Márcia Borges de Santana estava dirigindo pelas ruas de Cuiabá quando ouviu de seu filho: “olha, mamãe, ali está escrito ‘lava-jato’”. Uma história comum, se não fosse pelo fato de que a criança, o pequeno Davi, tinha apenas dois anos.
Sem outras crianças próximas na família, Márcia acreditava que a realidade de Davi era comum para a sua idade. Mas desde cedo o menino apresentou habilidades e comportamentos que estavam além da sua idade. Quando foi para a creche, por exemplo, enquanto os coleguinhas aprendiam cores e números até 10, ele já contava até 100, relacionava palavras e até conseguia distinguir os dias da semana e do mês em um calendário.
Neste ano, Davi entrou para o “pré-escolar 1”, em uma escola pública da capital. Lá, fez um amiguinho que havia passado por uma creche particular com metodologia bilíngue, e logo passou a falar o básico de inglês, surpreendendo até a mãe. “Às vezes ele me pergunta uma coisa e eu erro, ele vem e me corrige”, contou Márcia.
Quem percebeu as habilidades de Davi foi uma amiga de Márcia, que é fonoaudióloga infantil. Então, aconselhada pela amiga, procurou apoio para o filho. Márcia foi parar no Núcleo de Atividade de Altas Habilidades e Superdotados (Naahs), que funciona no Centro de Apoio e Suporte à Inclusão da Educação Especial (Casies), no bairro Jardim Cuiabá.
Muita gente desconhece o local, mas ali é fornecido não apenas apoio e orientação às famílias e crianças superdotadas como também orientação e formação para profissionais da educação.
No local, uma equipe de professores capacitados faz a investigação com as crianças, a fim de detectar as habilidades que sobressaem e orientar aqueles que as cercam para a promoção de estímulos.
Isso porque, segundo os profissionais, as crianças com altas habilidades estão acima da média de seus colegas e precisam de novos desafios para se manterem interessadas.
Assim como Davi, é por meio do diagnóstico da família que a maioria das crianças com altas habilidades chega até o Núcleo. Além disso, os professores do Núcleo fazem um trabalho com as escolas públicas, passando, semanalmente, nas unidades para uma orientação aos professores e diretores a fim de identificar os superdotados.
Foi também por indicação de terceiros que Marta Coelho Acosta Doumet levou seu filho Yamil, de 9 anos, ao acompanhamento do Naahs. O menino, desde os três aninhos já havia aprendido a ler sozinho e era capaz de completar jogos que estavam além da sua idade. Assim como Márcia, Marta também pensou que o filho estava com desenvolvimento normal, igual ao de outras crianças.
Aos cinco anos, as habilidades de Yamil se destacaram ao nível da música. Segundo a mãe, ele viu um aplicativo no tablet de uma prima no qual o objetivo do jogo era compor música em um piano. Ele logo instalou no seu próprio tablet, sendo que, um tempo depois, passou o jogo para a vida, ganhando um pequeno piano da mãe.
Quando questionada sobre os sinais da habilidade diferenciada, a resposta de Marta foi a mesma que a de Márcia: “Ninguém nunca me falou sobre superdotados, então, pra mim, ele era normal. Nós morávamos no Equador e não tinha outra criança para eu ter um parâmetro”.
Yamil só foi identificado como criança superdotada quando, já aos sete anos, foi “achado” por seu professor de teclado – instrumento que passou a tocar logo quando retornou a Cuiabá. “O professor de música, Wellington, conversou com o professor Paulino e foi quando surgiu a conversa de ele demonstrar altas habilidades na música”, explicou a mãe.
Segundo ela, a criança, mesmo aos sete anos, já buscava informações e composições de grandes nomes da música clássica, como Mozart, Beethoven e Vivaldi.
Paulino, a quem se referiu Marta, é o professor Paulino Antunes, que atua no Naahs há nove anos. Formado em Letras, trabalha com a linguística, mas também – e principalmente – com a música, já que faz parte, inclusive, da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Identificando os destaques
O Núcleo de Atividade de Altas Habilidades e Superdotados existe há mais de 10 anos, criado pela Lei 8.670, de 2 de julho de 2007, pelo então governador Blairo Maggi, e atende a todo o estado, num trabalho com 197 escolas.
De acordo com a definição do Ministério da Educação (MEC), é considerado “alto habilidoso” ou “superdotado” aquela pessoa com capacidade de aprendizado acima da média dos seus pares. Isto é, as crianças com conhecimento que foge do comum à sua idade. Hoje, a identificação desse público envolve entrevistas, jogos, observação e análise junto às avaliações escolares – e tudo é feito pela equipe do Naahs.
Em uma visita ao local, o Circuito Mato Grosso conversou com os quatro professores que compõem o Núcleo, sendo que cada um trabalha com uma frente. Além de Paulino, auxiliam na identificação de alunos e orientação de educadores Rodrigo Miguel, professor de Física, Carla Magna, que leciona Matemática, e Lilian Paz, licenciada em Música.
A conversa sobre o tema levou cerca de duas horas e, no fim, a conclusão foi unânime: Mato Grosso desperdiça talentos por falta de conhecimento sobre crianças com altas habilidades. Ao longo do papo, não apenas a repórter foi contribuindo com lembranças de colegas que se enquadram como possíveis superdotados como também os professores se recordaram de diversos alunos que poderiam ter passado pelo Núcleo.
“Eu dei aula, durante muito tempo, na região do Pedra 90. Ali mesmo, naquele bairro periférico, eu conseguiria identificar vários dos meus alunos com habilidades especiais. Pena que, na época, eu não sabia”, comentou o professor de Física.
Carla também se recordou de alunos que passaram despercebidos. “Hoje eu identificaria com facilidade”, comentou. Segundo ela, é provável que exista um aluno superdotado em cada sala de aula. O dado é provável, sim, conforme levantamento básico feito pelo Circuito Mato Grosso na internet. No entanto, está longe de ser oficial.