Há mais de uma década a Lei 9.870/1999 criou uma regra de reajuste das mensalidades escolares que privilegia a livre concorrência, permitindo que as Instituições de Ensino Superior alterem seu preço original com base na variação de custos (revisão contratual) ou na aplicação de índices oficiais (reajuste de preço).
Esta regra surgiu após tentativas de indexar as mensalidades ou mesmo de criar um processo de livre negociação entre os estudantes – ou seus representantes – e as Instituições. Durante anos provou ser eficiente, com resultados que, visivelmente, criaram um ambiente altamente “regulado” pela competição de mercado. Em regra, a acirrada concorrência fez com que as mensalidades escolares não tivessem aumentos exorbitantes, mas desde 2012 tornou-se visível uma variação dos preços para o FIES.
Inicialmente, o Poder Público reagiu exigindo que as mensalidades para o FIES não fossem diferenciadas e resultassem, inclusive, da aplicação de todos descontos regulares de caráter coletivo ofertados aos demais alunos. Mas a partir de 2015, pressionado pelo elevado gasto com o programa, teve início um processo de limitação informal das mensalidades escolares no caso do FIES. Percentuais arbitrários e até mesmo índices não divulgados criaram patamares máximos de reajuste e deram ensejo a uma grave crise nos últimos anos, que impediu ou dificultou muitos aditamentos contratuais do financiamento estatal. Em paralelo, o Poder Público tentou regular por meio de normas menores – como portarias ou similares – o valor da mensalidade, impondo, à revelia da Lei, um desconto específico para beneficiários do programa.
Para justificar toda essa intervenção, criou comissões que deveriam analisar supostos reajustes abusivos. Essas comissões nada comprovaram, ou, no mínimo, nada divulgaram, demonstrando a falta de fundamento para contestar a política de reajustes vigente. Contudo, mesmo sem base concreta, surgiu na Medida Provisória que trata do Novo FIES uma novidade: a possibilidade de regulamentação do reajuste das mensalidades escolares dos contratos FIES novos e em andamento.
Esta possibilidade está expressamente prevista na Medida Provisória 785/2017, que altera a Lei 10.260/2001, para impor:
Art. 15-E. São passíveis de financiamento por essa modalidade do Fies até cem por cento dos encargos educacionais cobrados dos estudantes pelas instituições de ensino devidamente cadastradas [...]
§ 1o. O valor total do curso originalmente financiado será discriminado no contrato de financiamento estudantil dessa modalidade, o qual especificará, no mínimo, o valor da mensalidade no momento da contratação e o índice de reajuste ao longo do tempo, na forma a ser estabelecida em regulamento.
[...]
A nova regra, que pode até ser compreensível num contexto de redução dos gastos estatais com o Programa, é de constitucionalidade duvidosa.
Essa dúvida funda-se, em primeiro lugar, no princípio da isonomia, pois, prevalecendo a nova regra para o reajuste do FIES, ocorrerá uma disparidade entre esses contratos e os demais contratos educacionais, que continuam sendo regidos pela Lei 9.870/1999. Ou seja, seria aparentemente inconstitucional criar uma regra de reajuste apenas para os estudantes do FIES e deixar o demais sem qualquer justificava, sujeitos a regras de mercado. Nessa situação, cabe frisar, poderíamos ter tanto casos em que o reajuste de mercado fosse bem maior que o dos financiamentos públicos quanto casos em que o contrato FIES teria reajuste maior. Esse é o problema da indexação oficial, cria-se um parâmetro artificial cujos efeitos não são totalmente previsíveis e injustos.
Além disso, há um gravíssimo problema de legalidade quanto à aplicação retroativa da regra de 2017, ou melhor, a respeito da aplicação das novas regras aos contratos de financiamento vigentes.
Sobre esse tema, a Medida provisória traz uma regra já na parte final, das disposições transitórias:
Art. 20-C. O disposto no Capítulo IIII aplica-se aos financiamentos do Fies concedidos anteriormente à data de publicação da Medida Provisória no 785, de 6 de julho de 2017.
Esta regra é claramente inconstitucional se consideramos que o contrato do FIES é norteado pela primeira contratação, ou seja, se considerarmos os aditamentos como atos vinculados ao contrato inicial. Se assim for, o princípio de que a “lei não pode modificar ato jurídico perfeito” (Art. 5º, XXXVI, da Constituição) tornará inconstitucional a aplicação da nova regra de reajuste aos contratos já firmados.
Cabe lembrar que a Procuradoria Geral da República já se manifestou em caso similar afirmando que “Afronta o princípio da segurança jurídica ato do Poder Público que altera requisitos para aditamento dos contratos de estudantes já habilitados no Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)” e que o Supremo Tribunal Federal, em decisão do Ministro Roberto Barroso referendada pelo plenário da Corte, reconheceu a: “Plausibilidade jurídica da alegação de violação à segurança jurídica, pela aplicação retroativa de norma nova, no que respeita aos estudantes que já dispõem de contratos celebrados com o FIES” (Parecer e decisão na Medida Cautelar da ADPF nº 341/2015). Dessa forma, a confirmação da inconstitucionalidade da aplicação da Medida Provisória 785/2017 a contratos vigentes parece bastante provável.
Enfim, apesar de aparentes avanços, que serão delineados a partir da regulamentação das novas modalidades de FIES, a questão da limitação dos reajustes já demonstra que existe um aspecto negativo na mudança proposta, um dirigismo contratual desnecessário e, cabe acrescentar, incongruente com um contexto no qual as propostas de Governo pareciam ser mais liberais.
* Agradeço a professora Abigail Ribeiro pelas sugestões, como sempre inestimáveis.