Vista do céu, a zona desmilitarizada (DMZ, na sigla em inglês) parece uma ferida geográfica gigantesca aberta na península coreana. Cercas de arame ininterruptas serpenteiam a região, atravessando colinas e vales de uma costa à outra.
Criada em 27 de julho de 1953, quando um acordo de armistício foi assinado pelo Comando das Nações Unidas, liderado pelos EUA e pelos militares norte-coreanos e chineses, na chamada "aldeia da trégua" de Panmunjom, a DMZ pôs fim aos combates, mas não à Guerra da Coreia em si.
Ela deveria ser uma zona-tampão temporária neutra, dividindo uma nação em guerra. Em vez disso, tornou-se a fronteira mais fortemente armada do mundo, incorporando não só um confronto militar inacabado, mas também a pouca esperança que resta de paz e de reunificação entre as duas Coreias.
De ambos os lados dessa linha de 250 quilômetros há soldados prontos para atacar. As famílias lidam com décadas de separação. Turistas vêm ao local para testemunhar a história viva. E os sonhos de reconciliação desapareceram lentamente na distância.
Nas últimas sete décadas, houve tentativas de romper a separação criada pela zona desmilitarizada, religando estradas e ferrovias através da fronteira, permitindo o comércio e o investimento e organizando a reaproximação de famílias separadas.
Mas todas as iniciativas acabaram falhando no esforço de construir uma paz duradoura, desmoronando diante de um conflito não resolvido.
Apesar do nome, a zona desmilitarizada e seus arredores estão armados até os dentes.
Estima-se que haja dois milhões de minas terrestres espalhadas em uma área de quatro quilômetros de largura. Seus perímetros norte e sul estão fechados por camadas de cercas de arame farpado reforçadas com armadilhas ou sensores eletrônicos. A cada 100 ou 200 metros, guardas armados monitoram as cercas.
Ao longo das cercas sul-coreanas, a cada dez metros, foram colocadas minas antipessoal Claymore. Todas as estradas que saem da DMZ são protegidas por obstáculos antitanque e, atrás deles, 2 milhões de soldados estão em posição de batalha.
Logo depois da assinatura do armistício, prisioneiros de guerra foram trocados em Panmunjom. A fronteira, porém, foi fechada desde então, e o impasse militar entre as Coreias do Norte e do Sul atingiu patamares cada vez mais ameaçadores nos últimos anos.
Em junho, a Coreia do Norte disse que, se os combates recomeçassem na península coreana, "o conflito se expandiria rapidamente para uma guerra mundial e para uma guerra termonuclear sem precedentes".
Para Yoon Cheong-ja, de 80 anos, a luta nunca acabou. Seu filho, o suboficial sênior Min Pyeong-gi, estava entre os 46 marinheiros mortos quando explodiu o navio da marinha sul-coreana Cheonan, no que o sul chamou de ataque de torpedo norte-coreano não provocado, em 2010. "Quando meu filho morreu, meu coração se partiu em mil pedaços. Nenhuma mãe deveria perder o filho como perdi o meu", disse ela, que visitou recentemente as águas da fronteira ocidental onde ele pereceu.
Anualmente, famílias separadas pela guerra peregrinam perto da zona desmilitarizada, o mais próximo que podem chegar de sua terra natal há muito perdida.
Durante os feriados mais importantes, fazem rituais familiares confucianos: põem arroz, frutas e peixe seco em um altar e se curvam em direção aos túmulos de seus ancestrais no norte.
"Quando eu morrer no sul, meus filhos vão perder os laços com suas raízes no norte", afirmou Hwang Bong-suk, mulher de 87 anos, enquanto observava, em uma tarde recente, pássaros migratórios sobrevoando a zona desmilitarizada.
Em 1948, sua mãe, viúva, trouxe a família norte-coreana para o sul, três anos depois que a Coreia foi libertada do domínio colonial japonês e dividida entre o norte pró-soviético e o sul pró-americano.
A família viajou em dois grupos, para evitar suspeitas. Hwang tinha 12 anos na época. Suas duas irmãs mais velhas, que ficaram no norte, nunca chegaram ao sul. A mãe guardava presentes para elas, na esperança de que um dia se reencontrassem.
Do outro lado da fronteira, famílias do norte tiveram de lidar com separações mais recentes.
Durante as décadas do período do pós-guerra, vários norte-coreanos, na sua maioria soldados, desertaram para o sul através da zona desmilitarizada, muitas vezes deixando a família para trás.
Um deles, Ahn Chan-il, conseguiu chegar ao sul em 1979 transpondo uma cerca norte-coreana enquanto a corrente elétrica de alta voltagem estava desligada. "Por causa do que fiz, minha família no norte foi enviada para um campo de prisioneiros e deve estar morta. Enquanto eu viver, não vou conseguir esquecê-la."
Embora a DMZ seja conhecida como desolada e implacável, pessoas resistentes se estabeleceram nas proximidades da zona — ou até dentro dela. Sob o olhar atento dos guardas de fronteira, cultivam a terra, apesar do risco das minas terrestres. Na temporada de pesca, os pescadores se aventuram em águas perigosas perto da fronteira em busca de corvina, siri-azul e polvo enquanto os navios de guerra fornecem proteção.
Por mais improvável que pareça, em anos recentes os territórios do norte da Coreia do Sul se tornaram destinos turísticos, atraindo gente interessada na história da zona.
Nos arredores orientais da DMZ existe um acampamento costeiro onde famílias armam barracas a poucos metros das cercas de arame. Placas colocadas pelos militares pedem aos visitantes que denunciem "pessoas, objetos e embarcações suspeitas".
Ali há um hotel que tem a zona desmilitarizada como tema e cujos quartos são decorados com arame farpado nas paredes. O visitante pode ainda visitar museus e fazer passeios ao longo da fronteira. "Pode não ser muito, mas agora posso contar que passei uma noite no acampamento mais ao norte da Coreia do Sul", disse Kim Pil-soo, de 42 anos, que andou por lá recentemente. Perto de sua tenda havia um aviso contra "minas terrestres perdidas".
Depois de assistir a notícias sobre a guerra na Ucrânia, Park Jin-woo, de 42 anos, levou o filho, Min-jae, de 8 anos, ao Museu da DMZ. "Eu queria mostrar a ele que nós, coreanos, também passamos por momentos difíceis e que a guerra pode ser terrível."
Há pouco tempo, em uma tarde quente, oitenta pessoas se reuniram em um píer perto da fronteira marítima ocidental ao longo da zona desmilitarizada para assistir a um artista dançar com uma bandeira que apresentava uma península coreana unificada. Mais tarde, navegaram nas águas próximas à fronteira, enquanto um navio da Guarda-Costeira sul-coreana as acompanhava de longe. "Oramos pela unificação! Rezamos pela paz!", cantaram, com as mãos em atitude de oração.
Depois de tanto tempo vivendo separados por uma fronteira hermeticamente fechada, muitos sul-coreanos encaram a reunificação como um sonho distante. A afinidade com os norte-coreanos arrefeceu entre as gerações mais jovens, nascidas décadas depois da guerra, que nem se lembram de como era viver em uma Coreia indivisa. Estas andam mais preocupadas com questões domésticas, como a diminuição das oportunidades de emprego e o aumento do custo de vida.
Kim Sang-geun, de 69 anos, mecânico de automóveis aposentado de Seul, levou os dois netos à DMZ para que, segundo ele, aprendessem "a dor da divisão nacional". Um deles, Cha-min, de 11 anos, disse que seus amigos de escola não queriam a reunificação com a Coreia do Norte "porque isso só nos tornaria pobres". Atitudes como essa fazem com que os refugiados da Guerra da Coreia se sintam como uma espécie em extinção.
"Acreditei que a Coreia estaria reunida quando eu chegasse aos 50 anos. Mas agora já não tenho essa esperança", disse Ahn Kyong-choon, de 88 anos, refugiado de guerra do norte que estava visitando um observatório de uma ilha na fronteira de onde a Coreia do Norte pode ser avistada.