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Mães do Coração: "Eu perguntei 'estou procurando minha filha, você é a minha filha?' ela sorriu e eu entendi que sim"

Mariella nasceu no coração dos pais num abrigo em Corumbá quando tinha 6 meses de idade

Data: Segunda-feira, 07/05/2018 13:12
Fonte: G1

Daniela e Marcos queriam muito ser pais. Sem a possibilidade de ter um filho da barriga, ela vivia com a esperança de encontrar o filho do coração. Essa expectativa aumentou com uma ligação no dia 14 de setembro de 2004: "Recebi um telefonema avisando que haviam 3 crianças para adoção em Corumbá, entre elas uma menina de 6 meses de idade. Eu senti que era ela. Então o Marcos me disse que se fosse pra ser, o importante era conhecermos a bebê, então decidimos viajar" conta Daniela Bender Morandi, fonoaudióloga.

A viagem foi marcada pela incerteza do que encontrariam lá: "Nós tínhamos a necessidade de sermos pais, eles de serem filhos, e se na hora a gente não sentisse"? Ela conta que em todo o caminho ia na frente deles um caminhão. Quando pararam para lanchar, conheceram a família que viajava nele. Chegando em Corumbá, MS, o casal foi até a instituição no carro do Ministério Público e quando chegaram no abrigo, coração aos saltos, viram o mesmo caminhão dentro do pátio. "Eles transportavam berços que estavam sendo doados para as crianças" conta Daniela. Esse foi o primeiro sinal.

Daniela lembra que o prédio do abrigo tinha grandes janelas em forma de arco. Diante de uma delas, uma moça ninava um bebê de colo, uma menininha negra. Quando eles passaram a menina virou o corpinho para observá-los e esse foi o segundo sinal. Depois de uma conversa eles foram até a sala onde conheceriam as crianças, acompanhados pela assistente social. Quando chegaram lá viram a bebezinha no colo da psicoassistente e reconheceram a menina que viram pouco antes. Daniela conta que nessa hora o coração acelerou e quando eles chegaram perto, a menina estendeu os bracinhos pedindo colo para o pai: "Ela fazia carinho no rosto dele e o Marcos se emocionou muito" relembra.

"Mamãe, você não está me reconhecendo?"

 

O momento em que ela pegou a menina nos braços foi emocionante: "Eu segurei ela no colo e perguntei 'Menina, eu estou procurando a minha filha, você é a minha filha?' e então ela sorriu e segurou meus cabelos puxando até que eu chegasse bem pertinho dela. Eu entendi que a resposta era sim, parecia que ela me dizia 'Mamãe, você não está me reconhecendo? Sou eu, eu sou a sua filha!' e eu chorei muito" relata emocionada. No momento seguinte ela e o marido se abraçaram sabendo que encontraram a filha do coração e sem combinar, falaram juntos o nome que ela teria: Mariella - a união de Marcos e Daniela. Deste momento em diante ela tinha mãe, pai, padrinhos e uma família inteira à espera da sua chegada.

 

"Ela nunca tinha tido um sapatinho"

 

Mariella nasceu no coração dos pais no dia 16 de setembro de 2004, mas depois desse dia de felicidade eles enfrentariam a parte mais dolorosa do processo, esperar pelos trâmites burocráticos do processo de adoção. Depois de 5 meses separados da filha, finalmente eles puderam buscá-la em Corumbá: "Eu levei uma roupinha e um sapatinho e quando ela calçou olhava para os pezinhos e ria, ela nunca tinha tido um sapatinho" ri a mãe relembrando desse momento da filha. O sapatinho é guardado até hoje como um símbolo do momento em que Mariella foi para casa: "No dia 05 de março de 2005 ela teve a festa de 1 ano, batizado e chá de bebê tudo junto" conta a mãe.

Quando finalmente estavam juntos, outros desafios surgiram. A menina tinha dificuldades para andar, falar, e eles contrataram profissionais para ajudar no aprendizado. Aos 4 anos Mariella falou pela primeira vez com suas palavras sobre a própria história: "Ela estava assistindo TV onde uma personagem da novela falava que sentia por ter abandonado o filho e então me perguntou 'Mamãe, foi isso que a moça fez comigo?' e como sempre fomos muito francos com ela sobre esse assunto eu respondi que sim, então ela falou que foi deixada lá na 'casa das crianças' pra mamãe achar ela". A menina entendia que "a moça" teve ela na barriga para que a mamãe pudesse tê-la no coração. 

 
 

"Reencontro"

 

Foi um longo caminho que eles trilharam com sinceridade e amor aprendendo juntos a ser uma família. Hoje Mariella tem 14 anos e "é uma moça linda, doce, carinhosa e gentil, com muita facilidade para fazer amigos" segundo a mãe. "Nós temos a honra de ocupar o lugar de pais e fazer o que os pais biológicos não puderam fazer" afirma. O assunto da adoção não é tratado como um tabu e eles adotaram a medida de jamais julgar os pais biológicos, ajudando a menina a entender que a missão foi "dividida" entre eles - os pais biológicos lhe deram a vida para que os pais do coração pudessem encontrá-la: "É um sentimento delicado como se fosse uma cicatriz, ele sempre estará lá, mas optamos por agir com carinho, não abafar a ferida" explica. Outra opção feita pelos pais é sempre focar nas coisas boas, na alegria de terem se encontrado: "Temos tantas coisas maravilhosas que vivemos juntos, só podemos agradecer por esse reencontro".

De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção, 8672 crianças e adolescentes aguardam pela mesma chance de Mariella nos abrigos do Brasil. São 43.730 pais na fila e essa disparidade existe por dois motivos - tramitação do processo e as exigências das famílias. O amor de mãe nasceu no coração da Daniela muito tempo antes, só esperava o momento de "reencontrar" a filha. Mariella poderia ter tido uma história bem diferente mas com esse reencontro ela teve a chance de conhecer o amor. 
Muito além dos clichês, do que aprenderam sendo uma família, Daniela faz questão de falar sobre a lição mais importante: "O amor de mãe está é no coração" finaliza.