Daniela e Marcos queriam muito ser pais. Sem a possibilidade de ter um filho da barriga, ela vivia com a esperança de encontrar o filho do coração. Essa expectativa aumentou com uma ligação no dia 14 de setembro de 2004: "Recebi um telefonema avisando que haviam 3 crianças para adoção em Corumbá, entre elas uma menina de 6 meses de idade. Eu senti que era ela. Então o Marcos me disse que se fosse pra ser, o importante era conhecermos a bebê, então decidimos viajar" conta Daniela Bender Morandi, fonoaudióloga.
A viagem foi marcada pela incerteza do que encontrariam lá: "Nós tínhamos a necessidade de sermos pais, eles de serem filhos, e se na hora a gente não sentisse"? Ela conta que em todo o caminho ia na frente deles um caminhão. Quando pararam para lanchar, conheceram a família que viajava nele. Chegando em Corumbá, MS, o casal foi até a instituição no carro do Ministério Público e quando chegaram no abrigo, coração aos saltos, viram o mesmo caminhão dentro do pátio. "Eles transportavam berços que estavam sendo doados para as crianças" conta Daniela. Esse foi o primeiro sinal.
Daniela lembra que o prédio do abrigo tinha grandes janelas em forma de arco. Diante de uma delas, uma moça ninava um bebê de colo, uma menininha negra. Quando eles passaram a menina virou o corpinho para observá-los e esse foi o segundo sinal. Depois de uma conversa eles foram até a sala onde conheceriam as crianças, acompanhados pela assistente social. Quando chegaram lá viram a bebezinha no colo da psicoassistente e reconheceram a menina que viram pouco antes. Daniela conta que nessa hora o coração acelerou e quando eles chegaram perto, a menina estendeu os bracinhos pedindo colo para o pai: "Ela fazia carinho no rosto dele e o Marcos se emocionou muito" relembra.
O momento em que ela pegou a menina nos braços foi emocionante: "Eu segurei ela no colo e perguntei 'Menina, eu estou procurando a minha filha, você é a minha filha?' e então ela sorriu e segurou meus cabelos puxando até que eu chegasse bem pertinho dela. Eu entendi que a resposta era sim, parecia que ela me dizia 'Mamãe, você não está me reconhecendo? Sou eu, eu sou a sua filha!' e eu chorei muito" relata emocionada. No momento seguinte ela e o marido se abraçaram sabendo que encontraram a filha do coração e sem combinar, falaram juntos o nome que ela teria: Mariella - a união de Marcos e Daniela. Deste momento em diante ela tinha mãe, pai, padrinhos e uma família inteira à espera da sua chegada.
Mariella nasceu no coração dos pais no dia 16 de setembro de 2004, mas depois desse dia de felicidade eles enfrentariam a parte mais dolorosa do processo, esperar pelos trâmites burocráticos do processo de adoção. Depois de 5 meses separados da filha, finalmente eles puderam buscá-la em Corumbá: "Eu levei uma roupinha e um sapatinho e quando ela calçou olhava para os pezinhos e ria, ela nunca tinha tido um sapatinho" ri a mãe relembrando desse momento da filha. O sapatinho é guardado até hoje como um símbolo do momento em que Mariella foi para casa: "No dia 05 de março de 2005 ela teve a festa de 1 ano, batizado e chá de bebê tudo junto" conta a mãe.
Quando finalmente estavam juntos, outros desafios surgiram. A menina tinha dificuldades para andar, falar, e eles contrataram profissionais para ajudar no aprendizado. Aos 4 anos Mariella falou pela primeira vez com suas palavras sobre a própria história: "Ela estava assistindo TV onde uma personagem da novela falava que sentia por ter abandonado o filho e então me perguntou 'Mamãe, foi isso que a moça fez comigo?' e como sempre fomos muito francos com ela sobre esse assunto eu respondi que sim, então ela falou que foi deixada lá na 'casa das crianças' pra mamãe achar ela". A menina entendia que "a moça" teve ela na barriga para que a mamãe pudesse tê-la no coração.
Foi um longo caminho que eles trilharam com sinceridade e amor aprendendo juntos a ser uma família. Hoje Mariella tem 14 anos e "é uma moça linda, doce, carinhosa e gentil, com muita facilidade para fazer amigos" segundo a mãe. "Nós temos a honra de ocupar o lugar de pais e fazer o que os pais biológicos não puderam fazer" afirma. O assunto da adoção não é tratado como um tabu e eles adotaram a medida de jamais julgar os pais biológicos, ajudando a menina a entender que a missão foi "dividida" entre eles - os pais biológicos lhe deram a vida para que os pais do coração pudessem encontrá-la: "É um sentimento delicado como se fosse uma cicatriz, ele sempre estará lá, mas optamos por agir com carinho, não abafar a ferida" explica. Outra opção feita pelos pais é sempre focar nas coisas boas, na alegria de terem se encontrado: "Temos tantas coisas maravilhosas que vivemos juntos, só podemos agradecer por esse reencontro".
De acordo com o Cadastro Nacional de Adoção, 8672 crianças e adolescentes aguardam pela mesma chance de Mariella nos abrigos do Brasil. São 43.730 pais na fila e essa disparidade existe por dois motivos - tramitação do processo e as exigências das famílias. O amor de mãe nasceu no coração da Daniela muito tempo antes, só esperava o momento de "reencontrar" a filha. Mariella poderia ter tido uma história bem diferente mas com esse reencontro ela teve a chance de conhecer o amor.
Muito além dos clichês, do que aprenderam sendo uma família, Daniela faz questão de falar sobre a lição mais importante: "O amor de mãe está é no coração" finaliza.