Com a aparência abatida, um olhar triste e quase sem forças para relatar uma vez mais os ataques racistas que sofreu nesta semana, a fotógrafa Mirian Rodrigues Rosa, de 31 anos, contou que teme sair na rua e sofrer algum tipo de represália.
O caso aconteceu na última terça-feira (1º) – Dia do Trabalho – quando, por meio de áudio via WhatsApp, Mirian foi chamada de “Mucama”, "Crioula Maldita”, “saco de lixo”, dentre outras ofensas.
Em entrevista ao MidiaNews esta semana, a fotógrafa afirmou que conseguiu uma medida protetiva e, apesar do medo, não irá deixar que o assunto seja esquecido. Ela diz esperar que o responsável pague por suas atitudes.
“Eu vou lutar até o fim, e vamos ver qual vai ser a Justiça do Brasil. Eu só não posso baixar a cabeça e nem aceitar esse tratamento”, afirmou.
Como tudo começou
De acordo com Mirian, ela conheceu o responsável pelas agressões verbais na segunda-feira, véspera de feriado, quando foi convidada por uma amiga a ir a um bar na região central de Cuiabá.
“Quando ela chegou para me buscar aqui em casa, estava essa minha amiga, a mãe dela, essa colega e esse rapaz. Nós fomos apresentados, mas não trocamos muitas palavras, tanto que eu nem lembrava o nome dele”, disse.
Após ficar algumas horas no bar, todos decidiram que iriam a uma casa noturna, mas Mirian achou melhor voltar para a sua casa. Segundo ela, o último contato que teve com o suspeito foi neste dia.
“Quando foi na terça-feira, esse mesmo grupo de amigos saiu e eu não fui. Então vi que essa colega foi adicionada ao grupo [do WhatsApp]. Eu fui tomar banho de piscina e eles saíram pra comer no Choppão”, contou.
Conforme a fotógrafa, logo teve início uma discussão, por meio do aplicativo, envolvendo a colega e mais uma amiga. Em determinado momento, ela própria acabou se envolvendo.
“Ela já começou a discutir no grupo com uma outra pessoa, e depois falou vem você também – me chamando pra briga também – e eu comecei a discutir com ela, e eu lembro que ela falou pra mim, ‘quem é você na fila do pão’. Eu falei ‘eu não sou nada na fila do pão, vou na padaria e nem fila eu pego’”.
De acordo com ela, foi neste momento que o rapaz que conheceu, pegou o celular da garota e começou a mandar áudios ofendendo-a.
“Ele pegou o celular dela e começou a falar, na hora que ele mandou eu não me importei com o áudio, depois ele mandou mais, e as minhas amigas me mostraram. Na hora eu nem liguei muito, porque estava com minhas amigas, mas doeu mesmo foi no outro dia, que eu decidi fazer o boletim, foi horrível ouvir os áudios” disse entre lágrimas.
Os áudios
Em um dos áudios, o homem diz à fotógrafa que “preto não é gente”. Em seguida a chama de “crioula maldita”.
“Eu quero saber em que mundo você vive? Desde quando preto é gente? Não vou perguntar para você, quem é você na fila do pão, não. Vou perguntar quem é você na fila do açougue. E eu vou responder para você: pobre não come carne. Então nem na fila do açougue você entra. Entendeu, crioula maldita?”, diz.
Em outra mensagem, o homem a chama de escrava, mucama e chega, inclusive, a perguntar ironicamente se ela teria dono, porque queria saber por qual valor ela estaria sendo vendida.
“Mirian, é o seguinte: você tem 31, 32 anos ou mais, né? Porque parece que tem 40, não sei. É o seguinte: quero saber se você tem dono ou não porque eu fui no mercado de escravo no Porto e não achei nenhuma escrava com o seu valor. Qual é o seu valor? Eu quero comprar uma escrava, uma mucama, para ser cozinheira, faxineira na minha casa. Eu gosto de ver a crioulada trabalhando pra mim, entendeu?”.
Não contente, a pessoa continua com as ofensas, citando até mesmo os imigrantes haitianos. “Única coisa que crioulo sente na vida é o quê? Pode dar tiro em crioulo, pode fazer o que quiser, tacar fogo, que não sente nada disso. A única coisa que crioulo sente é ele no tronco e o chicote nas costas. E não esquece do Dove azul que é de haitiano. Eu vou te dar 12 lacrados na caixa”.
“Mirian, essa aqui é para você. Eu vou queimar a carne lá em casa. E eu preciso de você como a matéria: o carvão e o saco de lixo para mim recolher o que restou. Tenha uma boa noite”.
Tristeza e Medo
Esta não é a primeira vez que Mirian passa por uma situação na qual se sentiu discriminada. Ela afirma, no entanto, que nunca havia sido alvo de palavras de tão baixo calão em razão da cor de sua pele.
Um grande temor, segundo ela, é que seu filho venha a passar pela mesma situação.
“Meu filho é novinho, ainda não entende muito bem, mas sabe que aconteceu alguma coisa, e eu temo que ele também passe por essas coisas. Teve uma vez que fiquei três semanas de cama, fiquei bem mal, eu tentei me reerguer, porque essas coisas são difíceis, realmente mexem muito comigo, porque eu sou gente, tenho sentimentos, e ainda mexe com a minha família também. Minha mãe toda hora chora, não come mais nada depois que aconteceu isso. Ela fica preocupada comigo, fica preocupada com a segurança do meu filho, então pra ela tá sendo difícil”, disse.
Depois do ocorrido, Mirian diz que não sente mais ânimo, não tem ido trabalhar e evita sair à rua.
“Eu sinto medo, porque não sei mais o que vai acontecer daqui pra frente. Isso acaba comigo, fico sem saúde, não consigo cumprir meus compromissos. Eu cancelei tudo o que estava marcado para esta semana, porque tá doendo. Eu não tenho forças pra levantar da cama. Só quem passa por isso sabe como é”.
“Eu tô com medo, porque várias pessoas vieram me dizer que ele é uma pessoa do mal, que pode fazer uma maldade comigo. Pedi essa medida protetiva porque se acontecer alguma coisa comigo, quero que saibam disso, do que aconteceu, porque não tenho inimizades com ninguém”, relatou.
Numa tentativa de resguardar a profissional, a Justiça de Mato Grosso acatou pedido feito pelo Ministério Público Estadual e proibiu o acusado de se aproximar da vítima e da sua família, guardando a distância mínima de 500 metros.
Agora, o próximo passo segundo ela, é processá-lo. “Eu vou entrar na Justiça. O pessoal do Movimento Negro também está comigo. Tenho recebido apoio de promotores de outros Estados, de Brasília e do Espirito Santo”.
"Estou esperando que a Justiça seja feita. Ele vai ter que pagar, de uma forma ou de outra. Não pode fazer isso com outra pessoa e ficar por isso mesmo”, afirmou.