Os pais de Alfie Evans perderam uma longa batalha legal, travada nos tribunais britânicos, para que permanecessem ligados os aparelhos que ajudavam seu filho de 2 anos e 11 meses a respirar e a se alimentar.
O bebê tem uma doença degenerativa incurável, e a disputa entre a família e os médicos sobre como proceder gerou uma grande comoção no Reino Unido. Ao fim, prevaleceu a posição dos médicos de interromper o tratamento paliativo, o que ocorreu na noite de segunda-feira. No entanto, até o momento, o menino está respirando por conta própria
A seguir, entenda como tudo ocorreu.
Alfie é filho de Tom Evans e Kate James, moradores de Bootle, no noroeste da Inglaterra. Ele nasceu em 9 de maio de 2016 e está internado no Hospital Infantil Alder Hey, em Liverpool, desde dezembro daquele ano, para onde foi levado após ter convulsões. Foi diagnosticada uma condição neurológica degenerativa que ainda não foi totalmente identificada.
Os pais de Alfie e o hospital entraram em conflito sobre o que aconteceria com o bebê, que está em um estado semivegetativo há mais de um ano. Seus pais querem levá-lo para um hospital na Itália, mas a direção do Alder Hey impediu a remoção, dizendo que a continuidade do tratamento não é "o melhor para Alfie".
O Hospital Alder Hey buscou a Justiça alegando que o "uso contínuo de auxílio para respiração não era o melhor para Alfie e que, dadas as circunstâncias, seria ilegal prosseguir com o tratamento".
O juiz Anthony Hayden, da Alta Corte em Liverpool, assumiu o caso. O hospital disse que exames atestam haver uma "degradação muito grave de tecido cerebral" e que levar à frente o tratamento seria não só "inútil", mas também "grosseiro e desumano".
Os pais de Alfie discordam. Eles querem permissão para voar com o bebê até o hospital Bambino Gesu, em Roma, na esperança de prolongar sua vida. O hospital italiano, que tem ligação com o Vaticano, sugeriu realizar cirurgias para ajudar Alfie a respirar por conta própria e, assim, mantê-lo vivo por um "período indefinido".
O juiz Hayden disse que tomaria uma decisão sobre o que seria melhor para Alfie caso os dois lados da disputa não chegassem a um acordo.
Um dos dilemas do caso é se os médicos são as pessoas mais indicadas para determinar se o desligamento dos aparelhos de suporte a vida é "o melhor" para uma criança em estado terminal. Os pais argumentam que a decisão cabe a eles.
Foi o mesmo que ocorreu com Charlie Gard, um bebê de 11 meses que morreu no ano passado após uma disputa semelhante na Justiça.
Uma lei britânica de 1989 sobre os direitos infantis, o Children's Act, determina que, se a criança corre risco de sofrer algum dano, o Estado pode e deve intervir. Isso significa que o direito dos pais não é absoluto e que o Estado pode agir quando acredita que o melhor para a criança não está sendo perseguido.
Se um órgão público discorda da opinião dos responsáveis, como é o caso do hospital de Alfie, que faz parte da rede pública de saúde do Reino Unido, o NHS, eles podem procurar um tribunal.
O juiz Hayden decidiu que os médicos podiam interromper o tratamento, contrariando a vontade dos pais. Na decisão, o juiz acrescentou que o bebê merecia "paz, calma e privacidade". O pai de Alfie disse acreditar que seu filho ainda reagia a estímulos e que ele estava "melhorando".
"Um dos problemas desse caso é que eles (os pais de Alfie), ao olhar para o filho e, para além da parafernália que o faz respirar e o alimenta, enxergam um menino normal, doce e adorável, que abre os olhos", disse Michael Mylonas, representante do hospital.
O hospital afirma que os únicos movimentos feitos pela criança são resultados de "convulsões espontâneas geradas ao tocá-la".
A decisão do juiz Hayden veio em 20 de fevereiro, três dias antes da data marcada para que os aparelhos fossem desligados. Os pais de Alfie não desistiram e recorreram a uma instância superior, a Corte de Apelações, em 6 de março, onde juízes confirmaram a decisão anterior.
Em 20 de março, o casal fez apelação à Corte Europeia de Direitos Humanos, mas três juízes disseram não ver no caso nenhuma violação de direitos humanos.
Em 11 de abril, o juiz Hayden endossou um plano para o "fim da vida" de Alfie, estabelecendo uma data para o desligamento dos aparelhos.
Os advogados da família fizeram em 16 de abril uma última tentativa na Justiça de assumir o controle do tratamento, dizendo que o bebê estava sendo "detido ilegalmente". A Corte de Apelações e a Suprema Corte rejeitaram ambas o pedido.
Em 18 de abril, o pai de Alfie foi a Roma para se encontrar com o papa Francisco, fazendo um apelo para que ele "salvasse seu filho". O papa manifestou pelo Twitter seu apoio à família dizendo: "Renovo meu apelo para que ouçam o sofrimento destes pais e que atendam seu desejo de buscar novas formas de tratamento".
O Ministério das Relações Exteriores da Itália conferiu ao bebê cidadania italiana, a fim de que ele pudesse ser "transferido imediatamente para o país". Mas o juiz Hayden desconsiderou esse último recurso, dizendo que Alfie "é um cidadão britânico" e que "portanto, está sob a jurisdição da Alta Corte".
A embaixada italiana esclareceu desde então que não estava tentando desafiar uma decisão tomada anteriormente por cortes britânicas. Um porta-voz disse que dar cidadania ao bebê era um "sinal" para o juiz de que, caso ele mude de ideia, tudo está pronto para facilitar a transferência de hospital.
Ao longo de todo o caso, a família recebeu o apoio do Exército de Alfie, uma campanha promovida por meio de redes sociais e que reuniu com frequência manifestantes do lado de fora do hospital. Mas depois que funcionários disseram estar sendo alvo de "agressões verbais", a polícia passou a investigar se os protestos podiam ser interpretados como atos de intimidação.
Antes de Alfie receber cidadania italiana, manifestantes chegaram a tentar invadir a entrada do hospital. Policiais formaram então um cordão de isolamento. Os pais do bebê pediram desculpas, dizendo que não pretendiam causar "danos ou conflitos".
Os aparelhos de suporte à vida foram desligados na noite de segunda-feira, após um juiz da Alta Corte rejeitar novos pedidos feitos de forma privada pelos advogados da família. O pai de Alfie diz que seu filho continua a respirar sem ajuda de aparelhos e que eles devem ser religados.
"Ele ainda está se esforçando, ele está fazendo o melhor que pode, mas ainda precisamos que receba ajuda na próxima hora. Será difícil", disse ele em frente ao hospital.
Na manhã desta terça-feira, ele publicou uma foto do bebê dormindo em seu colo. "Não importa o que aconteça, ele já provou que os médicos estão errados. O quão incrível ele é. O quão lindo ele é", escreveu Evans.
"Lutei bastante na Justiça pelo meu filho porque sei o que é certo!! E vejam agora, meu filho ainda está vivo após dez horas horríveis e aterrorizantes para ele."
O juiz Hayden fez uma nova audiência na tarde de hoje, quando mais uma vez recusou o pedido de que Alfie fosse levado à Itália. "Isso representa o capítulo final no caso desse pequeno menino extraordinário", declarou.
O hospital disse que não emitirá nenhum comunicado sobre o estado do bebê "por respeito à privacidade de Alfie e de sua família".