Com os juros altos, o número de empresas que pediram à Justiça proteção para renegociar dívidas disparou no primeiro semestre de 2023 e atingiu o maior nível em três anos. Foram registrados 593 pedidos de recuperação judicial de janeiro a junho deste ano, um aumento de 52,1% em relação ao mesmo período de 2022, quando os dados confirmaram 390 requerimentos.
Já o número de pedidos de falência atingiu 546 no primeiro semestre de 2023, alta de 36,2% em relação ao ano anterior.
Os dados são do Indicador de Falências e Recuperação Judicial da Serasa Experian. “Este foi o pior número dos últimos três anos e é fruto da alta da inadimplência das empresas, que alcançou 6,48 milhões companhias em maio”, afirma Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.
A onda afeta empresas de todos os portes, mas as microempresas e as pequenas respondem pela maior parte desses pedidos de recuperação (376). Em seguida, aparecem as médias empresas (155) e as grandes (62). Na divisão por setores, companhias de serviços tiveram a maior parcela (261), depois comércio (168), indústria (112) e primário (52).
A maioria dos requerimentos de falência veio de micro e pequenas empresas (303), depois médias empresas (129) e grandes empresas (114). Os setores se dividiram entre serviços (220), indústria (172), comércio (150) e primário (4).
Para o advogado Filipe Denki, especializado em direito empresarial e recuperação judicial, a crise econômica motivada pela pandemia da Covid-19, a retração do PIB (Produto Interno Bruto), a alta taxa de juros praticada no país e o comportamento da inflação levaram a esse cenário.
“O aumento nos pedidos de recuperação judicial tem atingido não só grandes empresas, mas também as corporações de todos os portes nos mais variados segmentos e ramos de atuação”, afirma Denki, que é sócio do escritório Lara Martins.
O especialista destaca que esse crescimento dos pedidos de recuperação judicial trará impactos negativos à economia brasileira.
“Os pedidos de recuperação judicial que estavam represados durante os primeiros anos de pandemia agora estão sendo propostos; somente no mês de maio tivemos um aumento de 105,2% se comparado ao mesmo período do ano passado”, ressalta o advogado.
Para o segundo semestre, o advogado acredita que novos pedidos dessa natureza devam ser apresentados se esse contexto econômico permanecer.
Atualmente a taxa básica de juros, a Selic, está em 13,75%, desde agosto do ano passado. Com a queda da inflação, a projeção é que ocorra um corte de 0,50 ponto percentual na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), do Banco Central, no começo de agosto.
Os pedidos de falência costumam acompanhar os de recuperação judicial e refletem dificuldades financeiras. Normalmente, a falência é usada como instrumento de pressão. Uma empresa pede a falência de outra, da qual é credora, para receber o que lhe é devido.
Mas também há casos nos quais esse instrumento jurídico é usado como medida extrema. O primeiro estágio é a companhia ficar inadimplente.
O segundo se dá quando a companhia pede recuperação judicial. Isto é, quando consegue a proteção da Justiça para negociar as dívidas e os prazos para pagamento.
O terceiro estágio acontece quando não há mais alternativas, e a falência é decretada.
Empresas tradicionais têm enfrentado o esgotamento financeiro. A Americanas, em um caso particular de problemas nos balanços, entrou com pedido de recuperação judicial em janeiro deste ano, após ter revelado rombo contábil de cerca de R$ 20 bilhões.
A Marisa, do setor de vestuário, optou por reescalonar a dívida de R$ 600 milhões fora do âmbito judicial. A DOK Calçados, dona da Ortopé, entrou com pedido de proteção judicial contra seus credores.
Em fevereiro, a Pan Produtos Alimentícios, em recuperação judicial desde 2021, com dívidas de R$ 260 milhões, por exemplo, pediu a autofalência.
Outro exemplo foi a Livraria Cultura, que não conseguiu honrar as dívidas previstas no plano de recuperação judicial e teve a falência decretada pela Justiça no começo de fevereiro. Mas uma liminar reverteu a falência da companhia.