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Depois de 25 anos, Rappa encerra carreira rachado

Data: Quarta-feira, 18/04/2018 08:59
Fonte: AGORA MT

Às 3h20 de sábado (14), quando O Rappa já havia tocado por duas horas naquele que era o penúltimo show de seus 25 anos de carreira, aconteceu uma cena discreta, mas simbólica.

O vocalista Marcelo Falcão, 44, posicionou-se ao fundo do palco, dançando sozinho ao som de “Pesadão”, sua canção solo com a cantora Iza. No canto oposto, os demais músicos se reuniam, conversando e aguardando, alheios ao que se passava.

Era o retrato de uma banda —das mais bem-sucedidas da geração dos anos 1990— cuja unidade se perdeu há um ano e meio e que, desde então, fez sua derradeira turnê sem que seus integrantes se falassem, nem mesmo no palco.

A Folha acompanhou os bastidores de três dos últimos shows do Rappa: no Recife (6/4), para 20 mil pessoas, e os dois finais (13 e 14/4), na Jeunesse Arena, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio —estes, reunindo cerca de 22 mil fãs no total.

Aos quatro membros originais que restaram —outro fundador, o baterista e letrista Marcelo Yuka, saiu da banda em 2001—, a reportagem fez uma mesma pergunta: por que O Rappa está acabando?

“No meu coração, O Rappa não está acabando. No meu”, diz Falcão. “O que sempre defendi aqui foi a unidade”, completa ele, isolado da banda em um camarim particular, como fez em toda a turnê.

“Sempre quis fazer o que o Herbert [Vianna] fazia, ficava dois anos com os Paralamas, depois lançava um disco dele, daqui a pouco voltava a banda. Foi eu falar que queria fazer isso… nunca entendi. O lugar em que eu mais queria ter apoio, onde mais dividi coisas minhas com todos…”, queixa-se o cantor.

Para o guitarrista Xandão Menezes, 50, os motivos do fim passam pelas famosas “diferenças pessoais”.

“Depois de 25 anos, tem uns que querem umas coisas, outros não”, diz ele, antes de fazer uma queixa específica.

“O Rappa é famoso, há muitos anos, por atrasar. Eu sou uma pessoa que fica doente com atraso, acho que é desrespeito”, afirma, atribuindo a culpa a Falcão —que, nos shows a que a Folha assistiu, foi mesmo o último a chegar às casas de show.

O baixista Lauro Farias, 56, acrescenta na lista de culpados “o massificante número de shows, muito trabalho”.

Já o tecladista e multi-instrumentista Marcelo Lobato, 52, lembra que as disputas internas acontecem desde o início da banda. “O trabalho da banda nunca foi um mar de rosas. As pessoas são bem diferentes. Quando o casamento começa a ficar ruim, pequenos detalhes vão desgastando.” ​

TUMULTO

Como todos reconhecem, os integrantes do Rappa nunca foram propriamente amigos —reuniram-se em 1993 por questões profissionais, vindos de origens diversas e com experiências e gostos musicais diferentes. Essa mistura variada deu certo, no entanto.

“O início do Rappa foi muito bom, tinha o frescor. É que nem começo de casamento”, diz Lobato. Falcão tem a mesma impressão: “Não tinha dinheiro, era ralação em ônibus e avião, mas a gente era feliz. Não tinha briga, vaidade.” Nesta época, tinham como baterista e principal letrista Marcelo Yuka.

Começaram a ganhar projeção a partir do segundo disco, “Rappa Mundi” (1996), graças a regravações como a de “Vapor Barato” e a de “Hey Joe”, além de canções que alcançaram alguma popularidade como “A Feira” e “Miséria S.A.”.

O estouro nacional se deu no álbum seguinte, “Lado B Lado A” (1999), graças a sucessos como “Minha Alma (A Paz que Eu Não Quero)”, “Me Deixa” e “O que Sobrou do Céu”. A mixagem do disco, no entanto, já começou a causar divergências internas e, na turnê, o caldo entornou.

“Na turnê do ‘Lado B Lado A’, nós brigamos porque eles fecharam com o Yuka. Eu fiquei três anos num banheiro fedido, o mundo se acabando de prêmios, e eu fudido porque eles fecharam com o Yuka e depois pediram para tirar ele”, diz Falcão.

O guitarrista Xandão diz que o problema então, e até hoje, é o comportamento irresponsável de Falcão —desde sempre o mais jovem da banda.

“Não tem nada a ver com as diferenças criativas, elas nos levaram para a frente, nunca tivemos problemas. Tem a ver com o comportamental. Com o fato de eu achar que tem que se respeitar o público e começar no horário. Ele tem um problema de chegar. Depois, quando entra no palco, não quer mais sair. Isso é algo que ele tem de tratar. É um trabalho, todo mundo é pai de família. Não pode existir a irresponsabilidade do ato de uma pessoa gerar um constrangimento para todo mundo”, diz Xandão.

Uma segunda cisão entre Falcão e Xandão, Lobato e Lauro aconteceu no fim de 2009. Após um show, o vocalista criticou Lobato —que assumira as baquetas no lugar de Yuka, após ele ficar paraplégico ao ser baleado em um assalto em 2000— e Xandão tomou as dores do colega.

“Tivemos um mal entendido, o Falcão falou alguma coisa com o Lobato, eu tomei as dores dele e fui tirar satisfação”, diz o guitarrista. “O Xandão quis dar uma de valentão, derrubar a porta do meu quarto, falou que ia me bater. Botei nariz com nariz e falei ‘Eu sou do Rio, cara. Tu arrumou um problema comigo’.”

Problema arrumado, a banda se desmontou no fim de 2009 —segundo Xandão, por iniciativa dele— e só retornaria em outubro de 2011. Nesse ínterim, Falcão retomou um projeto solo que estreara brevemente anos antes, os Loucomotivos, uma reunião de artistas de bandas diversas (Planet Hemp, Cidade Negra, Paralamas) que tocava covers em shows com clima carnavalesco.

O EMPRESÁRIO
Foi na época da pausa do Rappa que Falcão conheceu o empresário Ricardo Chantilly. O cantor o convidou para cuidar dos shows dos Loucomotivos e gostou do resultado.

“Ele fez todos os shows comigo, foi o que me seduziu. Pô, o cara tá comigo no Acre, no Maranhão, em todo lugar. Shows corporativos, o cara conseguiu botar um cachê bacana. Gosto de coisas assim, resolvi apostar nele”, diz o cantor. “Eu nunca tive empresário, tive um parceiro, que foi para a estrada comigo. O palco caiu, vai lá resolver. Contratante tá chiando, vai lá resolver. Gosto do cara que vai buscar o pão comigo.”

Quando o quarteto retomou a carreira, em 2011, aconteceu um processo seletivo para decidir quem seria o novo empresário. Levado pelo vocalista, Chantilly causou desconfiança e antipatia nos outros três músicos.

“Como era uma ideia do Falcão, eu fui totalmente reticente. Ele quer ter controle do empresário para fazer as coisas do jeito dele”, diz Xandão. Hoje, o guitarrista diz já ter se desculpado com Chantilly, a quem chama de “uma das pessoas mais maravilhosas que eu já conheci”.

Se conquistou o resto da banda, o empresário acabou incomodando Falcão —o vocalista diz que Chantilly prometeu conseguir patrocínios para a banda, mas não o fez.

“Não tenho nada contra o Chantilly, nada. Mas eu gosto que as pessoas falem uma coisa e cumpram. Não quero ter que fazer 15 shows para fazer um DVD. Quando caiu essa ficha, [com ele] já dentro, me chateou, me desanimou.”

O vocalista reconhece, no entanto, que o faturamento da banda aumentou muito durante a gestão de Chantilly e de sua sócia, Christiane Mascarenhas, a Tite.

“Olha qual era o faturamento do Rappa quando eu entrei e qual é hoje”, diz o empresário. “Aumentei em mais de dez vezes. Fizemos uma média de 80 shows por ano. Faço prestação de contas semanalmente para o pai dele, falo com o irmão dele, com todo mundo.”

O ponto sem volta entre Falcão e Chantilly se deu em 2016, quando o empresário decidiu não acompanhar o último show da turnê europeia da banda, em Portugal, para se casar na Itália.

Durante a ausência dele, a companhia aérea que os levou os músicos para Portugal perdeu a mala de Falcão.

“Não vai pra turnê pra casar, brother. Faz, termina, vai casar. Assim, não. Assim não é maneiro. Minha mala sumiu por uma semana e o pouco caso de uma pessoa que devia estar com a gente e não estava porque ia casar, no meio da turnê, acabou com meu coração”, diz o cantor.

O empresário corrobora os fatos, mas discorda da reação do cantor, de quem dizia ser grande amigo. “Tem gente que não pode ver os outros felizes. Há um ano e meio eu casei e tive um filho, e ele não ficou feliz com isso.”

Depois disso, Falcão tentou afastar Chantilly, mas encontrou oposição dos outros três e ficou contrariado. “Eu não fiz nada, não roubei, não briguei com ninguém. Falei na cara do Xandão: ‘Eu nunca ficaria contra vocês nessa história. Já briguei com o mundo todo por nós’.”

Apesar de dizer que não se sente injustiçado, Falcão fala com uma clara mágoa por não ter tido o apoio de Xandão, Lauro e Lobato nesse episódio.

 

“O ser humano tem que fazer suas escolhas. Eu sempre quis preservar o Rappa, sou fã da banda. Eu nunca racharia com nenhum dos três. Mas não posso ser super-homem. Eu fiz o ‘Nunca Tem Fim’ [último disco de inéditas da banda, de 2013], nove música desse disco são minhas. Podia ter parado o Rappa e feito meu disco solo. Hoje estaria longe de qualquer comentário a respeito da minha pessoa, dúvidas, críticas. Eu dividi minhas músicas com eles, como sempre fiz”, diz o cantor.

“O Falcão se distanciou por escolha dele, simplesmente resolveu se retirar. Não chegou ao ponto do atrito. Já existia uma conversa de dar uma parada, para descansar e depois lançar um disco de inéditas. Mas aí, quando ia começar a turnê, ele não quis fazer. Não dava para cancelar a turnê que já estava marcada, então combinamos de parar ao fim dela”, diz Xandão.

A VOLTA?
As opiniões sobre um possível retorno da banda —atitude tão comum que já virou clichê do pop/rock—, variam da descrença absoluta ao desejo com condições.

“Quem fala que acabou são eles, eu nunca falei”, disse Falcão. Na véspera dos shows do Rio, ele divulgou um vídeo em que dizia que a banda iria fazer uma pausa, durante a qual ele lançaria disco solo, retornando em um ano e meio.

“Quando eu falo isso, é para que meus amigos botem na cabeça que nunca tive problemas com eles”, afirma o cantor à Folha. E por que não diz isso diretamente aos três?

“Porque eles fizeram uma escolha. Como eu não estava com eles, fiquei no meu cantinho para não incomodar.”

O guitarrista Xandão é o mais enfático na negativa. “Não volta de jeito nenhum. Todo mundo sabe o que está acontecendo, o público sabe. Existe uma grande diferença de comportamento entre a gente e o Falcão. Ele não quer resolver os problemas dele e, quando é coagido a agir da forma correta, arruma um inimigo. É o jeito dele. E não tem a menor possibilidade de a gente passar por isso pela terceira vez.”

Seus demais parceiros ratificam suas queixas, mas são menos assertivos.

“Se depender de mim, volta, mas tem de voltar com mais maturidade, mais respeito”, diz Lobato. “Estamos abrindo mão de algo importante por bobeira. Não tem nada a ver com música, mas com vaidade, jogo de poder.”

Mais velho dos quatro —e o último a entrar na banda, substituindo o fundador Nelson Meirelles, que saiu após o primeiro disco (“O Rappa”, 1994)—, o baixista Lauro é o mais contemporizador.

“Precisamos de um tempo para ver se equalizamos nossos pensamentos. Quem sabe no futuro a gente possa interagir de uma forma mais humilde, como no começo.”