A mistura de bebidas alcoólicas com remédios psiquiátricos é amplamente conhecida como algo não recomendado. No entanto, na prática, nem sempre a sentença é seguida à risca, seja pela falta de conhecimento dos efeitos, seja até mesmo pela dúvida de que "apenas uma dose" fará mal.
"Não existe uma quantidade universalmente segura de bebida alcoólica que possa ser considerada inofensiva quando combinada com medicamentos psiquiátricos. A interação pode variar de pessoa para pessoa, dependendo do tipo de medicamento, da dosagem, da sensibilidade individual, da condição de saúde e do estado metabólico. Mesmo pequenas quantidades podem potencializar os efeitos colaterais dos medicamentos", explica a psiquiatra Julia Trindade, membro da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria).
Ela afirma que os psicotrópicos — categoria de medicamentos psiquiátricos — são projetados para agir de maneira específica no sistema nervoso central, buscando equilibrar neurotransmissores e regular o funcionamento mental.
Já o álcool funciona como uma substância depressora do sistema nervoso, podendo intensificar os efeitos sedativos ou estimulantes dos medicamentos.
Por ambos serem metabolizados pelo fígado, essa mistura pode alterar os níveis das substâncias na corrente sanguínea, aumentando o risco de efeitos colaterais graves, como sedação excessiva, descoordenação motora, pressão arterial instável, comprometimento cognitivo e até mesmo overdose.
Entre os medicamentos que mais causam efeitos colaterais, a endocrinologista da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) Paula Pires elenca os seguintes:
• benzodiazepínicos (conhecidos popularmente como calmantes, que são de tarja preta);
• antidepressivos;
• antipsicóticos;
• analgésicos opioides; e
• medicamentos para dormir.
"A interação entre bebidas alcoólicas e alguns remédios, como benzodiazepínicos e opioides, tem efeito depressor sobre o sistema nervoso central, podendo causar diminuição da respiração, o que pode levar à falta de oxigênio no cérebro e até mesmo causar a morte", alerta a endocrinologista.
Julia acrescenta que outra classe medicamentosa que pode ter interações potencialmente perigosas são os inibidores da monoaminoxidase (Imaos). Essa categoria de antidepressivos, quando misturada com álcool, pode levar a crises hipertensivas potencialmente fatais.
As interações entre psicotrópicos e álcool podem ser divididas em três categorias: potencialização, redução dos efeitos terapêuticos e efeitos colaterais amplificados.
Potencialização — Em certos casos, o álcool pode potencializar os efeitos sedativos ou estimulantes dos medicamentos psiquiátricos, levando a um aumento da sonolência, tontura, descoordenação motora e diminuição da função cognitiva.
Redução dos efeitos terapêuticos — O álcool pode interferir na absorção, distribuição e metabolismo dos medicamentos, reduzindo sua eficácia terapêutica.
Efeitos colaterais amplificados — A combinação de álcool com medicamentos pode levar ao aumento dos efeitos colaterais adversos, intensificando sintomas como sonolência, irritabilidade, depressão respiratória e alterações na pressão arterial.
A psiquiatra ressalta que, embora nem todos os medicamentos apresentem interações significativas com o álcool, é importante reconhecer que muitos outros apresentam e podem ter sua metabolização, absorção e distribuição afetadas.
Em casos de ingestão de bebidas durante o tratamento, as especialistas afirmam que a interação pode começar entre 30 minutos e uma hora após a ingestão de álcool. No entanto, em alguns casos, especialmente quando a bebida é consumida em grande quantidade, os efeitos podem ser mais imediatos.
A duração dos efeitos pode variar, mas tende a persistir enquanto o álcool estiver no corpo, muitas vezes se estendendo além do momento em que os efeitos da bebida por si só diminuiriam.
Além dos efeitos, as especialistas afirmam que a combinação inadequada das substâncias pode gerar sequelas, como episódios psicóticos agudos, aumento do risco de comportamentos suicidas e até mesmo piora do quadro clínico de doenças mentais subjacentes.
Paula reitera que o uso conjunto das substâncias pode afetar o tratamento, interferindo na absorção medicamentosa e resultando em níveis mais baixos do remédio na corrente sanguínea, o que reduz a eficácia terapêutica para a doença ou condição; ou diminuindo o metabolismo da medicação, visto que o consumo regular de bebidas alcoólicas pode diminuir a função hepática e comprometer o metabolismo dos medicamentos no corpo. Isso pode levar a uma maior concentração do medicamento no organismo e aumentar o risco de efeitos colaterais.
Por fim, Julia ressalta que, caso a pessoa que toma medicamentos psiquiátricos faça a ingestão de bebidas alcoólicas e passe a apresentar efeitos colaterais, é importante ter ação rápida para garantir sua segurança.
Se os sintomas forem leves, como tontura, confusão ou descoordenação, é aconselhável evitar atividades que exijam atenção e habilidades motoras, como dirigir, até que os efeitos diminuam. Já se os efeitos incluírem dificuldade respiratória, perda de consciência, convulsões ou outras manifestações graves, é fundamental procurar atendimento médico de emergência imediatamente.