Localizada no 'coração' do Centro de Cuiabá – em meio a comerciantes, barulho de carros e ônibus e passos apressados de moradores –, a Catedral Basílica Senhor Bom Jesus de Cuiabá guarda algumas histórias curiosas, que vão desde uma cripta com restos mortais de personalidades históricas a relatos sobre o desenvolvimento econômico-social da capital de Mato Grosso.
A Catedral foi fundada em 1722 pelo capitão-mor Jacinto Barbosa Lopes, que tinha conhecimento sobre fundações de igrejas em outras partes do país. A criação da igreja se misturou ao crescimento de Cuiabá.
“A medida que a cidade foi crescendo, foi crescendo a devoção ao Senhor Bom Jesus de Cuiabá. A imagem desse santo veio em uma festividade, chegou pelo Porto [Bairro] e veio em uma caminhada até chegar na Catedral”, disse ao G1 a historiadora e pesquisadora Leila Borges de Lacerda.
Antes da arquitera atual, a estrutura foi capela, igreja, matriz e hoje é a Catedral Basílica. De acordo com a historiadora, essa pode ser considerada a igreja mais antiga de Cuiabá, já que foi a primeira igreja na construção urbana da cidade, mesmo que tenha passado por reformas recentes e teve a fachada modificada.
“A partir do momento que o poder aquisitivo da população foi crescendo, foi aumentando também o poder da igreja. Nessa igreja, existia a irmandade Senhor Bom Jesus. Nessa irmandade só poderia participar quem fosse branco e tivesse esse poder aquisitivo. Os outros moradores, como escravos e negros, só participavam da igreja Nossa Senhora do Rosário e São Benedito”, detalhou Leila.
A Catedral passou por muitas transformações históricas nos anos de 1723, 1739, 1745, 1868 e 1929. No ano de 1964 foi implodida com dinamites e em 1973 foi reconstruída.
“Disseram na época que a igreja estava caindo, o que não era verdade. Ela só tinha uma parede que estava adernando para fora. Dom Orlando Chaves, era o arcebispo, demoliu a catedral utilizando-se de um discurso da modernidade, que Cuiabá precisava ser modernizada para continuar sendo capital do estado”, comentou a historiadora.
Sem passar por nenhuma reforma há 40 anos, o local está em obras há mais de dois anos. A previsão é que o local seja concluído até abril de 2019.
O subsolo da Catedral conta com uma cripta que serve de cemitério às autoridades políticas e eclesiásticas locais – como é de costume nas catedrais – desde quando era apenas uma simples capela, no início do século 18.
O local, aberto à visitação, guarda os restos mortais de oito personalidades históricas, incluindo fundadores e protagonistas da formação da capital mato-grossense e do próprio estado.
Estão enterrados Dom Carlos Luiz D'Amaur, Dom José Antônio dos Reis, Dom Luiz de Castro Pereira, Pascoal Moreira Cabral, Miguel Sutil de Oliveira, Dom Francisco de Aquino Corrêa, Dom Orlando Chaves e frei José Maria de Macerata.
Outra curiosidade é a história da arte no altar principal da Catedral. São mais de 20 metros de altura de uma imagem feita de colagem de pastilhas, desenvolvidas pelo artista polonês Arystarch Kaszkurewicz.
O artista, que não tem mãos, veio para o Brasil para fugir da 2º Guerra Mundial. A arte foi feita em três anos com a ajuda de alunos e freiras do antigo colégio Dasa, o atual Centro Educacional Maria Auxiliadora (Cema).
As obras de Kaszkurewicz podem ser vistas no interior gaúcho até o nordeste do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Campinas, Santo André, além de Montevidéu, no Uruguai. Arystarch morreu em 1989, aos 77 anos, em São Bernardo do Campo.
No cotidiano da Matriz ocorriam discórdias entre os religiosos e fiéis. É o que conta a historiadora Leila Borges no livro ‘Catedral do Senhor Bom Jesus de Cuiabá – Um olhar sobre sua demolição’.
Houve um ‘incidente’ durante um batizado em 2 de dezembro de 1874. Um fiel fez questão de registrar esse acontecimento por achar abusiva a atitude do sacerdote Joaquim de Souza Caldas e do padre Simão da Rocha.
“Achando-se na igreja uma criança para receber o sacramento do batismo, e tendo o padrinho levado uma vela pequena aos olhos do cura [padre], este entendeu que a criança não devia ser batizada e voltar para casa sem receber o sacramento, proibindo o coadjutor [outro padre] de o celebrar”, disse a historiadora na obra.
O padre Simão, reconhecendo ser uma arbitrariedade por parte do colega, fez o batismo. A situação gerou um bate-boca naquela época.
A Catedral já foi palco de uma prisão, do próprio padre que celebrava uma missa no local. O padre em questão era Ernesto Camilo Barreto, que foi pároco da igreja e também deputado.
“Ele era um padre revolucionário na época, de vanguarda. Ele estava na igreja, celebrando a missa, quando deram ordem de prisão a ele, que pediu para que esperassem terminar a missa e depois ele poderia ser preso. Acabou preso”, lembrou Leila.