Ainda pouco conhecido, o ritual do casamento Rikbaktsa é uma tradição que demanda meses de preparação, muito esforço e trabalho coletivo. Isso, por causa do colar de casamento utilizado na celebração, que é uma biojoias fabricada em etapas, a partir de um combinado de matérias-primas naturais, todas retiradas de forma sustentável, sem gerar impacto ao meio ambiente.
Tudo começa quando um grupo, formado pela maioria de mulheres, se organizam para a coleta das conchas dos moluscos tutãra* e waibubutsa*, duas espécies encontrados exclusivamente no baixo curso do rio Arinos. Este ano, a organização da expedição foi de responsabilidade da Associação de Mulheres Rikbaktsa, conduzida pela liderança Lucinete Mukda e pela professora Geysiane Aikdapa.
O grupo saiu da região de Fontanillas, em uma viagem de barco que durou cerca de 10 horas rio Juruena abaixo, até alcançar o rio Arinos, onde permaneceram acampados durante três dias em uma região de mata densa e totalmente preservada. A coleta dos moluscos foi dividida em duas etapas, sendo que na primeira, coletaram o waibubutsa, cujo habitat preferido são as margens de pequenas ilhas do rio Arinos, entre areia e cascalho. Na segunda etapa, coletaram as conchas do tutãra, que vivem entre areia, raízes e folhas que se acumulam na água próxima das margens. Estudos apontam que os dois organismos são filtradores e indicadores de boa qualidade ambiental.
Geisiane Aikdapa, professora, mestranda da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT) e membro da diretoria da associação é a primeira pesquisadora a publicar estudos sobre o casamento Rikbaktsa. Nesse ano, ela foi uma das organizadoras do ritual e informou que: “No passado era a minha mãe que fazia todo esse trabalho, mas hoje sou eu que estou aqui, dando continuidade na nossa cultura. Somos uma geração mais moderna, que estuda, que trabalha fora, que usa tecnologias, que joga futebol, mas o compromisso com a tradição continua sendo o mesmo dos nossos antepassados. A forma de coletar as conchas e preparar o colar também continua a mesma de séculos atrás. Sabemos que nosso território é rico nos termos capitalistas, mas sabemos também que a nossa riqueza vai muito além e pode durar para sempre, desde que seja feito um bom manejo dos nossos recursos naturais. Hoje, as conchas para nós valem ouro e vamos manter essa tradição”.
A professora pesquisadora Vanilda Reis, doutoranda da UNEMAT, foi convidada para acompanhar a expedição e relatou que: “Eu já conhecia partes do ritual, mas presenciar essa tradição é a materialização de um sonho antigo, que me faz estreitar ainda mais os laços com a comunidade e com a Amazônia, que proporcionam momentos tão distintos como este que vivi durante essa imersão. O colar de casamento para o povo Rikbaktsa carrega um simbolismo tão forte quanto o vestido de noiva e a grinalda representam em nossa cultura não indígena. Precisamos incentivá-los e oferecer condições para que eles deem continuidade à essa tradição, que traz ainda mais beleza à nossa terra.”
Todos os integrantes do grupo participaram da coleta do material, enfrentando chuva, vento forte e também os perigos da selva. Ao final da coleta, as conchas foram divididas em partes iguais entre homens e mulheres que voltaram às suas casas satisfeitos com a produção. Dentro de alguns dias inicia-se uma nova etapa que pode durar até meses, que é a lavagem e modelagem das conchas. O processo se torna demorado pelo fato de ser feito totalmente de forma artesanal, o que faz com que o colar de casamento Rikbaktsa seja uma das mais sofisticadas peças da arte plumária produzida na América Latina, integrando o patrimônio ecológico, histórico, artístico e arqueológico.
Domingas Apatso, uma liderança com vasta experiência na cultura de seu povo, disse que há muitos anos participa desta atividade e que a sua preocupação maior neste momento é garantir a existência do casamento Rikbaktsa: “Precisamos impedir a construção da Usina Hidrelétrica Castanheira nessa região. Caso contrário, o casamento será extinto e a nossa cultura sofrerá uma grande perda, pois o casamento é o início de uma etapa muito importante na vida de um casal. Está comprovado que a barragem será de baixa eficiência energética, mas as perdas seriam irreparáveis para a biodiversidade e também para a cultura dos povos indígenas que aqui estão há mais de mil anos. Não é possível que com tantas novas tecnologias, as usinas hidrelétricas sejam a melhor saída. Hidrelétrica não é energia limpa.”
Para aqueles que queiram conhecer o colar de casamento Rikbaktsa, vale lembrar que uma peça se tornou parte do acervo público da Casa da Cultura do município de Juína no ano de 2022. É possível também adquirir a biojoia que pode ser utilizada na decoração de ambientes comerciais, residenciais, entre outros, desde que seja feita encomenda na Biblio-Óca do Povo Rikbaktsa, localizada em Fontanillas, Juína-MT ou pelos telefones (66)98439-4722 e (66)99693-5091.
Legenda:
*No idioma Rikbaktsa tutãra significa “água de concha” e waibubutsa significa “caramujo pequeno”.