Um incêndio de proporções gigantescas praticamente destruiu o Museu Nacional no Rio de Janeiro. Duzentos anos de história e mais de vinte milhões de itens foram ‘lambidos’ pelo fogo no que muitos chamam de uma ‘tragédia anunciada’. Desde 2014, o local, que é regido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não recebia o total de recursos que deveria. Em Mato Grosso, desde 2017, artistas e produtores culturais reclamam do abandono dos nossos museus, que estão fechados e, muitos deles, com os acervos sendo deteriorado aos poucos.
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O escritor e advogado Eduardo Mahon é um dos que chamam atenção para o problema. “Eu acho que a nossa infraestrutura está muito pior do que o Museu Nacional. No Museu Nacional, não se sabe qual foi o início, o estopim do incêndio, mas a nossa infraestrutura, que é pior do que a deles, está muito mais exposta. Eu sublinho o Museu de Arte Sacra, que tem peças do século XVII e XVIII. Toda a estrutura da antiga Matriz está no Museu, assim como santos portugueses, espanhóis e brasileiros”, lamenta.
Outra situação lembrada pelo escritor é a do acervo da biblioteca Estevão de Mendonça. No dia 5 de abril de 2016, o então secretário de cultura Leandro Carvalho apresentou à imprensa o projeto de um ‘Shopping Cultural’, que seria instalado anexo à Casa Barão de Melgaço. Na época, a promessa era que, até o final de 2018, o local seria aberto à população, com café, área infantil e praça de eventos - como contação de histórias - além de ser a nova ‘casa’ da Biblioteca.
Mahon divulgou nas redes sociais a situação do acervo. “Assim está o mais rico acervo literário de MT. Na Casa Barão de Melgaço, enganada pelo atual governador que nos tirou a possibilidade de alugar um prédio. Ele prometeu uma grande biblioteca, a fim de que pudéssemos preservar grandes documentos de Rondon, de Melgaço e todo o mais raro acervo da literatura mato-grossense desde o século XIX”.
Segundo o escritor, que já foi presidente da Academia Mato-Grossense de Letras, o acervo está do mesmo jeito desde a época da promessa: “Deteriorando lentamente. Pesquisas suspensas de mestrado e doutorado, de história e literatura”.
Os museus
Museu de Arte segue fechado (Foto: Instituto Brasileiro de Museus)
A situação dos museus fechados tem causado burburinho já há algum tempo. Foi em junho de 2017 que a Secretaria de Estado de Cultura, na época, ainda sob o comando do maestro Leandro Carvalho, anunciou que os museus da cidade seriam geridos por Organizações da Sociedade Civil (OSCs) - a exemplo do Cine Teatro, que já estava sob os comandos da Associação Cultural Cena Onze – e lançou um edital de chamamento público para tal.
Entravam no edital os museus de Arte Sacra, Museu Histórico, Residência dos Governadores, Museu de Arte de Mato Grosso, Memorial Rondon e da Galeria Lavapés. As inscrições foram encerradas em 7 de julho de 2017, mas, desde então, mesmo com as associações vencedoras já escolhidas, os locais continuam de portas fechadas.
Leandro Carvalho foi o primeiro secretário de Cultura de Taques (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)
Desde então, a Secretaria já passou por outras mãos. No início de 2018, ficou pouco mais de um mês sob a gestão do jornalista Kleber Lima e, desde o dia 10 de abril, o físico e cantor Gilberto Nasser assumiu a pasta.
Os artistas da cidade chegaram, inclusive, a fazer uma petição online, pedindo assinaturas para mostrar a indignação perante a situação. O ‘SOS Museus MT’ tem, hoje, 611 assinaturas.
Em maio de 2018, a Secretaria de Estado de Cultura garantiu que pelo menos os museus de Arte de Mato Grosso e o de Arte Sacra deveriam voltar a funcionar a partir do mês de agosto deste ano. O governador Pedro Taques garantiu a assinatura de todos os contratos da Sec para o mês de junho, e, a partir dali, as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) teriam 60 dias para reabri-los.
Museu Casa Dom Aquino é o único aberto (Foto: Reprodução / Ilustração)
Para isso, Taques fez um acordo com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – Condes, que garantia as assinaturas dos contratos. Por recomendação do Condes, o secretário de cultura Gilberto Nasser se reuniu com cada OSC proponente, para alguns ajustes necessários nos repasses e metas de execução. No entanto, já entramos em setembro, e os contratos não foram cumpridos.
Mahon lamenta e afirma que não é possível que o governo atual se ‘apoie’ em erros de outras gestões. “O Taques veio com uma política empresarial pra cultura. Ele colocou na mão de empresas os equipamentos culturais, sem nenhuma exceção. Inclusive a Orquestra, que era paga pelo próprio secretário. O resultado dessa política, entre aspas, empresarial da cultura, foi que nós temos o fechamento de oito museus”.
Kleber Lima comandou a pasta por pouco mais de um mês (Foto: Olhar Conceito)
O ‘troca-troca’ de secretários também não ajudou em nada. Para o escritor, o atual secretário foi colocado em uma situação péssima, e a gestão está pior que a do maestro. “Por duas razões: faltou dinheiro e faltou articulação política. Leandro não tinha articulação, mas os recursos saáam. O governador cortou 17 milhões da SEC no último ano, e colocou o Nasser numa arapuca. Queimou um dos maiores artistas de Mato Grosso ao expô-lo com promessas que não poderiam ser cumpridas”.
Gilberto Nasser assumiu a cultura em abril de 2018 (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)
Procurada pelo Olhar Conceito, a Secretaria de Estado de Cultura (Sec) se manifestou por meio de nota, e afirmou que o Histórico e a Casa dos Governadores deve reabrir até outubro. Além disso, disse que uma equipe trabalha semanalmente para manter a integridade dos museus.
Leia a íntegra da nota:
Desde abril de 2018, a SEC está empenhada na reabertura dos museus. O secretário de Estado de cultura, Gilberto Nasser, está tomando todas as providências possíveis para reabrir os museus ainda em 2018. Para Residência dos Governadores e Museu Histórico, a reabertura está programada para outubro. O secretário reitera que está e sempre esteve à disposição de toda a sociedade para prestar qualquer tipo de esclarecimento.
Nasser informa ainda que semanalmente, uma equipe especializada da SEC formada por arquitetos, engenheiros civil e eletricista, historiadores, além de um profissional conservador restaurador, seguindo padrões internacionais de acervos museológicos (Instituto Canadense de Conservação e o Icom e Icrom), garantem a integridade dos acervos de cada museu.
Sobre o acervo da Biblioteca Estevão de Mendonça, a Sec afirmou que:
A edificação da Casa Barão de Melgaço, sede da Academia Mato-grossense de Letras, bem como seu acervo, não está sob a responsabilidade da Secretaria de Estado de Cultura. A SEC reitera que a Biblioteca Estevão de Mendonça tem seu funcionamento permanente no Palácio da Instrução, com intensa programação e que a gestão da Biblioteca situada na Casa Barão é de responsabilidade da Academia Mato-grossense de Letras.