Quando Natalia Desine Monfiete, 33, e Carlos Eduardo Moraes, 32, se casaram, há cinco anos, estavam decididos em adotar um filho e ter outro biologicamente. Dispensaram as restrições que o formulário da adoção lhes apresentou, e, após um ano de papelada, conheceram seu primeiro filho: Carlos Eduardo, mesmo nome do pai. Um garoto autista de quatro anos e oito meses, que vivia em um abrigo em Brasília.
A única restrição que o casal colocou foi a de idade: até cinco anos. “Eu achei o questionário muito frio. Parece que você está escolhendo uma coisa, e filho você não escolhe. Você pode ter um filho biológico e vir com qualquer problema... e querer uma criança perfeita, que seja bebê... não sei, não fazia essa questão, não tinha isso. Não queria escolher meu filho”, contou Natália ao Olhar Conceito, em uma entrevista feita na sala de seu apartamento.
Foram nove meses de papelada, visitas de assistentes sociais e psicólogas, e apenas dois meses na fila, antes que eles recebessem a ligação da assistente social. “Só de falar o mesmo nome [do pai], o pai já amoleceu”, lembra a mãe. Após o primeiro contato, o abrigo abriu uma exceção e enviou uma foto do menino.
“O rito normal é: a gente ir ao abrigo, conhecer, e se tiver interesse começar a ir aos finais de semana, depois trazê-lo pra casa no final de semana pra ficar com a gente, até decidir realmente adotar e conseguir a guarda provisória. Como ele é de Brasília, eles fizeram o processo como se fosse um bebê, que é mais rápido. Ela [a assistente social] perguntou se a gente queria ir lá conhecer. A gente decidiu que queria. Ela falou que ele era autista, mandou uma foto, e quando eu vi a foto... achei minha cara quando eu era criança. A gente conversou e decidiu ir conhecer”, explicou o pai.
Carlos e Natália (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)
Antes de realizar a adoção, o casal começou a pesquisar sobre o autismo, sobre o que, segundo os dois, não sabiam nada. “Nessa hora a gente correu atrás de muita coisa, de saber até no plano de saúde como seriam essas coisas. Porque eu pensei, como a gente vai dar suporte pra essa criança se a gente não tiver?”, lembra Natália. Mas toda pesquisa não foi tão eficiente quanto o contato. “A gente o conheceu e mudou totalmente meu conceito sobre autismo. Porque na verdade cada um é de um jeito. Fomos conhecendo ele, e aí que a gente aprendeu alguma coisa. A gente chegou lá e pensou que ele ia ser arredio, que não ia chegar perto da gente... ele já foi no colo e beijou o pai. Nisso já quebrou tudo o que a gente achava que o autista era. A gente pensou que ele ia ficar longe, não ia manter contato... e ele é muito carinhoso”.
Os primeiros seis meses em casa, segundo Natália, foram os mais difíceis. Ela tirou licença maternidade, e passou todo este tempo com o filho, aprendendo a nova relação. “Ele não sabia nada, não se comunicava de jeito nenhum... Só gritava e corria, e não tinha essa interação. Fomos aprendendo a nos adaptar a ele, o jeito mais certo de tratá-lo, e ele também foi aprendendo e evoluindo com as coisas que a gente foi ensinando. Foi muito aprendizado neste tempo que fiquei em casa. (...) Eu sempre dou esse exemplo: Quando ele chegou, ele tomava água e jogava o copo. Ele não sabia que tinha que tomar água e devolver o copo. Então até isso. Essas coisinhas a gente teve que começar a ensinar”.
Para ajudar no desenvolvimento de Cadu, os pais o colocaram na terapia ocupacional e equoterapia, e em tratamentos com psicóloga, fonoaudióloga e fisioterapeuta. Durante o tempo em que viveu no abrigo, ele fez só alguns meses de equoterapia e, antes, com sua família biológica, não fazia nenhum tipo de tratamento.
“Por não ter tido tratamento nenhum até os cinco anos, ele não sabe fazer nada ainda. Ele não é independente. Agora que está aprendendo a comer sozinho. Então a gente teve que adaptar muita coisa em relação a isso”, explica a mãe. Neste primeiro ano, no entanto, o avanço foi visível. “Agora ele consegue mostrar pra gente o que ele quer, sabe ir à cozinha e pegar o que ele quer e trazer pra gente. Ou se a porta está fechada ele vem, pega na nossa mão e nos leva pra abrir... evoluiu muito”.
Hoje, Cadu está em uma creche estadual, mas no ano que vem completa a idade para ir à escola, o que preocupa os pais. “A creche que ele está indo é preparada. A gente conseguiu a estadual, Maria Eunice, que todo mundo fala que é muito boa nesse sentido. E realmente a gente adora, e é muito lindo ver as crianças com ele”, conta Natália. “E eu queria uma escola assim. Porque a gente pensa em escola particular, e não é o objetivo deles. Eu não sei se tenho coragem de colocá-lo numa particular, porque pelo que a gente escuta, eles não têm um tratamento especial... O Cadu, pelo menos por enquanto, a gente sabe que não vai pra escola pra aprender. Ele vai pra socializar e porque tem que ir e é bom, faz muito bem pra ele. (...) E a particular não está preparada. Não é o objetivo deles ter uma criança que não vai estudar. Falam que atrapalha os outros. E não é assim. Eu também não quero que ele fique numa escola em que esteja só por obrigação. Quero que ele seja bem tratado”.
Mas nem as principais dificuldades foram maiores do que o bem que Cadu fez à família desde que chegou, há um ano. “[As pessoas falam] como se tivéssemos feito alguma coisa, como se fossemos herois... Eu não estou fazendo caridade. É isso que tem muita gente que pensa. Pra algumas pessoas eu falei: eu não estou fazendo caridade. Eu estou adotando ele porque eu quero, e ele é meu filho”, garante Natália. “O que eu mais gosto é quando ele vem, abraça e beija a gente... perceber esse carinho. Porque até na fisionomia dele, ele está mais alegre, mais amoroso”, complementa o pai. “Quando a gente vê a foto que ela [a assistente social] mandou pra gente, e a foto de quando a gente ficou lá no abrigo com ele... ele tinha uma fisionomia diferente. Só de ver o jeito que ele era, e vê-lo rindo hoje, é demais”, finalizam.