que não é muito o meu papel institucional antecipar decisões do Poder Judiciário.
Logo após o 8 de janeiro, o senhor anunciou um pacote de medidas para “preservar a democracia“, com quatro propostas para combater esse tipo de episódio. Mas até agora esse pacote não foi apresentado. Qual é a situação dele?
Eram quatro projetos. O primeiro nós resolvemos apensar ao projeto de lei 2630 [PL das Fake News], que já tramitava no Congresso. Infelizmente, não foi possível votar na Câmara. Espero que no segundo semestre, com a conclusão dessa pauta econômica, seja possível retomar o PL 2630. Nós temos dois projetos mais resumidos, mais sintéticos, que mudam aspectos do Código Processo Penal e do Código Penal. Esses estão em fase bem adiantada e acho que, nas próximas semanas, o presidente deve enviar ao Congresso.
E nós temos um quarto, que está mais atrasado, que é o relativo à criação da Guarda Nacional, porque ele é mais polêmico. Eu tenho convicção de que o melhor modelo é você ter uma maior presença federal na segurança da capital do país. Hoje, nós temos uma espécie de terceirização.
A minha proposta é que, em vez de o governo federal terceirizar para a polícia do Distrito Federal — que vai continuar atuando no conjunto do território distrital —, no que se refere a essa zona de segurança nacional, zona de interesse nacional, indo [do Palácio] da Alvorada até os tribunais superiores e a Esplanada, você teria uma proteção própria da esfera federal. Me parece que é um modelo mais justo.
Mesmo sendo polêmico, o senhor promete lutar até o fim para que essa Guarda Nacional seja criada?
Continuo batalhando, mas sempre compreendendo que é preciso no regime democrático ter paciência, porque não são decisões individuais. É uma tessitura. Você precisa, de fato, construir uma rede de apoio às suas ideias. Hoje, você tem uma lacuna. Você tem as Forças Armadas para guerra externa, você tem a Polícia Federal, que é uma polícia judiciária, e você tem a Polícia Rodoviária Federal, que é a polícia que faz policiamento ostensivo nas rodovias. Então, nós temos uma lacuna. Há um lugar que é o policiamento ostensivo federal, que hoje não tem nenhuma força apta a fazer de modo universal.
Sobre o PL das Fake News, como o senhor avalia o movimento das big techs contra a proposta?
A ideia de regulação é inerente à natureza humana. Nenhuma atividade econômica ou atividade social é inteiramente desregulada. Todo mundo tem uma regulação jurídica. Agora, por que só as plataformas não teriam? Ou teriam uma regulação muito fraca, considerando a gravidade das condutas? As big techs no mundo inteiro se insurgem contra isso porque, a bem da verdade, uma atuação desregrada aumenta os lucros dessas empresas.
Nós já temos outros desafios que a evolução tecnológica vai colocando com muita intensidade. Por exemplo, a inteligência artificial, de um modo geral, não haverá fronteiras éticas para isso? Será possível, por exemplo, a uma empresa ressuscitar pessoas ao seu alvedrio, à sua livre vontade, ou haverá regras para isso? Será possível imitar ilimitadamente as vozes humanas, usar as imagens das pessoas para auferir lucro, habitualmente ou para disputa política? A inteligência artificial vai dominar, de fato, as relações humanas e as relações comerciais de um modo geral? Não há limite para isso?
O governo tem um plano B caso o Congresso não aprove o PL? Está em cogitação alguma medida que não precise do crivo do parlamento para que haja a regulação das redes?
Nós estamos atuando em três frentes. A primeira, o diálogo. Continuamos conversando com as empresas, mostrando a necessidade de aperfeiçoar protocolos, procedimentos e temos obtido êxito.
O segundo ponto é a atuação do próprio ministério com seus próprios instrumentos, sobretudo a Secretaria Nacional do Consumidor e aplicação do Código de Defesa do Consumidor. E o terceiro eixo é esse que depende do Congresso. Um quarto são os processos que estão no Supremo. São quatro eixos de atuação e eles são concomitantes, são complementares. Eles não se excluem mutuamente e você vai avançando onde é possível avançar.
O desejável, o ideal é que haja uma lei brasileira, que aperfeiçoe o chamado marco civil da internet, atualize. Mas enquanto isso não vem, você tem essa atuação administrativa e, eventualmente, até decisões judiciais que podem ajudar também nessa ideia de haver marcos civilizacionais.
Todas as big techs estão contribuindo, ou alguma está sendo mais resistente?
Uns [estão ajudando] mais, outros menos. Mas a deusa da Justiça tem em uma mão a balança e na outra, a espada. Isso é uma simbologia milenar. A gente usa a balança, que é a ponderação, o equilíbrio e o diálogo, e às vezes diz: ‘Olha, mas há a espada’. Nós não queremos usar a espada, ou seja, a força legítima que o Estado possui. Mesmo os mais reticentes, mesmo os mais resistentes, hoje estão conversando conosco. Isso é muito bom.
Nas últimas semanas, a segurança do presidente Lula passou por mudanças. A Polícia Federal, que estava à frente desde o início do ano, agora vai compartilhar com o GSI. Como vai funcionar isso?
Eu sempre considerei, a partir da minha própria experiência como governador de estado, que esse é um tema, sobretudo, a ser arbitrado pelas pessoas protegidas. São poucas pessoas. O presidente e sua família, o vice-presidente e sua família. Nós estamos falando de menos de duas dezenas de pessoas. Eu acho que essa compatibilização é o melhor caminho. Acho que é o certo e é possível. Somos todos servidores públicos civis ou militares. Então, é preciso ter calma e tranquilidade que tudo se ajeita.
O senhor não acha que isso vai causar um mal-estar com a Polícia Federal? A classe chegou a dizer que não iria aceitar ficar subordinada ao GSI.
Nas nossas casas, a gente tem gostos e vontades que não são atendidos, e nem por isso você rompe a sua unidade familiar. Ninguém vai ter todos os seus desejos atendidos. Nas instituições, é do mesmo modo. Nem sempre você consegue que o projeto de determinada instituição seja atendido. Então, há sim divergências, mas eu acredito que é preciso ter calma, tranquilidade.
Desde o início do ano, a gente viu um movimento dentro do governo de retirar do GSI servidores que atuaram no governo anterior. Nos últimos anos, as forças de segurança acabaram sendo vinculadas à imagem do ex-presidente Jair Bolsonaro. Houve algum processo por parte do ministério em fazer a mesma coisa que o GSI?
Nós nunca perguntamos, nunca fizemos filtro político-partidário dentro da polícia. Agora o que eu exigi, exijo e exigirei, é o cumprimento da lei. Se você se adequa a uma cultura institucional legalista, que é o que nós queremos, muito bem, você é bem-vindo e você vai participar e não vai haver exclusão de nenhum tipo. O que havia era uma contaminação, uma ideologização indevida. E isso fez muito mal às forças de segurança, fez muito mal às Forças Armadas. Isso não pode acontecer. É uma cultura institucional que você vai reconstruir. Destruir é rápido. Construir demora tempo.
Ministro, eu gostaria de citar o caso específico do Anderson Torres, ex-ministro de Bolsonaro que chegou a ser preso por suspeita de omissão no 8 de janeiro e que agora responde a um processo administrativo na Polícia Federal. O que vai acontecer com ele?
O processo administrativo está ocorrendo não só em relação a ele, mas também em relação a outros policiais federais, assim como também há processos na Polícia Rodoviária Federal. E eu sou a autoridade decisória final. Eu não posso decidir antes da hora, antecipar decisões e decidir sem olhar os processos. Esses processos aqui chegarão em algum momento. O que eu posso afirmar é que haverá julgamentos justos, nunca julgamentos afastados das provas constantes dos autos. Porque eu tenho biografia, eu tenho trajetória profissional e não sou aqui um militante político-partidário. Eu estou aqui pra cumprir a lei. Vamos aguardar o término dos processos administrativos.
Uma pauta importante para a Polícia Federal é a reestruturação das carreiras. Ela vai sair do papel?
A segurança pública precisa muito de recursos humanos qualificados, motivados, adequadamente valorizados. Nós fazemos isso em relação a todas as polícias. Propus a regulamentação de nova carreira de policial penal federal, que está hoje no Ministério da Gestao, e propus também três projetos de reestruturação, além da polícia penal, um da Polícia Federal, outro da Polícia Rodoviária Federal e outro do próprio quadro funcional do Ministério da Justiça. Então esses projetos todos estão andando. A nossa parte foi feita no sentido de elaborar esses projetos de leis. Eu acho que ao longo desse ano a gente vai encontrar alguma decisão para esses temas.
Sobre a relação do senhor com a oposição no Congresso Nacional, há muitas críticas pelo fato de a pasta ter enviado apenas um projeto de lei desde o início do ano. O senhor pretende mandar mais projetos no segundo semestre?
Nós não temos o objetivo de mandar muitos projetos de lei, e eu até expliquei isso ao Senado. Há concepções. Alguns, para fingir que estão fazendo alguma coisa, mandam um monte de projetos de lei. Não é o meu caso. Aqui, precisa de gestão. Gestão é o que eu tenho feito. Para você ter uma ideia, quando nós chegamos, nós tínhamos mais de R$ 3 bilhões parados no Ministério da Justiça. Então, qual é o meu foco? Fazer projetos de lei ou colocar o dinheiro para ser efetivamente aplicado, dinheiro que estava parado aqui? É claro que é fazer com que o dinheiro chegue nos estados, se transformem em viaturas, se transformem em armamentos.
O novo decreto de armas em elaboração pelo governo vai fazer com que o país volte ao patamar de antes dos atos assinados por Bolsonaro?
A proposta é basicamente essa: voltar a um regime jurídico anterior à destruição, à desestruturação que foi feita ao longo do período do Bolsonaro. Nós já fizemos essa proposta e está com o presidente da República, e acredito que isso [publicação do decreto] deve ocorrer nas próximas semanas, limitando o acesso à arma, limitando acesso a munições, para que as armas estejam em mãos certas.
Não é que nós vamos impedir as pessoas de terem acesso a armas, não é isso. Mas ter um mercado que seja estruturado em bases racionais e que isto dê cumprimento a decisões do Supremo. O que o Bolsonaro fez é absolutamente inconstitucional, ilegal, disse o Supremo.
O nome do senhor é colocado como um dos favorito para ser indicado ao STF. O senhor pensa nisso? O senhor gostaria de ser nomeado pelo presidente?
A velhice ensina muito. Eu tenho 55 anos, 33 anos de carreira profissional. Atuei nos três Poderes do Estado. E, portanto, tenho um aprendizado em razão dessa estrada percorrida. E esse aprendizado inclui, em primeiro lugar, que não existe candidatura a ministro do Supremo. Em segundo lugar, que não existe campanha para ministro do Supremo. Em terceiro lugar, é uma escolha pessoal do presidente da República. Em quarto lugar, eu sou auxiliar dele e, por isso, jamais colocaria qualquer tema que seja incômodo ou constrangedor. Em quinto, ele nunca falou sobre o assunto comigo, nem eu com ele. E em sexto, e finalmente, eu sou uma pessoa muito prática. Eu não coloco problemas que não existem. Então, eu nunca pensei nisso.