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Gaúcho tetraplégico vence barreiras e vende pães pelas ruas em Cuiabá

Data: Domingo, 06/05/2018 10:48
Fonte: Olhar Direto

Todos os dias, Ildomar Schneider, um homem de 46 anos, acorda, toma seu café da manhã, pega os produtos feitos por sua esposa, Nilda Freza Schneider, e sai de ônibus para trabalhar. Ele vende os pães, cucas, bolo de fubá e amendoim caramelado nos mais diversos bairros da cidade, e volta para casa, quase sempre, só depois de ter vendido tudo. A história poderia ser comum, não fosse por um pequeno fato: Ildo, como é conhecido, é tetraplégico desde os vinte anos de idade.

Sua história começou no Rio Grande do Sul. Aos sete anos de idade, veio com a família para Mato Grosso, com o projeto de migração Terra Nova do Norte, em 1978. Aos vinte, enquanto passava férias no estado natal, bateu a cabeça durante um mergulho no dia de ano novo, em uma represa, e teve uma fratura na coluna cervical.

“Apesar de ser um adulto, era me tornei uma criança de colo. Eu era cuidado pela minha mãe como se fosse um bebê. Devagarzinho, eu mexia só os olhos, não podia sentar numa cadeira porque desmaiava, passava mal. Mas eu sempre fui lúcido”, lembra o gaúcho.

Ildo passou por sete anos de fisioterapia, que fazia de manhã e à tarde, e ajudava seu pai com o comércio da família. Até que um dia, como ele mesmo diz, decidiu viver a vida. Isso aconteceu somente 16 anos depois do acidente.

“Eu tomei essa atitude e eu saí de casa. E falei pra minha mãe, eu vou sair, vou viver, e fui morar sozinho. Chamei um colega meu, Luiz Carlos, e falei, e aí, topa? Vamos embora dessa guarita?”. Na época, Ildo morava na cidade de Nova Guarita, e decidiu ir para um assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em Tabaporã. “Levei 23 cursos profissionalizantes e uma extensão de universidade. E ali eu fiquei aquele período, de janeiro até maio. Quando ficou pronto pra eu trabalhar, não deu certo mais a sociedade que eu tinha com o pessoal”.

Apesar da decepção, o gaúcho já tinha um novo plano. No mês anterior, em abril, conheceu Nilda em um site de relacionamentos, e os dois se apaixonaram. Em agosto do mesmo ano, já estavam casados. “Eu li a mensagem dele e achei interessante, achei uma história incrível”, conta a esposa. “Nessa época eu trabalhava na Assembleia Legislativa (...) e ele veio me conhecer na Assembleia, me trouxe um buquê de rosas”.

Nilda nasceu em Jauru. Quando conheceu Ildo, tinha acabado de sair de um noivado traumático, e percebeu nele algo diferente. “O interessante é que quando nós conversávamos pelo MSN, Orkut... toda vez que eu começava a conversar com ele, eu sentia que ele não estava bem. Aí eu perguntava, porque que você não está bem? Aí ele respondia com outra pergunta: como você sabe que eu não estou bem? Então já começou essa ligação, essa afinidade. E temos até hoje. Na maior parte do tempo, se eu penso alguma coisa, ele abre a boca e fala aquilo que eu estava pensando, ou vice versa”.

Os dois se casaram, e Nilda continuou com seu emprego na Assembleia. Na época, Ildo recebia também um benefício do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que foi suspenso em novembro de 2014, quando a esposa já trabalhava na Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema). O juiz alegou que a renda dela era suficiente para sustentar os dois.

Em fevereiro de 2015, no entanto, o governo mudou, e Nilda foi exonerada. Sem renda, os dois decidiram começar a vender pães. “Eu falei, bom, a gente vai ter que dar um jeito de resolver a situação. As contas não param, todo mês é sagrado. Aí eu falei pra ele, chama sua mãe - porque a mãe dele é do sul, gaúcha e sabe manusear o fermento de batata, que até então eu não sabia”, lembra.

Nilda aprendeu com a sogra a manusear o fermento de batata, e a fazer as verdadeiras cucas gaúchas. As vendas começaram tímidas, somente para conhecidos e em feiras, mas com o tempo a clientela se fidelizou. Hoje, os dois vendem pão caseiro normal e integral, bolo de fubá assado na marmita, bolinho de pão (mesma massa do pão, só que frita e com canela), cri cri (amendoim caramelizado) e as cucas, de goiabada, doce de leite e leite condensado. O benefício, um salário mínimo, voltou dois anos depois, e hoje, junto a ele, a venda é o que sustenta a casa. 

Rotina e dificuldades

Para conseguir vender os pães, Ildo desenvolveu um sistema para conseguir anexar a caixa de plástico onde ficam os produtos à sua cadeira de rodas. Como não tem 100% do movimento das mãos, sua carteira fica no bolso, e são as próprias pessoas que pagam e pegam seu troco.

Apesar de toda sua força de vontade, Ildo precisa enfrentar, diariamente, situações de preconceito e falta de acessibilidade. “Nós passamos já por uma experiência de que estávamos no ponto de ônibus, aqui na avenida principal do bairro, e antes os ônibus desciam na outra pista e subiam nessa que tem o ponto. O motorista desceu, viu que nós estávamos aguardando o ônibus, e ele passou em outra rua pra não nos levar”, lembra Nilda.

“Em primeiro lugar, o preconceito, nós às vezes queremos esconder, mas ele é, acho, que a maior barreira que nós temos. Porque as pessoas não te valorizam, elas não acreditam que você é capaz. Elas pensam que você é um cadeirante, que está ali, e acabou. Quando você está numa cadeira de rodas, o primeiro pensamento delas é, ah, esse cadeirante vai morrer ali. Mas elas não entendem que você tem uma vida pela frente, que você vai viver, que você é um ser humano, que tem sentimentos, que você sente dor, alegria, tristeza... elas olham logo por esse lado, acham que você não é ninguém. Que [é só] a sua condição física e acabou”, complementa Ildo.

Candidatura

Foi pensando nas dificuldades que enfrenta, e com o apoio e pedido de outras pessoas, que Ildo decidiu se candidatar ao cargo de deputado estadual. Filiado ao PDT, suas principais bandeiras são a geração de renda e a maior atenção aos deficientes.

“Uma das coisas que motivou bastante, eu sempre faço esse resumo, a motivação desse projeto é de que hoje, no estado de Mato Grosso, são quase 600 mil pessoas com deficiência, 23%. E cada pessoa dessa tem pelo menos 3, 4 da família. É um numero razoável, e nós não temos nenhum representante”, afirma Nilda, que promete acompanhar o esposo na campanha.

A participação de Ildo na política, no entanto, já é antiga. Foi ele que, em 2016, sugeriu à deputada Janaína Riva a proposição de uma lei que desse gratuidade ao acompanhante de um deficiente para viagens dentro do estado de Mato Grosso. Segundo o casal, a proposta foi aprovada e sancionada, mas não foi regulamentada a tempo. “Tinha que ter alguém lá pra bater na mesa!”, lamentam.

Em relação aos deficientes do estado, Ildo pensa em priorizar e lembrar de instituições que acredita estar abandonadas, como o Centro Estadual de Odontologia para Pacientes Especiais (CEOP) e o Centro de Reabilitação Dom Aquino Corrêa.

Serviço

Pão do Ildo
Informações e encomendas: (65) 99617-9328 (WhatsApp) / (65) 99635-9638