Com o objetivo de fortalecer as organizações sociais, construir alianças e melhorar a renda e a qualidade de vida das pessoas e grupos que trabalham com a castanha-do-brasil na região noroeste mato-grossense, foi realizado no município de Juruena, Mato Grosso, entre os dias 21 e 22 de junho, o Seminário Desafios e Potencialidades da Cadeia da Castanha-do-Brasil no Noroeste de Mato Grosso. Mais de 100 pessoas participaram do evento, sendo cerca de 60, indígenas dos povos Apiaká, Cinta Larga, Kayabi, Munduruku e Rikbaktsa, além de extrativistas da Reserva Extrativista (Resex) Guariba-Roosevelt, agricultores familiares e representantes de organizações não governamentais (ONGs) e dos governos federal e municipais.
O encontro foi o pontapé inicial para a criação de uma rede de cooperação mútua, cujo objetivo é traçar uma estratégia conjunta de cooperação para intervenções e repartição de benefícios entre as organizações, com vistas na consolidação da cadeia de valor desta matéria-prima abundante na região, por meio da cooperação e governança entre participantes da coleta, do beneficiamento e da comercialização. Ao mesmo tempo, o intuito é mapear ações e políticas públicas voltadas para este público e estratégia conjunta.
O seminário foi uma realização da Associação de Desenvolvimento Rural de Juruena (Aderjur), do Instituto Centro de Vida (ICV) e do Pacto das Águas.
Histórico desde os anos 90
Os primeiros trabalhos de comercialização da castanha no noroeste datam da década de 1990. Neste período, indígenas da etnia Rikbaktsa vendiam o quilo da castanha-do-brasil na ponte do rio Juruena, nas proximidades da entrada do município de Juína. Desde então, muita coisa mudou. A matéria-prima foi valorizada, não apenas na região, mas principalmente fora do estado.
Atualmente, o município de Itaúba, na região norte, é reconhecido como maior produtor de castanha-do-brasil no estado. O noroeste mato-grossense está se fortalecendo para se potencializar regionalmente neste sentido, por meio de um arranjo produtivo local. A maior parte do escoamento da produção, entretanto, ainda é de comercialização in naturapara outros estados. Existem desafios a superar, entre eles, a dificuldade de acesso aos castanhais, aliada à pouca organização dos grupos que atuam na coleta em relação à comercialização. Também há falta de recursos financeiros para a formação de estoque, o que deixa coletores suscetíveis à ação dos atravessadores que pagam baixo preço pelo produto.
“Esperamos, a partir deste encontro, formar uma rede, na qual possamos ‘fugir’ dos atravessadores, por meio do fortalecimento das associações”, destacou Antônio Vieira de Mello Neto, técnico florestal da Cooperativa Vale do Amanhecer (Coopavam).
Marcelo Munduruku, liderança indígena da etnia, reforçou a expectativa de que o evento possibilite a troca de conhecimento para levar a melhoria às comunidades. “Se nós encontrarmos mais parcerias, será que a base vai querer continuar vendendo para atravessadores? Acreditamos que não”, destacou.
Partindo dos anseios dos participantes em relação aos resultados do evento, cada grupo e organização, de forma conjunta, mapeou as principais fortalezas e fraquezas do segmento, desde a coleta à comercialização, e refletiu sobre caminhos para superar estes desafios.
O encontro também teve uma parte de campo, com visitação às fábricas de beneficiamento da castanha-do-brasil da Cooperativa Vale do Amanhecer (Coopavam) e da Associação de Mulheres Cantinho da Amazônia (Amca). Ambas são organizações de base comunitária que compram e beneficiam a castanha coletada por agricultores, extrativistas e indígenas da região noroeste e comercializam para outros estados e dentro de MT. No espaço, puderam observar o processo de beneficiamento e tirar dúvidas com os responsáveis sobre o processo.
Alternativas de financiamento
O Seminário ainda marcou o lançamento do “Fundo Rotativo Solidário Sentinelas da Floresta”, criado com apoio financeiro da Climate and Land Use Alliance (Clua). O aporte financeiro é da ordem de R$ 400 mil e será administrado pela Associação de Desenvolvimento Rural de Juruena (Aderjur) e repassado para que a Amca e a Coopavam firmem contrato com as associações de coletores para a aquisição de produtos. Ficou estabelecido que, neste acordo, haja repartição justa dos benefícios da agregação de valor da castanha com os grupos de coletores.
As organizações, desta forma, adquirem empréstimo do fundo e reembolsam com uma taxa de juro baixa, equivalente à praticada no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), para formação de estoque. “Assim corta o caminho dos atravessadores. Pois hoje, a regra é a seguinte: quem chega primeiro com o dinheiro, leva a castanha”, esclarece Solène Tricaud, coordenadora da Iniciativa de Desenvolvimento Rural Comunitário do ICV, que teve o papel de facilitador na aproximação desses grupos de coletores e beneficiamento, que recebem apoio de diversos projetos, desde 2001.
Com colaboração de Sucena Shkrada Resk/ICV