São 77 idosos vivendo em um terreno cercado por um pequeno muro branco e com um grande portão eletrônico controlado por um funcionário. Ali vivem os abandonados, os doentes, os que não têm mais para onde ir e lutam pela esperança de um final de vida digno em Mato Grosso.
A Fundação Abrigo Bom Jesus existe há 78 anos e está localizado no centro político de Cuiabá. A casa tem refeitório, quartos que abrigam quatro idosos cada, sala de fisioterapia, psicologia, capela, salão de beleza, horta, lavanderia, uma grande peça para as roupas doadas. Além do bazar do abrigo, para arrecadar dinheiro para instituição, vivem no lugar gatos, cachorros, galo e galinha.
A instituição filantrópica sobrevive com o apoio da comunidade e com os R$ 35 mil mensais que a Prefeitura de Cuiabá fornece via convênio para ajudar a complementar a renda. Todos os 77 idosos que moram na instituição dependem de alimentação, fraldas, medicamentos, visitas médicas e outros itens.
Ali uns se preocupam com os outros. Enquanto a Cleide Miranda, 71 anos, presidente da casa, conversava com o Circuito, um suco era servido e a senhora que entregava o copo dizia “Ela (presidente) só que saber de trabalhar. Fala para ela comer, fala, porque ela não come”.
A diretora desabafa que não é fácil manter o local. “São 130 vagas no total e temos previsão de chegar mais cinco idosos na quarta-feira (03). Não temos funcionários o suficiente, são 48 e todos são pagos. A nossa folha é de R$ 114 mil todo mês. Há mais de 20 anos não temos apoio do governo, a comunidade ajuda muito”.
Abandono e maus tratos
É visível notar a tristeza ao falar dos idosos abandonados. Cleide diz que muitos ali têm famílias e muitas tem boas condições financeiras, mas simplesmente largam os pais, mães e avós como se eles fossem um estorvo. “Agora eu retruco! Tem uns que mandam e-mail dizendo que ‘ninguém merece um pai doente’. E eu respondo, ‘E quando você era criança? Você se lembra de quantas noites seu pai não dormiu para poder cuidar de você? ’, isso dói muito”, afirma a diretora.
Com uma feição que demonstra desamparo, ela conta que muitos não procuram o local por precisarem de ajuda e utilizam as mais diversas razões fúteis, apenas para não ficar com o idoso.“A gente sofre junto”, desabafa a presidente. “O que será que esse idoso não passa quando a filha me fala que não aguenta mais esse velho? Tem neto que bate no avô, por exemplo...”.
Dos mais de 70 idosos, apenas cinco deles recebem visitas dos familiares. “Quando a gente descobre família, nós vamos atrás. Não é para a família levar de volta, mas para dar um acompanhamento, da uma assistência”, diz Cleide.
Cleide conta que muitas vezes os filhos ou netos têm mágoas do que um pai, por exemplo, pode ter feito no passado. A dor deles costuma ser maior do que um amor e cuidado para quem não tem mais saúde ou lucidez. Mas existem possibilidades que vem dos então desconhecidos e acalentam a vida dessas pessoas, fazendo toda a diferença.
Apadrinhamento afetivo
Uma solução para o abandono é recente lei sancionada pelo Estado. A Fundação Abrigo Bom Jesus já realiza o 'apadrinhamento afetivo de idosos' há um bom tempo, mas agora tem o apoio da nova Lei. São pessoas que se solidarizam e decidem ajudar da forma que podem, elas são os “amigos do abrigo”. Grupos de pessoas que vão em determinadas épocas do mês, levam todos os produtos, fazem churrascos e rodas de samba para os idosos se divertirem.
Com a autorização certa, tem idoso que pode sair sozinho e fazer suas compras e tem os que saem acompanhados, como a idosa Margareth. Ela caminha lentamente e pergunta se pode beber um copo de suco.
Cleide começa a falar baixinho e explica que aquela mulher foi encontrada na rua totalmente desiquilibrada, mas ela tem família. Atualmente ela está melhor e uma pessoa que não a conhecia, até então, leva a Margareth duas vezes por mês e sai para passear, leva ao shopping, almoça e faz compras. São esses voluntários desconhecidos que abraçam e dão seu amor, esperança e dignidade para aquelas vidas esquecidas e abandonadas.
A guarda total dos idosos representam uma grande responsabilidade para a direção do Abrigo. Um exemplo é o senhor Possidônio de 80 anos. Um dia o idoso chegou falando que iria ser funcionário do governador do Estado. Ele sentou, pediu autorização para sair do Abrigo e ficou nervoso. A diretora conta que disse para ele que ia resolver o assunto no dia seguinte, mas com a chegada da noite ele simplesmente pulou o muro e saiu.
A polícia foi acionada ainda durante a noite, mas somente pela manhã que a fundação recebeu um telefonema. Era o segurança do Palácio Paiaguás, informando que um idoso disse que morava no abrigo e que ele estava lá, sentado, esperando o governador.
“Ele enfiou na cabeça que tem que ir lá e o governador vai arrumar um emprego para ele”. Diante da persistência de seo Possidônio, a casa resolveu dar uma autorização para que ele saia todos os dias.
“Todos os dias ele vai e volta. Ele sai com um jornal na cabeça tampando o sol e disse que já arrumou um emprego, só falta o governador assinar um papel. Ele diz, ‘O salário vai ficar na casa para a senhora cuidar dos meus irmãos’. Nós mandamos fazer um boné para ele, com o telefone do abrigo”.
Encerrando a conversa, chegou o ônibus com os idosos que estavam no passeio. Apesar da idade, eles desceram rápido do veículo e cumprimentavam com um sorriso no rosto, um singelo “bom tarde”. Alguns pousaram para fotografias.
Parece que tudo foi divertido, não houve tempo para pensar no abandono ou se o dia do idoso é em 27 de setembro ou 01 de outubro, foi o período para caminhar, curtir uma piscina e ter uma esperança de alegria.
Como apoiar o Abrigo
A diretora convida os que querem apoiar o Abrigo ou tornarem-se padrinhos afetivos dos idosos. "Quer ajudar? Vem aqui primeiro, venha conhecer e passar uma tarde com eles. Ai decide o que que fazer e como ajudar", diz Cleide. É possível entrar em contato através dos seguintes telefones (65) 3644-1706 e (65) 3322-9021 ou acessar o site. Também há um bazar que funcionam as quartas e quintas-feiras, das 14h às 17h. São diversas peças de roupas e bijuterias cujo os valores variam entre R$ 3 e R$ 20. Também é possível realizar doações em dinheiro na seguinte conta:
Abrigo Bom Jesus
Banco do Brasil
Agência: 046-9
Conta Corrente: 402059-6
CNPJ: 03.483.351/001-99