Depois das denúncias contra o médium João de Deus e a prisão dele, o número de pessoas que procuram informações sobre mediunidade e atendimentos de cura na Federação Espírita Brasileira (FEB), com sede em Brasília, não para de crescer. A informação é do vice-presidente da FEB, Geraldo Campetti.
Para ele, o que ocorreu em Abadiânia (GO) é uma oportunidade que deve ser usada para esclarecer o papel de um médium. Segundo o espiritismo, o médium é um ser humano comum e qualquer pessoa tem mediunidade.
"Basta desenvolvê-la de maneira adequada", diz Campetti. De acordo com o vice-presidente da FEB, o problema é quando se confundem "os valores materiais com o dom espiritual".
"A vaidade é responsável pelo maior índice de fracasso dos médiuns."
Campetti, que visitou a Casa Dom Inácio de Loyola no entorno do DF e conheceu João de Deus nos anos 1980, afirma que presenciou cirurgias com cortes e percebeu a força mediúnica do líder do local. Mas explica que a mediunidade pode ser perdida, principalmente se ela estiver relacionada ao personalismo e a vaidade.
"João de Deus não é espírita".
Em uma nota pública, a FEB afirma que "o Espiritismo orienta que o serviço espiritual não deve ocorrer isoladamente, apenas com a presença do médium e da pessoa assistida. Não recomenda, portanto, a atividade de médiuns que atuem em trabalho individual, por conta própria. Estes não estão vinculados ao Movimento Espírita, nem seguindo sua orientação".
A Casa Dom Inácio de Loyola e João de Deus não são vinculados à Federação Espírita Brasileira.
Atendimentos na Casa Dom Inácio Loyola, em Abadiânia, Goiás, começaram sem João de Deus na quarta-feira, 12 de dezembro — Foto: Murillo Velasco/G1
O vice-presidente da FEB diz que as cirurgias espirituais realizadas com cortes, são cada vez mais raras. "Nas casas espíritas, integradas ao Movimento Espírita, há o atendimento espiritual e o trabalho da terapêutica espírita. Não existem atividades voltadas para a atuação de médiuns que realizem cirurgias espirituais com corte, que atuem individualmente, nem que sejam médiuns principais ou privilegiados", afirma.
"Evitamos o personalismo que leva à vaidade."
Se para os médiuns o alerta é não se deixar levar pela vaidade, para quem busca atendimento a orientação é perceber que a cura do corpo não é o principal. Segundo Campetti, "não há cura imediata, a cura é consequência".
A apresentadora Oprah Winfrey conversa com o médium João de Deus sob uma árvore na Casa Dom Inácio de Loyola — Foto: Rafaela Céo/G1
"A doença não está no corpo, está na alma."
"A pessoa que busca uma casa espírita é porque tem necessidade. Quem tem o dom precisa usá-lo com respeito e sem violar esse recurso", afirma Campetti.
A Federação Espírita Brasileira reúne 15 mil centros espíritas no país que é hoje o que tem o maior número de instituições que seguem a doutrina no mundo. Segundo o Censo de 2010, 3,8 milhões de brasileiros são espíritas declarados e 40 milhões se dizem simpatizantes.
Geraldo Campetti lembra que muitas pessoas são médiuns sem ser espiritas. "Pode ser protestante, católico, evangélico ou seguir as religiões africanistas", explica ele ao dizer que a diferença é que o espiritismo estuda, sistematiza, e cria métodos para praticar a mediunidade baseada em Allan Kardec.
"O espiritismo estuda essa comunicabilidade entre os mundos."
No espiritismo também não há ritos, vestimentas, hierarquia ou sacerdócio. Por isso, para a FEB a Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, onde João de Deus fazia os atendimentos espirituais não é uma casa espírita.
De acordo com a federação, a casa, ou centro espírita, deve seguir alguns princípios:
O médium, no espiritismo, segue preceitos e diretrizes onde "faz uma renúncia de si mesmo", diz Campetti. Além disso, nas casas, não há um médium único ou principal, mas uma equipe de trabalho.
João de Deus se entregou à polícia no domingo, 16 de dezembro — Foto: Reuters
Segundo a FEB, cabe ao Poder Judiciário o julgamento de João de Deus. Mas o uso da mediunidade confere responsabilidade a quem pratica o dom.
"Quando a pessoa se desvia do caminho, pode perder a assistência do plano superior."
"Não devemos confundir o sagrado com o profano", afirma o vice-presidente da FEB. Para ele, o trabalho nas casas espíritas deve ser realizado em benefício do semelhante e sem interesse de recompensa – é um trabalho de caridade.
"O que está acontecendo é um alerta, uma chamada de atenção. Todos somos seres humanos, ninguém está livre de uma queda, mas é preciso deixar que coisas passageiras, temporárias, não interfiram na nossa conduta", diz ele.
"Não temos direito de julgar ou condenar, mas não podemos passar a mão na cabeça – por nossos erros ou pelos erros dos outros."