Em Mato Grosso cerca de 80 crianças estão à espera de uma família. O rigoroso processo de adoção contribui para o sucesso final da ação, que em 96% dos casos são finalizados com êxito. Porém, nem todas as crianças em busca de encontrar amor parental irão de fato achar um lar. Afinal, a maioria dos casais que buscam integrar filhos de outros pares às suas famílias quer crianças menores de 2 anos. Nesta edição, o Circuito Mato Grosso buscou traçar um perfil do universo da adoção no estado e relembrar um dos casos mais marcantes, a adoção do menino Victor Hugo, quando nem todo o rigor da lei conseguiu evitar um trágico desfecho.
Em 1997, Sandro Alfaro e sua esposa, Adriana, decidiram, depois da primeira filha, Audrey, ter o segundo bebê. No entanto, descobriram que Adriana só poderia engravidar por meio de inseminação artificial. Sandro, porém, não gostava da ideia. Foi assim que ele sugeriu a adoção para a esposa. “Existem tantas crianças abandonadas precisando de um lar, então por que ao invés de fazermos uma inseminação artificial, a gente não adota uma?”, disse.
De imediato Adriana não aceitou a proposta. Só que em 1998, após uma crise no casamento e com o intuito de manter a família unida, ela decidiu adotar. Adriana mantinha uma boa relação com os pequenos do Lar da Criança: visitava-os e levava presentes para eles em datas comemorativas. Em uma dessas visitas, ela se apaixonou à primeira vista por um bebê de apenas três meses. O menino, registrado como Rodrigo Lourenço, havia sido abandonado.
É permitido que pessoas que desejam adotar acolham as crianças em suas casas durante os finais de semana, via autorização judicial. Dessa forma, Adriana conseguiu uma liberação para passar a festa de ano novo com o bebê. Sandro conta que no dia em que o bebê chegou, coincidentemente a família dele, de outra cidade, estava em Cuiabá para comemorar a vinda de um sobrinho que acabava de nascer. Foi o começo de uma das histórias de adoção mais dolorosa de Cuiabá e que retrata um pouco do drama que seguem as famílias e crianças que aguardam serem conectadas na forma de laços parentais.
A lentidão dos processos de adoção geralmente ocorre quando o candidato deseja um perfil de criança muito concorrido, que é de bebês de até 3 anos, de ambos os sexos. Justamente a idade do menino que a família visitava.
No momento em que conheceu o bebê, Sandro sabia que ele seria o filho que o casal tanto esperava. “Eu me lembro até hoje, na hora que eu o vi eu me apaixonei por ele. Eu me lembro dele como se fosse hoje. Ele era branquinho, grandão, lindo, lindo, lindo. Olhei para ele e disse ‘esse é nosso, esse não volta mais’”. Foi a partir dai que o menino, antes Rodrigo, passou a se chamar Victor Hugo Braga Alfaro.
Após as festas de fim de ano, Sandro foi ao juizado conversar com o juiz para expressar a sua vontade de adotar a criança, e soube que teria que dar entrada ao processo para solicitar a guarda provisória do bebê. Durante os trâmites da adoção, a mãe biológica de Rodrigo, Ana Carolina Lourenço, na época menor de idade, reapareceu querendo o filho de volta.
Abandono, crack e dupla adoção
Com o aparecimento de Ana Carolina, Sandro descobriu que ele recebeu a informação errada, pois o bebê não estava para adoção. Segundo Sandro, a mãe do menino era usuária de crack e morava na rua. O bebê chegou ao Lar da Criança quando Ana Carolina o deixou com uma senhora e fugiu. A mulher, sem condições de criá-lo e sem querer se envolver na situação complicada da jovem, decidiu, então, levá-lo ao Lar para que ele fosse cuidado.
Sandro se lembra de ter sido convocado, junto a Adriana e ao bebê Victor/Rodrigo, para encontrar Ana Carolina. Sandro afirma que logo depois do encontro o promotor de justiça do caso, Paulo Prado, sugeriu a adoção tanto do bebê quanto da mãe do bebê, por ela ser menor de idade. Sandro e a Adriana não concordaram, mas não desistiram de Victor Hugo.
O juiz do Caso, o desembargador aposentado Donato Fortunato Ojeda foi quem concedeu a guarda provisória para a família.
Para Sandro, o promotor se tornou seu inimigo no momento em que ele disse “não” à adoção da menor. A princípio foi concedido à mãe do bebê o direito de visita a cada 15 dias na casa de Sandro. “Quando ela chegava à minha casa, ela tratava o menino como se fosse o maior amor da vida dela”, recordou. “Depois, tudo o que ela pedia, o promotor acatava”, afirma Sandro, que acredita que a mãe biológica de Victor Hugo mandava no processo.
Sandro denuncia que o poder da mãe biológica sobre o processo de adoção se dava por conta da influência de sua família no Judiciário. Ana Carolina também foi adotada, mas fugiu de casa diversas vezes até chegar a Cuiabá. Antes disso, era filha adotiva de Jamil Lourenço, juiz aposentado em Rondônia e a mãe, Terezinha Silva Lourenço, era advogada em Curitiba.
Na época da adoção de Victor Hugo, o ex-juiz Jamil Lourenço foi contatado pelo Ministério Público e compareceu à cidade para prestar esclarecimentos. Na ocasião, fez um acordo com o MPE para dar R$ 500,00 e alugar uma casa para Ana Carolina poder receber a criança.
Ao longo do processo de adoção de Victor Hugo, a mãe adotiva de Ana Carolina enviou uma carta dando sua opinião sobre a mãe biológica, Ana Carolina. “Ela preferiria mil vezes que a criança, seu neto, fosse adotado do que vivesse com ela [Ana Carolina]”, contou Sandro.
Apesar de todos os esforços, Sandro e Adriana perderam a guarda de Victor Hugo, após mais de um ano juntos. “Nós o ensinamos a andar, ele já estava falando as primeiras palavras dele e aí nós perdemos a guarda”. Com a sentença, eles entraram com recurso para mudar a decisão do juiz, e nesse meio tempo fugiram com Victor para a chácara de um amigo. “Foram os últimos e os melhores dias com ele”, relembrou.
Um fim trágico mudou a visão da adoção em Cuiabá
Segundo Sandro, foi a pressão que pesava sobre a sua família que o fez devolver a criança para a mãe biológica. Ele também cogitou fugir com a esposa, com a filha e com Victor para fora do país, mas decidiu acreditar na justiça. “Nós o entregamos com todas as roupinhas dele, com as coisas que ele gostava, entregamos o cartão da Unimed dele para que ela pudesse usar, porque nós pagaríamos”. A família de Sandro, por outro lado, não poderia mais visitar Victor Hugo.
Sandro confessa que sempre temeu pela vida de Victor por saber que a mãe biológica não tinha uma boa índole. “O que ela iria fazer com ele era evidente. Ela não iria cuidar dele, ela iria maltratar ele”, declarou.
A própria família do namorado de Ana Carolina e padrasto de Victor, Adailton de Moura Lara, conhecido como Lula, contava a Sandro e a Adriana que Victor apanhava muito. Eles notificavam as autoridades, mas apesar das denúncias de maus-tratos nada foi feito.
“A família dele [Adailton] nos mandava fotos. Na última que recebi, Victor tinha um calombo na testa e estava extremamente magro, sujo, irreconhecível”. Sandro, que naquele período cursava o quarto ano de direito, fez uma petição pedindo que a justiça tomasse providências para cuidar da criança, se não ela iria morrer. Quarenta dias depois, Ana Carolina e Adailton mataram o menino Victor, de 2 anos de idade.
Foi no dia 17 de janeiro de 2001 que a mãe e o padrasto o espancaram até a morte. O corpo do menino tinha hematomas causados por golpes de cabo de vassoura e socos. “Eu tenho uma foto dele no caixão, e não tem um pedacinho do corpo dele que não tem um hematoma. Quebraram a perna dele, morderam ele e bateram tanto na barriga dele que estouraram os órgãos dele por dentro. Dados do IML mostravam que fazia mais de três dias que ele não comia”, lamentou Sandro.
Ana Carolina e Adailton foram presos em flagrante. Ela foi internada, mas foi solta três anos depois. Em 17 de janeiro de 2001, o juiz da 12ª Vara Criminal, Walter Pereira de Souza, determinou que o padrasto enfrentasse o júri popular pela acusação de homicídio qualificado. O magistrado, no entanto, não decretou a prisão do réu pelo fato de ele precisar de "tratamento médico especializado (hemodiálise), sendo que a manutenção da custódia provisória traria muito mais embaraço e dispêndio ao erário do que prejuízo processual ou aplicação da lei penal". Apesar de aguardar o júri em liberdade, o juiz Walter determinou que o acusado não poderia sair de Cuiabá sem autorização judicial. A mãe biológica de Rodrigo, Ana Carolina, como ainda não havia completado 18 anos, cumpriu medida socioeducativa máxima de 3 anos.
“Até hoje eu não sei por que eles fizeram isso, isso é uma pergunta que eu já me fiz várias vezes: ‘por quê?’ Eu nunca quis perguntar diretamente para ela, nem para ele, eu não queria ver os dois. Não sei qual seria minha reação”, expressou Sandro.
Um processo administrativo correu contra os juízes e os promotores que participaram do caso de Victor Hugo, mas todos foram absolvidos. “Com o promotor de justiça não aconteceu nada, com a Defensoria Pública não aconteceu nada, com os juízes que se equivocaram não aconteceu nada. Ou seja, ficou por isso mesmo. O único que pagou com a vida foi ele, infelizmente”, sintetizou.
Acusado por Sandro Alfaro de favorecer a adolescente A.C.L. no processo de definição da guarda, o promotor Paulo Prado não retornou aos questionamentos do Circuito Mato Grosso.
Em 2001, ele declarou ao Diário de Cuiabá que se sentia arrasado com os acontecimentos, e que no processo seu trabalho se restringiu ao cumprimento da lei. “Estou arrasado. Quem poderia imaginar que a mãe que lutou para ficar com o filho o mataria? Acreditei nela, dei um voto de confiança e fiz o meu trabalho”, informou.
Segundo o promotor, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define que em caso da mãe biológica não concordar com a adoção a criança deve ficar com ela. “Se a mãe não concorda com a adoção, não existe adoção legal. Um dos argumentos da parte era que a garota não tinha condições financeiras de criar o garoto e isso foi resolvido com o pagamento de uma pensão pelo pai dela”, explicou Prado.
O promotor lembrou que emitiu seu parecer sobre o caso e dois juízes diferentes decidiram com quem a criança deveria ficar. O juiz Irênio Lima Fernandes foi um deles. Ele revogou, com base no parecer do Ministério Público Estadual, o pedido de guarda feito pela família de Adriana, antes concedido por Donato Fortunato Ojeda.
Os passos para a adoção em MT
Hoje, o primeiro passo para quem deseja realizar uma adoção é conversar com todos os envolvidos na situação para que de comum acordo todos estejam cientes do grande e importante passo que será tomado, é o que orienta Lucia Regina Mellim, responsável pela Vara da Infância e Juventude da Comarca de Várzea Grande.
Segundo Lúcia, a questão de grande burocracia é na verdade um desencontro de informações. “Todo processo dura de acordo com o tempo de necessidade de cada um. Após apresentar toda a documentação necessária para realização da adoção, os candidatos já começam a ser submetidos às analises de condições para o processo adotivo. Todo o processo é bastante rigoroso sim, mas não burocrático”, afirma.
A lentidão dos processos de adoção geralmente ocorre quando o candidato deseja um perfil de criança muito concorrido, que é de bebês de até 3 anos, de ambos os sexos. A partir de 4 anos são as crianças que encontram dificuldades em serem adotadas, principalmente as maiores de 12 anos.
Assistente social que atua na Vara da Infância e Juventude do Fórum de Várzea Grande, Lorete Richtti fala da importância do processo preparatório do candidato para evitar casos como os do menino Victor Hugo. Para Loreto, isso deve ocorrer antes mesmo de condicionar o mínimo de contato direto com a criança. Essa preparação minuciosa garante o sucesso da adoção.
“Todo esse processo é realizado de forma segura e bastante rigorosa. As chances de o candidato desistir da adoção podem acontecer por falta de adaptação, geralmente em casos de adoção tardia (quando a criança adotada já tem uma idade avançada do perfil mais solicitado, que é de até 3 anos), mas a situação é bastante rara. Entre as crianças que ainda aguardam serem adotadas o número maior predomina entre a idade de 13 e 16 anos.
O número de crianças disponíveis para adoção só não é maior porque na maioria das vezes os menores são recolocados em seio familiar por meio de parentes. Só em Várzea Grande mais 100 famílias estão em processo de aprovação para entrar na lista de adoção.
A entidade de nome Ampara é a responsável por dar assistência a essas famílias e também às crianças durante esse processo. Dentre as atividades desenvolvidas pela associação, o curso preparatório Pré-Natal da Ação é condição indispensável para o processo de adoção.
São realizados encontros mensais com temas de interesse de pretendentes à adoção e das famílias adotivas, por meio do Grupo Reflexivo. O acompanhamento do período pós-adoção também é realizado pela associação, em parceria com os demais órgãos competentes.
A equipe da Ampara é composta de assistente social, psicóloga, administrativo, serviços contábeis e voluntários de diversas áreas, tais como advogados, pedagogos, psicólogos, servidores públicos, profissionais liberais e autônomos. O grupo está aberto a todos que se interessam pelo tema adoção e busca desmistificar ideias preconceituosas sobre a adoção. O trabalho desenvolvido à comunidade é gratuito, feito por voluntários e especialistas convidados.
Projeto Padrinhos ajuda os maiores de 12 anos
Pensando nisso, a Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ-MT), por meio da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), desenvolveu o Projeto Padrinhos, que tem como objetivo envolver a sociedade, por meio de pessoas sensíveis à causa, a conhecer a realidade vivenciada pelas crianças e adolescentes acolhidos.
As crianças que participam dessa iniciativa têm vínculos com as famílias de origem total ou parcialmente rompidos, e se encontram numa faixa etária avançada para inserção em família substituta. Nesse caso, acabam sendo casos em que o apadrinhamento pode ser uma boa opção e acolhida.
Assim, quem quiser colaborar pode se tornar padrinho ou madrinha das crianças e adolescentes acolhidos com o compromisso de oferecer apoio, melhorar a qualidade de vida e vencer a barreira do preconceito. Um dos objetivos desse trabalho é fortalecer o resgate da autoestima e promover a reinserção dos afilhados na sociedade e no seio familiar.
As modalidades de apadrinhamento são:
Afetivo = é aquele que dedica parte do tempo para a criança ou o adolescente, faz visitas regularmente, compartilha momentos especiais nos fins de semana, feriados ou férias escolares.
Provedor = é quem dá suporte financeiro às crianças e adolescentes por meio de doação de material escolar, calçados, pertences de uso pessoal ou com patrocínio de cursos profissionalizantes, artísticos, educacionais e esportivos.
Prestador de serviços = normalmente é um profissional liberal que se cadastra para atender às crianças e aos adolescentes conforme sua especialidade de trabalho (dentista, médico, professor etc.).
FONTE: Analu Melo Ferreira e Letícia Kathucia